A lei 14.133/21, que rege as licitações públicas no Brasil, estabelece, em seu art. 5º, diversos princípios que orientam o processo licitatório. Entre esses, destaca-se o da vinculação ao edital, um dos pilares fundamentais para garantir a transparência, a igualdade de condições entre os concorrentes e a segurança jurídica do processo – e é essencial para assegurar que tanto a administração pública quanto os licitantes respeitem as regras previamente estabelecidas.
No contexto de uma licitação, o edital é considerado uma espécie de "lei interna" - isso significa que todos os procedimentos, desde a habilitação dos participantes até o julgamento das propostas, devem seguir rigorosamente as normas e condições ali estabelecidas. A relevância desse princípio é evidente: qualquer desvio ou interpretação extensiva das regras pode comprometer a integridade da licitação, gerando insegurança e potencial prejuízo aos participantes.
Um exemplo recente ilustra bem essa questão. Em uma determinada cidade do interior de São Paulo, o pregoeiro decidiu inabilitar uma empresa sob o argumento de que a modalidade de contratação de profissionais autônomos se aplicaria exclusivamente a médicos. No entanto, essa limitação não estava prevista no edital, que apenas mencionava a possibilidade de contratação de profissionais autônomos, sem especificar categorias profissionais. O pregoeiro violou o princípio da vinculação ao edital, criando uma nova regra não prevista no documento (ao estabelecer que apenas médicos poderiam ser contratados como autônomos) e utilizar essa justificativa para inabilitar a licitante.
A doutrina de Hely Lopes Meirelles, um dos mais renomados juristas brasileiros, é clara nesse ponto. Segundo ele, o edital é a lei interna da licitação e, como tal, vincula aos seus termos tanto os licitantes como quem o expediu. Assim, caso a administração pública verifique a inviabilidade das regras estabelecidas no edital, deve invalidar a licitação e reabri-la com novas diretrizes – mas nunca criar ou modificar regras durante o processo.
Esse entendimento também é corroborado pela jurisprudência do STJ, que ao julgar o agravo interno 70491/SC 2023/0006675-7, reafirmou que as regras editalícias, consideradas em conjunto como verdadeira lei interna do certame, vinculam tanto a administração como os candidatos participantes. Essa decisão, assim como outras anteriores, reforça a necessidade de respeito absoluto às regras editalícias.
Diante desses fundamentos, é evidente que a aplicação de uma regra não prevista no edital é ilegal. A violação desse princípio pode acarretar graves consequências jurídicas, incluindo a nulidade dos atos administrativos praticados em desacordo com o edital, por exemplo. Portanto, é imperativo que tanto a administração pública quanto os licitantes estejam atentos e respeitem rigorosamente as normas estabelecidas no edital, assegurando, assim, a lisura e a justiça do processo licitatório.