Introdução
Recentemente, a Receita Federal do Brasil divulgou as Soluções de Consulta COSIT 217 e 218, ambas de 21 de setembro de 2023, publicadas no Diário Oficial da União de 29/9/23, que tratam de obrigações tributárias acessórias de prestação de informações, no que tange às pessoas jurídicas que oferecem serviços envolvendo Tokens Não Fungíveis.
Ambos os Consulentes, formuladores das consultas geradoras das citadas soluções, são pessoas jurídicas de direito privado que buscaram opinião oficial quanto ao dever ou não de prestar informações tributárias relativas às suas operações realizadas com NFTs, nos termos exigidos na Instrução Normativa 1.888/19, da Receita Federal do Brasil.
Contudo, a Receita Federal do Brasil apenas afastou a referida obrigação tributária acessória para pessoas jurídicas cujas plataformas digitais prestam o serviço de intermediação de operações com NFTs representativos de bens imóveis (Solução de Consulta COSIT 217/23), mantendo-se o dever de prestar informações tributárias para pessoas jurídicas cujas plataformas digitais prestam o serviço de emissão ou intermediação de transações de utility tokens em geral (Solução de Consulta COSIT 218/23).
Pois bem. Inicialmente, ressalta-se que não serão analisadas as questões referentes à viabilidade legal da tokenização imobiliária, pois este estudo se delimita ao exame crítico quanto às definições de “criptoativo”, “exchange” e “NFT” utilizadas e aplicadas pela Receita Federal do Brasil, tanto em sua IN 1.888/19, alterada pela IN RFB 1.899/19, quanto nas duas Soluções de Consulta acima citadas, tema extremamente relevante até mesmo para pessoas jurídicas que pretendem simplesmente acatar a Solução de Consulta COSIT 218/23 sem maiores discussões.
A mencionada relevância advém de duas dúvidas, encaminhadas a este autor após a divulgação das Soluções de Consulta em exame, quais sejam: a validade ou não da exigência tributária concernente aos utility tokens e a possibilidade ou não de sanção tributária pecuniária (multas), por descumprimento de obrigação acessória, no que tange aos anos anteriores à Solução de Consulta 218/19, para plataformas de NFTs utilitários que não prestaram informações à Receita Federal.
Desse modo, o estudo sobre as definições e características de “criptoativos” e “NFTs” não são meras elucubrações filosóficas, pois são essenciais à verificabilidade das subsunções legais de diversos negócios Web3 a deveres jurídicos previstos não só na legislação tributária brasileira, mas também na legislação pertinente ao Sistema Financeiro Nacional brasileiro (v.g. regulação da Comissão de Valores Mobiliários e do Banco Central do Brasil), além, por óbvio, nos ordenamentos jurídicos estrangeiros e internacionais, conforme diversos artigos da Plataforma CriptoJur já trataram.
Da solução de consulta COSIT 217/23 da Receita Federal do Brasil
Para melhor esclarecer os entendimentos da COSIT - Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal, cita-se abaixo a ementa da referida Solução de Consulta:
SOLUÇÃO DE CONSULTA 217-COSIT-21 DE SETEMBRO/23
Assunto: Obrigações acessórias
CRIPTOATIVOS. NFT - NON FUNGIBLE TOKEN. PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES À RFB.
A pessoa jurídica que oferece serviços referentes a operações com NFT, representativo de um imóvel em particular, não está obrigada a prestar as informações relativas a operações com tal NFT, conforme a Instrução Normativa RFB 1.888, de 3/5/19, pelo fato dele não se enquadrar no conceito de criptoativo previsto na referida Instrução Normativa.
DIMOB. EMPRESA QUE INTERMEDEIA A ALIENAÇÃO DE NFT. CONFIRMAÇÃO DE PROPRIEDADE DE NFT PARA FINS DE LOCAÇÃO.
A pessoa jurídica que intermedeia a alienação de NFT, representativo de um imóvel físico em particular, ou que apenas confirma a titularidade de tal NFT, para fins de locação do imóvel que ele representa, e registra essas transações, não está obrigada a apresentar a Dimob - Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias por conta dessas atividades.
Dispositivos legais: lei no 9.779, de 19/1/99, art. 16; Instrução Normativa RFB 1.115, de 28/12/10, art. 1º, inciso II; Instrução Normativa RFB 1.888, de 3/5/19, art. 5º, inciso I.1[Grifos do original e acrescentados por este autor]
Em síntese, a Receita Federal do Brasil fundamentou seu entendimento com fulcro na ausência de característica essencial dos “criptoativos”, prevista no inciso I, do art. 5º da IN RFB 1.888/19, que faltaria nos NFTs, in verbis:
Art. 5º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se:
- criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal; e.2 [Grifado]
- Confira aqui a íntegra do artigo.
1 COORDENAÇÃO-GERAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Solução de Consulta nº 217-COSIT-21/2023. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=133751. Acesso em: 02 out. 2023.
2 RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Instrução Normativa RFB nº 1.888/2019. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?naoPublicado=&idAto=100592&visao=anotado. Acesso em: 02 out. 2023.