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Intolerância religiosa no ambiente de trabalho

O Brasil é rico em diversidade religiosa, com várias crenças presentes em todos os setores. A religião influencia a vida e o trabalho dos brasileiros, que frequentemente enfrentam desafios para conciliar fé e profissão. A CF/88 garante a liberdade religiosa, protegendo o exercício dos cultos e a liberdade de crença.

20/8/2024

Católicos, Umbandistas, candomblecistas, espíritas, judeus, islâmicos, evangélicos, hare krishnas, budistas, ciganos, Wiccanos, agnósticos e muitas outras religiões são encontradas no Brasil. E, se essas religiões estão difundidas no Brasil, certamente estão presentes nos diversos departamentos empresariais no País a fora. Todas as religiões são reproduzidas pelo advento chamado educação social, que vai correlacionar com a formação do ser humano, através da inserção em cultura institucional, histórica, étnica, psicológica e física de geolocalização.

A religião pode ser explicada, inicialmente, como sagração. O sagrado seria a experiência simbólica da diferença entre os seres, com um Deus, criatura ou entidade sendo superior aos demais. E esse Deus pode exercer poder e força que aos humanos seriam impossíveis de executar. Desta forma, o sagrado opera nos indivíduos encantamento do mundo, mas também implicam em vínculos de simpatia-atração ou antipatia-repulsão, pois direciona-se aos corações dos fiéis, despertando emoções e sentimentos (Chauí, 2000).

Para algumas religiões, o trabalho seria força propulsora do homem, pois o desenvolveria e edificaria, permitiria a lapidação de talentos, capacidades e habilidades até então desconhecidas. Uma forte característica do trabalhador brasileiro é ser essencialmente religioso, de forma a necessitar conciliar a sua profissão com sua fé e crenças. No entanto, a tarefa nem sempre é fácil, porque do desconhecimento e do estigma ao diferente, pode surgir o obstáculo da intolerância religiosa.

O Estado Brasileiro é laico desde a Constituição de 1891, quando consolidou a separação entre a Igreja e o Estado, fato que se manteve na CF/88. Segundo a Declaração Universal de Direitos Humanos, toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião – que inclui a liberdade de não ter ou mudar de religião, permitida, ainda, a manifestação de sua crença por práticas de cultos, isoladamente ou coletivamente, em público ou em particular. A Constituição Brasileira tem o art. 5º, inciso VI, da Constituição versa que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”. (CF/88).

Segundo as recentes pesquisas da Fundação Getúlio Vargas (2011), o Brasil apesar da divisão religiosa, tem o Cristianismo como epicentro da religiosidade brasileira, com católicos liderando o ranking (68,4%), seguidos de aumento exponencial dos evangélicos (20,2%), e em menor números tem-se os espíritas (1,65%) e os adeptos de religiões afro-brasileiras como umbanda e candomblé (0,35%); cresce, também, o número de pessoas denominadas ateus ou sem religião, que segundo o estudo atinge o pico de 7% dos brasileiros. O que se sabe é que 80% da população brasileira crê em alguma religião. Nestes contextos os Tribunais Trabalhistas têm se deparado com um aumento exponencial de denúncias relacionadas à discriminação religiosa, que partem tanto dos empregadores para com os colaboradores, como dos colaboradores entre si. 

No mundo corporativista, a intolerância religiosa é legitimada na restrição de liberdade de crença em manifestações exteriores, pois não há possibilidades de cercear as fés dos colaboradores em manifestação interior (em seu íntimo). Não há como perpetuar preconceitos religiosos se as pessoas desconhecem a religião do colega ou subordinado.

Muitos dos casos julgados pelos tribunais, teve a dimensão exterior, corroborada pelas vestimentas ou adornos religiosos como elementos identificadores da religiosidade praticada pelos reclamantes. Neste cenário observamos maior incidência de intolerância e racismo religioso contra as fés de matrizes africanas, indígenas e orientais. Mas não ficam restringidas, pois há denúncias de intolerâncias contra as religiões judaica e até mesmo contra católicos e evangélicos.

A intolerância é uma das matrizes do preconceito, que se expressa na opinião falsamente construída pelos sujeitos através da psique que categoriza as pessoas em estereótipos e estigmas. Muitas vezes terá como consequências as ocorrências de depreciações, discriminações e desigualdades no ambiente de trabalho, aumentando o número de processos trabalhistas para as empresas. 

Temos vários casos recentes em que o racismo religioso surge como tema central. Em um exemplo de processo trabalhista, um vigilante foi vítima de comentários ofensivos por parte de seu coordenador por usar camisetas da religião afro-brasileira. Outro caso foi a da auxiliar de limpeza, de religião muçulmana, que era alvo de “piadas” discriminatórias, tendo sido chamada de “mulher bomba” e “escória da humanidade” por parte dos colegas de trabalho. Em ambos os casos, o TRT-2 de São Paulo, condenou as empresas em indenizações por dano moral, em virtude da ofensa ao bem jurídico tutelado, a intensidade das ofensas e, por fim, para ter efeito pedagógico.

É necessário às empresas a implantação de uma cultura versada em tolerância e respeito, que não é somente aceitação - porque não se faz necessário que ninguém aceite a crença alheia como verdadeira -, mas sim faz-se obrigatório a compreensão de tolerância no sentido de respeito e convivência pacífica, permitindo que todos possam exercer sua religiosidade, sem atingir, perseguir ou desrespeitar o colega de religiosidade diferente. 

Deve a neutralidade ser vista como a melhor estratégia aos empresários, pois somente desta forma poderá ser prevenida a ocorrência de conflitos de cunhos religiosos nos ambientes organizacionais.

No entanto neutralidade não significa restringir os trabalhadores o uso de adereços religiosos, pois esta conduta interfere no aspecto da liberdade religiosa, expressão e autodeterminação da imagem pessoal, implicando em discriminação, passível de condenação. Eventual restrição deve ser limitada à segurança do colaborador e seus pares, a fim de evitar acidentes de trabalho.

Tampouco deve a neutralidade ser encarada como abstenção do poder diretivo, isso porque a omissão e o silenciamento face à intolerância religiosa, também é passível de responsabilidade empresarial.

A neutralidade deve ser usada como um posicionamento sincero de reconhecimento das diferenças das crenças, que cumulada com a promoção de interações inter-religiosas, através da mútua escuta, permitirá novas descobertas, gerando um compromisso de superação das discriminações de cunho religioso. 

Ao empresário é importante entender o comando constitucional de liberdade religiosa e efetivá-lo em ambiente corporativo, impedindo qualquer separação de elementos estratégicos psicológicos do “nós e eles” entre os colaborados, bem como prevenindo a ocorrência de preconceitos, ofensas, humilhações, imposições ou brincadeiras que ultrapassem a esfera de honra religiosa. Aos empresários que não se precaverem poderão ser responsabilizados, como já vimos em vários casos denunciados aos Tribunais de Justiças Trabalhistas. Ressaltemos, inclusive, que o Brasil também criminaliza a intolerância religiosa, no Código Penal Brasileiro, no art. 208.

Alonso Santos Alvares
O advogado é sócio da Alvares Advogados, escritório de advocacia especializado nas mais diversas frentes do Direito Empresarial, Civil, Trabalhista e Tributário.

Aracy Raquel Lousada Silva
Advogada especializada em Direito do Trabalho e integrante do núcleo trabalhista da Alvares Advogados, escritório de advocacia especializado nas mais diversas frentes do Direito Empresarial, Civil, Trabalhista e Tributário.

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