O Endowment Effect ou “Efeito Dotação", é um conceito estudado no contexto da economia comportamental, descrevendo o comportamento tendente das pessoas a atribuírem um valor maior a bens ou direitos que já possuem, em comparação com o valor que atribuíram a estes mesmos bens ou direitos se não os possuíssem.
Seguindo este raciocínio, não é equivocado afirmar que, uma vez que os indivíduos carregam consigo a característica de atribuir valor a algo, única e simplesmente por aquilo ser de sua propriedade, causa um contraponto no que concerne a disposição para vender seus bens no valor atribuído pelo mercado.
Neste sentido, o economista Richard Thaler, em sua obra Em Direção a uma Teoria Positiva da Escolha do Consumidor, ensina que "as pessoas tendem a valorizar mais os bens que já possuem do que bens equivalentes que poderiam adquirir. Isso é uma evidência de que a posse em si aumenta o valor percebido de um bem, independentemente de seu valor de mercado." (Thaler, 1980, p. 44).
Em consonância, também se posiciona o psicólogo e economista canadense, Daniel Kahneman, "a aversão à perda implica que a desutilidade de perder algo é maior do que a utilidade de adquirir algo de valor equivalente. Esse princípio explica por que os indivíduos valorizam mais aquilo que já possuem." (Kahneman & Tversky, 1979, p. 278).”
Sua aplicação no campo jurídico é relevante, visto que esse efeito se refere à tendência das pessoas de atribuírem um valor maior a bens ou direitos que já possuem, em comparação com o valor que atribuiriam a esses mesmos bens ou direitos se não os possuíssem, influenciando de forma direta nas negociações e na formação dos contratos, bem como na resolução de disputas e no comportamento dos agentes no mercado.
Para os dois autores supramencionados, a ideia central é a mesma: a posse de um bem cria uma ligação psicológica de cunho essencialmente intrínseco, que aumenta sua valoração, na mesma proporção que diminui a disposição para a venda ou troca no mercado em geral.
De modo a demonstrar empiricamente sua tese, Thaler fez o “experimento da caneca”. Nele, Thaler distribuiu diversas canecas para um gripo de participantes e lhes perguntou por quanto eles as venderiam. Em seguida, perguntou para um grupo distinto de participantes, o quanto eles estavam dispostos a pagar pelas exatas mesmas canecas que o primeiro grupo recebeu.
A constatação foi a de que aqueles que possuíam as canecas exigiam um preço muito maior para as vender, em relação aos que os outros estavam dispostos a pagar. Theler, portanto, pode concluir que a posse influenciava diretamente a percepção de valor.
"Os proprietários das canecas pediam cerca de duas vezes mais do que os compradores estavam dispostos a pagar, ilustrando claramente como a propriedade pode aumentar o valor percebido de um bem." (Thaler, 1980, p. 46).”
O comportamento intitulado de Endowment Effect tem efeito e aplicabilidade direta nas relações contratuais, sendo um deles na imposição de barreiras que dificultam a conclusão de acordos ou compromissos, uma vez que a tendência do possuidor é atribuir um valor marcado pela subjetividade ao bem ou direito em jogo, enquanto que para a outra parte - possível comprador - há uma constatação objetiva sobre a superioridade daquele valor diante do padrão mercadológico.
Ainda, na perspectiva de interpretação de cláusulas contratuais, é comum que o efeito aqui tratado influencie de tal modo que quando uma parte já possui um direito disposto e garantido em um instrumento contratual, ela pode vir a resistir a qualquer tipo de renegociação ou mudança, mesmo que a nova proposta seja mais vantajosa. Isso ocorre porque o direito já adquirido é valorizado, mais do que um direito equivalente que possa ser adquirido através da renegociação.
A autora Judith Martins-Costa, ao discutir a boa-fé objetiva no direito contratual brasileiro, sugere que a resistência das partes em modificar cláusulas contratuais pode ser explicada pela valorização subjetiva de direitos adquiridos, o que se alinha com o Endowment Effect: “a boa-fé objetiva exige que as partes atuem de forma cooperativa e leal, mas o Endowment Effect pode levar a uma postura mais defensiva, onde as partes se apegam rigidamente aos direitos já garantidos” (Martins-Costa, 2000).
Nessa mesma linha, outra decorrência do Endowment Effect é no prolongamento de disputas, sejam elas em contexto judicial ou extrajudicial. Schreiber, ao discutir o tema da responsabilidade civil e da reparação integral, observa que as partes envolvidas em litígios frequentemente supervalorizam os danos ou perdas sofridos, exigindo compensações mais altas do que aquelas que seriam objetivamente justas (Schreiber, 2011).
Esse comportamento reflete uma resistência à resolução amigável de conflitos, já que as partes tendem a valorizar mais os direitos ou bens perdidos.
De modo prático, podemos emprestar o exemplo de Thaler, ao dizer que ao considerar uma negociação de fusão e aquisição (M&A), a empresa-alvo, que possui uma marca consolidada no mercado, tem a inclinação de atribuir um valor significativamente mais alto a essa marca do que os compradores potenciais.
Essa supervalorização ocorre porque os donos e/ou executivos da empresa-alvo desenvolvem um apego emocional à marca, vendo-a não apenas como um ativo, mas como parte integrante da identidade da empresa. Neste sentido, é a afirmação do estudioso "as pessoas tendem a valorizar mais os bens que já possuem do que bens equivalentes que poderiam adquirir" (Thaler, 1980, p. 44).
Diante do exposto, podemos concluir que o Endowment Effect se revela como um fenômeno comportamental de significativa relevância no campo dos contratos, desafiando as suposições tradicionais da racionalidade econômica e influenciando diretamente a valoração de ativos, a negociação de termos contratuais e a execução de acordos.
A tendência das partes envolvidas em um contrato de supervalorizar os bens ou direitos que já possuem pode resultar em dificuldades para alcançar um consenso durante as negociações, além de afetar a disposição para renegociar ou ajustar termos contratuais ao longo do tempo.
Portanto, é crucial que advogados e mediadores que atuam em matéria contratual, estejam preparados para contrabalançar a influência desse fenômeno por meio de avaliações objetivas de ativos, mediação em situações de impasse e, principalmente, na educação dos clientes sobre as possíveis armadilhas comportamentais que podem distorcer suas percepções de valor.
Por fim, constata-se que essas abordagens ajudam a garantir que as negociações sejam conduzidas de maneira justa e racional, promovendo soluções contratuais que refletem o valor real dos bens e direitos envolvidos.
Ao integrar essa compreensão na prática jurídica, é possível minimizar os conflitos e facilitar a formação de contratos que atendam melhor aos interesses de todas as partes envolvidas, promovendo um ambiente de negócios mais estável e previsível.
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Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Teoria da Perspectiva: Uma Análise da Decisão sob Risco. Econometrica, 47(2), 263-291.
Thaler, R. (1980). Em Direção a uma Teoria Positiva da Escolha do Consumidor. Journal of Economic Behavior & Organization, 1(1), 39-60.
Martins-Costa, J. (2000). A Boa-Fé no Direito Privado: Sistema e Tópica no Processo Obrigacional. Revista dos Tribunais.
Schreiber, A. (2011). Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil. Atlas.