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Os reflexos paradoxais da reclamação no Brasil

Uma análise histórica e axiológica deste instituto sui generis, utilizado na contemporaneidade de modo a trazer à tona a positivação da competência constitucional e suas possíveis decorrências no ordenamento jurídico.

29/8/2024

Para iniciar esta argumentação de forma a tratar a historicidade da Reclamação, faz-se necessário descrever que o Direito Romano serviu de base para sua positivação, uma vez que se espelhou nos institutos romanos supplicatio1 de apelação, daquela época. Isto é, toda vez que ocorriam crises socioeconômicas em Roma, os senadores se reuniam para pedir orações, suplicando que os deuses tivessem misericórdia e atendessem às necessidades urgentes da sociedade.

 Nessa linha, trazendo para a contemporaneidade, o instituto da Reclamação Constitucional foi uma criação original do Direito brasileiro, mesmo tendo semelhança com institutos como Mandado de Segurança e recursos tratados pelo Direito europeu e americano. Outrossim, sabe-se que a primeira Reclamação 141, descrita no ordenamento jurídico brasileiro, pautava-se no Regimento interno do STF em 1952, sendo um marco de aceitação da “doutrina dos poderes implícitos2. De acordo com esta Reclamação,

“A competência não expressa dos tribunais federais pode ser ampliada por construção constitucional. - Vão seria o poder, outorgado ao STF de julgar em recurso extraordinário as causas decididas por outros tribunais, se lhe não fôra possivel fazer prevalecer os seus próprios pronunciamentos, acaso desatendidos pelas justiças locais. - A criação dum remédio de direito para vindicar o cumprimento fiel das suas sentenças, está na vocação do STF e na amplitude constitucional e natural de seus poderes. - Necessária e legitima é assim a admissão do processo de Reclamação, como o Supremo Tribunal tem feito. - É de ser julgada procedente a Reclamação quando a justiça local deixa de atender à decisão do STF.”

Destarte, em relação a teoria supracitada dos poderes implícitos, faz-se mister destacar que ocorre uma espécie de permissão, no tocante a funcionabilidade de um órgão ou instituição para utilização de meios necessários para a positivação efetiva de suas atribuições constitucionais, mesmo que implicitamente. Ou seja, com a Promulgação da CF/88, pôde-se visualizar a importância da Reclamação Constitucional e sua instrumentalidade sui generis na advocacia brasileira. Por conseguinte, nos arts. 102 e 105 da CF/88 existem referências que resguardam a preservação da competência e da autoridade das decisões dos Tribunais, além de arrefecer usurpações de jurisdição no ordenamento brasileiro.

Posteriormente, para reafirmar o valor da utilização da Reclamação no ordenamento jurídico, em 2006, além do aparato constitucional, surgiu a lei infraconstitucional 11.417, na qual estipula a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de SV pelo STF. Explicando melhor, essa normativa contextualizou o sistema de precedentes no Brasil ao ditar no Art. 7º, “Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá Reclamação ao STF, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação". Diante dessa inovação no common law do Brasil, iniciaram-se questionamentos a respeito da natureza jurídica desse instituto, pois postulava atributos muito semelhantes a um Mandado de Segurança como: a admissibilidade de prova documental, previamente acostada nos autos, o rito abreviado e a celeridade processual e a impossibilidade de aferição após o trânsito em julgado.

Conquanto, apesar das semelhanças supracitadas, há divergência na doutrina no tocante a capitulação de incidente processual ou ação autônoma. Nessa toada, a grande maioria dos magistrados concorda que não se pode considerar a Reclamação como um recurso, uma vez que tal tratativa instaura um novo processo, ao contrário dos pressupostos recursais constitucionais. Assim, mesmo com as positivações constitucionais e infraconstitucionais em voga, foi com a vigência do NCPC - Novo Código de Processo Civil, em 2015, que a aceitabilidade da Reclamação tomou outro rumo, pois expandia a propositura para garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de IRDR - incidente de resolução de demandas repetitivas ou de IAC - incidente de assunção de competência;além da garantia   da observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade.

Em decorrência disso, surge o problema do abarrotamento das Cortes Superiores, pois um turbilhão de processos seria tratados pelo STF e STJ e essas estavam se tornando instancias de resoluções de uma espécie de “caos processual”.

Nessa perspectiva, todos os fatos estavam indo na contramão funcional das Cortes, que deveriam universalizar soluções e não replicar instâncias, sem a devida aplicabilidade ao Direito brasileiro. Segundo o jurista Freddie Didier, “o controle concentrado chegou a um pico de maturidade, após a vigência do NCPC, com a ampliação dos legitimados, no qual existiam mais de 7.000 ADIN em controle concentrado, para serem consideradas”.

Nesse diapasão, para tentar conter a enxurrada revisional, foi proposta pelo então deputado Alex Manente a PEC 199/19, para tentar acabar com os Recursos Extraordinário e Especial ao STF e ao STJ, previstos nos arts. 102 e 105 da Carta Magna. Ou seja, para alguns doutrinadores, julgar menos para julgar melhor deveria ser o lema enraizado nas Cortes recursais. Todavia, arquivou-se tal pedido, alegando-se inconstitucionalidade e arrefecimentos de cláusulas pétreas da CF/88.

Após percorrer a história do surgimento da Reclamação no Brasil, ainda resta descrever a aceitação na seara trabalhista, posto que já havia positivação constitucional e posterior utilização no processo civil. Entretanto, com a Emenda Constitucional 92/16, o TST fora explicitado como órgão do poder Judiciário, com modificação de competências e provimento de cargos dos magistrados. Para o ministro Claudio Mascarenhas Brandao,

“A história da Reclamação constitucional pode ser traduzida em avanços e retrocessos, sendo constituída de cinco fases: primeira-a pré-história do processo civil; segunda-fase regimental; terceira-escuridão devido a inconstitucionalidade; quarta-reafirmação de competência do NCPC e a última de implantação, em 1992, no TST."

Finalmente, com toda a explanação sobre a utilização da Reclamação constitucional e infraconstitucional, é fato que mais de 54% dessas ações que chegam ao STF tem viés trabalhista e ostentam demandas de cunho social, gerando opiniões anacrônicas. Explicando de outra forma, para alguns, o STF estaria se tornando"um balcão de reclamações da justiça trabalhista” e a Reclamação estaria sendo utilizada de forma banalizada. Para outros, este fato externaliza o problema, ainda maior, a respeito da situação da zona de penumbra entre os julgados do STF e TST, muito bem descritos pelo jurista e professor Luiz Guilherme Marinoni.

Desse modo, cabe ressaltar que a forma prática como surgiu a Reclamação no Brasil traduz a necessidade de se estabelecer a competência jurisdicional, em cada caso concreto, apesar do Direito ser uno. Além disso, a grande questão a ser resolvida pró futuro é se o common law  se sobreporá ao civil law romano no Brasil, vinculando decisões, sem usurpar e prejudicar a segurança jurídica brasileira.

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1 Supplicatio ("suplicação") era uma cerimônia solene da religião da Roma Antiga que se celebrava para agradecer aos deuses por alguma graça ou suplicar-lhes misericórdia e ocorria em ocasiões especiais decretadas pelo Senado romano, responsável também por estabelecer as datas de início e fim da cerimônia.

2 A teoria dos poderes implícitos tem sua origem na Suprema Corte dos EUA, no ano de 1819, no precedente Mc CulloCh vs. Maryland. 

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Joseane de Menezes Condé
Servidora Pública Federal do TRT 15 Americana, Mestranda em Direito Internacional FUNIBER, pós graduação em Direito Constitucional Damásio, pós graduanda em direito tributário e trabalhista

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