Atrás do Cupuaçu
Tiago Zapater*
De se observar que, em um primeiro plano, o que se apresenta como, aparentemente, apenas uma disputa comercial entre a Embrapa e a Asahi Foods sobre o direito a uma marca, tem como pano de fundo uma questão muito mais relevante, que é a proteção do patrimônio genético brasileiro. A apropriação do nome e, mais que isso, dos processos de extração de chocolate, utilização da fruta, demonstram a fragilidade da proteção a esse patrimônio.
Para entendermos o significado desse patrimônio genético, deve ficar claro que o real valor do Cupuaçu não está em seu nome, como marca comercial (mesmo porque se trata de nome popular de uma fruta, não podendo ser apropriado como marca), mas nas propriedades inerentes a essa fruta. Por exemplo, além do sabor peculiar, uma mistura própria de azedo-doce, o chocolate extraído do Cupuaçu apresenta características nutritivas melhores do que o chocolate de cacau.
Esse tipo de característica agrega um potencial econômico bastante elevado para a fruta. Assim como o Cupuaçu, fruta nativa brasileira, do Estado do Acre, outras plantas e frutas apresentam também características naturais, que vão desde um sabor peculiar, ou qualidade nutricional, até propriedades terapêuticas, cosméticas, etc. Essas qualidades, que ensejam um alto potencial econômico e tecnológico, constituem um patrimônio imaterial a que se denomina patrimônio genético.
Tratando-se de planta, ou fruta, nativa do Brasil, é ele o legítimo proprietário desse patrimônio. A soberania das nações sobre seu patrimônio genético é reconhecida desde a Convenção da Biodiversidade, em 1992, e o acesso a esse patrimônio é regulamentado, desde 2001, via Medida Provisória, que também criou órgão competente para deliberar e regulamentar o assunto, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGEN, órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente.
Assim, por essa legislação, a pesquisa e utilização de plantas nativas brasileiras deve ser previamente autorizada, propiciando-se à União uma adequada participação nos benefícios produzidos por essa utilização, por exemplo, através do pagamento de royalties.
Parece, contudo, que nem investidores, nem governo, têm aproveitado adequadamente o potencial desse patrimônio. Talvez por excesso de burocracia do órgão governamental, talvez por falta de maior incentivo às empresas, através de convênios, por exemplo, o fato é que as empresas sérias dos ramos mais interessados, como de medicamentos, cosméticos e alimentos, ficam limitadas pela falta de facilidades em firmar contratos com a União para uso desse patrimônio, enquanto que, empresas menos sérias utilizam de forma clandestina esse patrimônio, prejudicando a ambos outros e a todos demais.
Assim, atrás do Cupuaçu, muito mais do que seu nome, impropriamente apropriado pela empresa japonesa, revela-se a fragilidade da soberania nacional sobre seu patrimônio genético, que deve ser mitigada com uma aproximação entre a União e as empresas interessadas na exploração desse patrimônio.
_________________
*Advogado do escritório Azevedo Sette Advogados
___________________