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Pontos de atenção no uso da holding para reduzir o ITCMD: Manobras na mira da Fazenda Estadual

O planejamento sucessório proporciona uma redução substancial da carga tributária suportada pela família. Porém, como as Fazendas Estaduais têm avaliado esse comportamento por parte dos contribuintes?

20/8/2024

Vivemos um momento bastante propício para os planejamentos sucessórios, tendo em vista a previsão quase que certa de majoração da carga tributária sobre herança e doação, ante as discussões em torno da reforma tributária, com declarações neste sentido por parte dos principais ministros e autoridades ligadas ao governo federal. Até mesmo por isso, ainda na primeiro semestre do corrente ano, foi registrado um aumento de 40% na demanda por esse serviço em relação ao ano anterior1.

A estruturação de “Holdings Familiares” tem como um dos principais objetivos buscar justamente a redução da carga tributária em relação ao que seria pago numa sucessão não planejada, onde todo o patrimônio é partilhado no tradicional inventário. Mas será que a técnica empregada para recolher menos imposto é mesmo segura ou podemos estar colocando o nosso patrimônio na mira da autuação da Fazenda Estadual?

Essa preocupação ganha relevância na medida em que as fazendas estaduais, nos últimos 4 ou 5 anos, intensificam a fiscalização sobre o ITCMD - imposto de transmissão causa mortis e doação - que é justamente o imposto que incide sobre a transmissão do patrimônio, seja pela morte da pessoa detentora do patrimônio, seja pela doação.

Logo, o antes preterido ITCMD, passa a ter relevância em termos de arrecadação pelas Fazendas Estaduais, apesar de ainda encontrar-se longe em termos de receita auferida, quando comparado ao seu “queridinho”, o ICMS.

Apesar desse imposto ser instituído e cobrado por cada estado da federação, a sua alíquota máxima é defina pelo Senado Federal, que hoje a cravou no patamar de 8%, e incide, geralmente, sobre o valor de mercado do patrimônio a ser transmitido. Dentro dessa janela, de zero a oito por cento, cada estado prevê a sua alíquota em legislação própria, inclusive podendo ser escalonada, isto é, progressiva de acordo com o aumento da base de cálculo, que é o valor do patrimônio. O Estado de Pernambuco, por exemplo, tributa nas alíquotas de 2%, 4%, 6% e 8%, de acordo com a progressão do patrimônio.   

No entanto, encontra-se em tramitação no Senado Federal o projeto de Resolução nº. 57/2019, que visa a majoração do citado teto de 8%, que poderá ser alavancado para 16%.

O projeto ganha força pelas circunstâncias internacionais, já que em comparação com outros países, tais como Chile (alíquota de 25%), EUA (alíquota de 40%), Alemanha (alíquota de 50%) e França (alíquota de 60%), mesmo com a nova alíquota, o Brasil ainda terá uma tributação de herança mais suave, apesar do seu forte impacto sobre o patrimônio da família.

Ocorre que, as técnicas de planejamento tributário visando a redução do montante a ser recolhido em termos de ITCMD, que eram praticadas com sucesso no passado, hoje estão sendo objeto de fiscalização e autuação pelo fisco estadual, o que foi inclusive noticiado na imprensa, a exemplo da Operação LOKI, deflagrada no Estado de São Paulo.

Mesmo assim, seja por ignorância, seja por desejar assumir o risco, muitos planejamentos continuam se valendo desses expedientes, que não eram repreendidos no passado, mas que hoje podem ser fiscalizados e estão passíveis de autuação. É importante que isso seja dito. 

Vamos a um exemplo. Mediante a constituição da “holding”, que é uma pessoa jurídica, integraliza-se o seu capita social com os bens, objeto do planejamento. Por exemplo, caso o patrimônio seja representado por imóveis, tais como 2 apartamentos, esses bens deixam de pertencer formalmente à pessoa física do Planejador e passam a ser da titularidade da Pessoa Jurídica. Já o Planejador, aqui entendido como a pessoa física antes titular dos apartamentos, passa a ser o único titular das quotas, representativas do capital social dessa pessoa jurídica chamada “holding”.

Então, as quotas societárias, que no atual momento pertencem ao Planejador, são transmitidas para os seus sucessores, mas mediante o estabelecimento da “governança”, que se dá por meio de cláusulas societárias, entabuladas no contrato social e em documentos particulares, que o mantenham no controle de todo o patrimônio, como a de usufruto, a de incomunicabilidade, a de inalienabilidade, dentre outras.

O ponto de atenção está justamente na forma que será feita essa passagem de quotas, do planejador para os seus sucessores, normalmente buscando-se uma redução da carga tributária. 

Existem diversos expedientes ou técnicas que podem ser empregadas para reduzir a carga tributária em planejamentos sucessórios, dentre as quais a mera cessão de quotas, ou seja, a operação de venda de quotas entre diferentes gerações de uma mesma família, isto é, do pai para os filhos. O ITCMD não incidiria, já que esse tributo tem por fato gerador a morte e a doação, como acima frisado.

Fato é, que isso já funcionou, há alguns anos, antes do “boom” dos planejamentos sucessórios, mas agora essa técnica está na mira do fisco. Inclusive, no mês de maio do corrente, foi deflagrada no Estado de São Paulo a Operação Loki, que visa justamente identificar esse tipo de manobra, “cessão de quotas simulada de pai para filho”. Para tanto, a Secretaria de Fazenda daquele estado se vale do cruzamento de dados próprios com os da Junta Comercial e Receita Federal.

Mas atenção, esses contribuintes, que foram notificados no âmbito da citada operação, num primeiro momento, estão sendo convidados à autorregularização, ou seja, ao recolhimento do imposto, sem haver nesta fase autuação e aplicação de penalidade.

Os planejamentos sucessórios, porém, não constituem uma prática ilícita, pelo contrário, é até vista com bons olhos por magistrados que atuam em Varas de Sucessões, pois contribuem para reduzir os dissídios familiares por herança, que sufocam ainda mais o já saturado Poder Judiciário, com processos judiciais complexos e morosos. O que não se pode, porém, é se utilizar da “holding” para simular compra e venda de quotas ou ações, a fim escondendo uma doação.

Mas existem sim alternativas de planejamento sucessório que oportunizam boas reduções da carga tributária e, ao mesmo tempo, segurança jurídica.

Hoje, a legislação permite ao contribuinte eleger o seu domicílio fiscal, por exemplo. Com isso, o contribuinte pode se valer de Estados com a carga tributária mais favorável, a exemplo do Amazonas e de São Paulo, cujas alíquotas são de 2% e de 4%, respectivamente. Então, se eu tenho residência em PE, estado cuja legislação prevê a alíquota máxima de 8%, tenho a faculdade de indicar meu domicílio fiscal como sendo SP, passando a ser tributado na alíquota de 4%. Lógico que isso deve ser feito com observância da boa técnica tributária.

Porém, o Poder Executivo Federal já apresentou uma proposta de substitutivo ao PLP 108/24, ainda em tramitação no legislativo, que dentre outras alterações, visa acabar com a opção de escolha do domicílio fiscal pelo contribuinte do ITCMD.

Portanto, o planejamento sucessório não apenas é lícito, mas recomendável, consagrado há muitos anos na América e na Europa, jurisdições que inclusive preveem outros institutos mais avançados em suas legislações, como o “Trust”. No Brasil, a “Holding Familiar” já se tornou uma realidade, tem a anuência expressa dos tribunais superiores de justiça, mas deve ser estruturada de forma responsável e para uma finalidade lícita, pelas famílias que dela fazem uso, a fim que obtenham a segurança jurídica que se espera.   

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1 Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2024/03/13/mudanca-sobre-itcmd-na-reforma-tributaria-provoca-corrida-por-planejamento-sucessorio.ghtml

Lucas Pacheco
Advogado no escritório Silvério e Pacheco. LLM em Direito Empresarial pela FGV/RJ. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/PE. Consultor em Planejamento Patrimonial e Sucessório.

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