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A desjudicialização da execução civil no direito brasileiro

O PL 6.204/19, que dispõe sobre a desjudicialização da execução civil, é uma solução para a afetividade da tutela executiva?

27/8/2024

A efetividade da tutela jurisdicional sempre foi um tema que pautou as discussões travadas pela comunidade jurídica, tendo em vista que não adianta o cumprimento apenas do processo enquanto procedimento sem a efetividade da tutela jurisdicional, ou seja, sem a prestação jurisdicional cumprir o seu escopo magno, que é a pacificação social.

Dessa forma, com o advento do CPC/15 (lei Federal 13.105/15), o foco estabelecido pelo legislador constituído foi a efetividade da tutela jurisdicional, com a garantia do devido processo legal, do contraditório substancial, da primazia do julgamento de mérito, da boa-fé processual e da cooperação como normas fundamentais do processo civil.

Neste diapasão, saltam aos olhos algumas medidas que visam otimizar o exercício da atividade jurisdicional, haja vista que vivencia-se o fenômeno da litigância de massa, com um número gigantesco de ações, como demonstrado no relatório do anuário “Justiça em Números” do CNJ, fruto, dentre outros fatores, da facilitação do acesso à justiça, decorrente do fomento da defesa dos direitos, bem como a atuação profícua de algumas instituições, como é o caso da Defensoria Pública e do Ministério Público. 

Com efeito, sobressai a preocupação quanto à efetividade da tutela executiva, visto tratar-se diretamente da realização concreta/material do direito do credor face ao devedor, bem como a alta taxa de congestionamento relativo a matéria, ou seja, o número exorbitante de demandas executivas pendentes de baixa no Poder Judiciário brasileiro.

O Poder Judiciário brasileiro enfrenta grandes entraves no que concerne à eficiência dos atos processuais, primordialmente, na execução, que conforme se deflui dos dados disponibilizados no anuário “Justiça em Números” demonstra um grande número de demandas pendentes de julgamento, bem como a sua concentração na seara da execução civil, o que atinge a efetividade da tutela jurisdicional.1

Especificamente em relação aos dados extraídos do anuário justiça em números de 2024, que tem como ano-base 2023, constatou-se que o primeiro grau do Poder Judiciário contava com um acervo de 78 milhões de processos pendentes de baixa, até o final do ano de 2023, sendo 56,5% inerentes a fase executiva2.

Assim, tendo em vista que, pelo menos em uma análise sumária dos dados fornecidos pelo anuário “Justiça em Números” do CNJ, um dos pontos de sobrecarga do Poder Judiciário figura no âmbito da execução civil, o que traz à baila a necessidade de se discutir alternativas para “desafogar” o Estado-juiz, garantindo a efetividade da tutela executiva.

Um dos pontos de discussão dos meios para solapar com a crise de efetividade da tutela jurisdicional é a desjudicialização da execução civil, que consiste em possibilitar a um agente externo ao Poder Judiciário a realização de atos constritivos no patrimônio do devedor, como etiquetado no PL 6.204/19, que dispõe sobre a desjudicialização da execução do título executivo judicial e extrajudicial, em trâmite no Senado Federal.

Em apertada síntese, o PL 6.204/19 (BRASIL, 2019) disciplina a execução extrajudicial para cobranças de títulos executivos judiciais e extrajudiciais, atribuindo ao tabelião de protesto a função de agente de execução, uma alternativa para descongestionar o Poder Judiciário das pendências quanto à execução civil, que representam 56,5% das ações em curso, como já destacado em linhas pretéritas, referentes aos últimos dados.

Percebe-se, contudo, que a aprovação do PL 6.204/19 não seria a solução de todos os problemas concernentes a efetividade da tutela executiva, já que como bem chama a atenção as críticas tecidas pelo professor Marcelo Abelha Rodrigues, ao destacar que grande parte da paralisação das execuções civis ocorre devido a falta de capacidade econômica dos devedores executados em arcar com a obrigação de pagar. 

Segundo dados coletados pelo IBGE, no primeiro trimestre de 2024, o desemprego bateu 8,6 milhões de pessoas, implicando diretamente no endividamento das famílias, o que parece transmitir que grande parte das execuções paradas não se trata diretamente, pelo menos sob este prisma, da ineficiência do ato jurisdicional, mas de uma crise quanto a capacidade econômica do devedor de arcar com os valores devidos, ou seja, uma crise patrimonial que faz com que a fase executiva fique, a rigor, parada em busca do patrimônio do devedor executado.3

Ora, não seria expandindo a execução civil no plano extrajudicial que haveria, por si só, a afetividade da tutela executiva, mas um reforço na busca pela responsabilização patrimonial do devedor executado, possibilitando uma maior facilitação e celeridade nos atos executivos, o que não se tem no âmbito judicial.

Cabe evidenciar que a experiência da execução civil extrajudicial não é uma inovação no direito brasileiro, pois a primeira previsão legal se deu no decreto-lei 70/66, que previa a figura da execução extrajudicial de dívidas hipotecárias, possibilitando ao credor executar a dívida diretamente, sem a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário.

O PL 6.204/19 é um avanço no fortalecimento da extrajudicialização dos procedimentos, assim como ocorreu com o inventário, o divórcio, a usucapião e a adjudicação compulsória, garantindo ao jurisdicionado a possibilidade de percorrer um trâmite mais célere, eficaz e desburocratizado, encampado pelos tabeliães de protesto, que serão agentes de execução, profissionais qualificados e imparciais que zelarão pela eficácia dos atos executivos e pela preservação dos direitos do devedor executado.

Dessa forma, parece que o projeto da desjudicialização da execução civil pode ser um instrumento de facilitação para descongestionar o Poder Judiciário das inúmeras execuções civis paralisadas, contribuindo, fundamentalmente, para a preservação do direito de crédito, que é essencial, por sua vez, para a credibilidade econômica do país.

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1 Segundo dados do anuário “Justiça em Números” de 2020 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ existem 77 (setenta e sete) milhões de processos pendentes de julgamento, sendo que 55,8 % são referentes à execução.

2 Segundo dados do anuário “Justiça em Números de 2024 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ existem 78 milhões de processos pendentes de baixa no primeiro grau do Poder Judiciário, contabilizados até o final do ano de 2023, sendo que 56,5% são inerentes a execução.

3 Segundo dados do IBGE, o desemprego no Brasil chegou, no primeiro trimestre de 2024, a 8,6 milhões de desempregados. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php.

 

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BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 10 ago. 2024.

BRASIL. Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 17 de maço de 2015. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 10 ago. 2024.

BRASIL. Decreto-Lei nº 70, de 21 de novembro de 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0070-66.htm. Acesso em: 09 ago. 2021.

BRASIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: STF-RE: 827106 PR, Relator: Dias Tóffoli. DJ: 14/06/2021. Disponível em:  https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1231415627/recurso-extraordinario-re-627106-pr. Acesso em: 10 ago. 2021.

HILL, Flávia Pereira. Desjudicialização da Execução Civil: reflexões sobre o projeto de Lei nº 6.204/2019. Revista Eletrônica de Direito Processual, v. 21, 2020.

PEIXOTO, Renata Cortez Vieira. O Projeto de Lei 6.204/2019 e a Desjudicialização da Execução Civil: Adequação da Atribuição de Agentes de Execução aos Tabeliões de Protestos. 2009. Disponível em: file:///C:/Users/Alucom/Downloads/38-255-1-PB%20(2).pdf. Acesso em: 10 ago. 2024.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Execução. 7. ed. rev e atual: Rio de Janeiro: Forense, 2019. 

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei nº 6204, de 2019. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/139971 . Acesso em: 10 ago. 2024.

Carlos Afonso Quixadá
Advogado com atuação em Direito Imobiliário, Sucessões e Partilha de Bens. Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Pós-graduado em Direito Imobiliário pela EPD.

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