É sabido que para a sua admissibilidade, as demandas, sejam aquelas a tramitar em primeiro grau, bem como as de competência originária dos tribunais dependem do preenchimento de alguns requisitos.
A fase admissional das ações é aquela na qual o julgador deve realizar um juízo apto a descortinar se aquela demanda encontra-se adequada a ter seu mérito, melhor, seus pedidos processados e julgados.
Para isso é necessário que se busque a presença das condições da ação, bem como dos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, e, repita-se, essa análise será realizada sempre antes do exame da matéria de fundo elencada pelo autor.
É importante notar que ação não se confunde com processo1, são institutos merecedores de uma conceituação em separado e que dividem-se em distintas definições.
As condições da ação se perfazem ao tempo que a parte ostentar interesse e legitimidade, nos dizeres do art. 17, do CPC.
Até é possível litigar sem existir interesse ou legitimidade por parte do autor, mas nesse caso haverá um processo e não uma ação e, via de regra, o processo será extinto sem a resolução, sequer a análise, do mérito.
O interesse de agir consiste na necessidade que o processo, melhor dizendo a procedência dos pedidos, teriam para o autor, ou seja, necessário que esse precise dos suprimentos do Poder Judiciário para obter algum bem da vida de direito, bem como haja a utilidade da ação para esse fim.
A legitimidade pressupõe a titularidade de determinado direito e a pertinência para requerer a sua proteção em juízo. Na verdade o autor deve ser titular de algum bem da vida, o que lhe autoriza a litigar em prol dele. A titularidade está ligada a utilidade do processo.2
Já os pressupostos processuais dizem respeito a requisitos formais de existência, validade e eficácia do processo.
Os pressupostos processuais negativos são aqueles que devem estar ausentes, como a perempção, a litispendência, a coisa julgada, a convenção de arbitragem, dentre outros.
Os positivos devem estar presentes para uma válida constituição e um regular desenvolvimento do processo, como por exemplo a citação, a competência do juízo, a imparcialidade do juízo, a capacidade de ser parte, a capacidade postulatória, dentre outros.
Superados tais requisitos, será possível ao juízo competente avançar na fase postulatória da demanda, passando-se a análise do mérito após o oferecimento de contestação pelo réu, e, caso não seja a hipótese de se manifestar em réplica o autor, ou de julgamento antecipado dos pedidos (conforme o estado do processo), passar-se-á à fase instrutória do feito saneado.
Nesse momento será permitido aos litigantes a plena participação com o objetivo de influenciar no convencimento do magistrado3. O réu manifesta-se em juízo desde a sua citação para apresentar resposta à petição inicial, caso ela seja recebida.
Porém, recentemente deparei-me com interessante questão acerca da participação do réu na fase de admissibilidade da demanda, fato que contém efeitos relevantes, até mesmo no que diz respeito aos honorários advocatícios.
Sabe-se que a ação rescisória é de competência originária dos tribunais4, de modo que é a instância recursal, através da figura do desembargador ou ministro, a priori, que exerce o seu juízo de admissibilidade.
Reservando-me o direito de não citar número de processo ou nome de julgador, ao passo que esse pequeno escrito se destina a uma reflexão processual e não uma crítica ao Poder Judiciário, é que revelo interessante situação.
A ação rescisória é aquela destinada a rescindir (desconstituir) a figura da coisa julgada, instituto processual, que ao lado da preclusão, revela-se dos mais importantes dentro do processo civil, de modo que oferece segurança e previsibilidade aos jurisdicionados e à sociedade em geral.
Sendo o instrumento hábil para tanto, natural que o seu juízo de admissibilidade se revele mais criterioso, devendo o relator perquirir se de fato aquela ação está apta a ter o seu mérito e pedidos analisados.
Importante mencionar o fato de que as hipóteses de cabimento da ação rescisória encontram-se bem definidas na lei processual, incisos do art. 966, do CPC, objetivando o seu conteúdo, sendo defeso aos jurisdicionados criarem cenários não contemplados nos incisos do art. 966, do CPC.5
Do mesmo modo, há de se ter uma cautela ao manejar esse tipo de ação, até mesmo na hora de avaliar o seu cabimento, conforme já tive a oportunidade de escrever.6
Pois bem. Atuando em uma ação rescisória, tive a notícia do indeferimento da petição inicial, em razão da suposta não incidência de uma das hipóteses taxativas que a fundamentavam, mais especificamente aquela na qual obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável.
Nesse sentido, o desembargador relator entendeu que o conceito de prova nova não se fazia presente, motivo pelo qual indeferiu a petição inicial.
Assim, antes que fosse interposto o recurso cabível ante o indeferimento, a apelação em demanda que tramita em primeiro grau de jurisdição ou o agravo interno da aludida decisão monocrática de relator (conforme o presente caso), optou-se por opor embargos de declaração, de modo que entendeu-se que o eminente relator havia se equivocado faticamente, valendo-se de premissa incorreta ao fundamentar o indeferimento.
Ao despachar pela primeira vez nos embargos de declaração, o desembargador relator ordenou a intimação do réu, ainda não citado, na ação rescisória para se manifestar por meio de contrarrazões.
Ocorre que, essa fase processual ainda diz respeito ao indeferimento da petição inicial, o qual não foi atacado pelo recurso pertinente com naturais efeitos infringentes, no caso o agravo interno, mas por um recurso com caráter integrativo.
Os embargos de declaração não existem para modificar o resultado de determinado julgamento, eles têm a missão de aperfeiçoar o julgado, apontando e impondo a correção de alguma imprecisão, via de regra omissão, contradição, obscuridade ou erro material.
Assim, concorrem para melhorar a cognição oferecida, facilitando o caminho das partes para a tomada da próxima providência processual.
Nesse quadro, ainda não seria possível a intimação da parte contrária para exercer o seu poder de convencimento sobre o julgador, de modo que seja em primeiro ou em segundo grau de jurisdição, caso opostos embargos de declaração da decisão que indefere liminarmente a petição inicial, não será possível a intimação do réu para contrarrazoar esse recurso.
Apenas com a interposição de apelação ou agravo interno é que se deverá intimar o réu para oferecer as suas contrarrazões7, em razão do caráter infringente que esses recursos hierárquicos ostentam.
Nesse passo, sequer encontra-se perfectibilizada e integrada pelo julgamento dos embargos a decisão que determinou o indeferimento da petição inicial.
Além disso, esse tipo de conduta acarretaria efeitos práticos e indesejados, até mesmo no campo dos honorários advocatícios, explica-se:
Havendo a interposição de agravo interno e intimado o réu para contrarrazoar, caso haja o desprovimento do recurso, deverá o autor ser condenado a pagar honorários advocatícios ao patrono do vencedor.
De outra borda, em caso de improvimento dos embargos de declaração, o autor da ação rescisória pode até mesmo optar em não mais recorrer acatando o indeferimento, porém, nesse caso, em razão da equivocada intimação do réu, este poderá pleitear honorários advocatícios, já que foi chamado a participar do processo antes do momento adequado.
Indeferida a petição inicial sem a citação ou comparecimento espontâneo do réu, não cabe a condenação do autor em honorários advocatícios8, situação que seria subvertida em caso de intimação para responder recurso com caráter eminentemente integrativo.
Em outras palavras, ainda em sede de embargados de declaração da decisão de indeferimento da petição inicial da ação rescisória, não se revela oportuna a intimação do réu, de modo que ainda em fase integrativa aquela decisão.
Somente após o julgamento dos embargos de declaração teremos dois cenários possíveis para a integração do réu ao processo:
- Provimento dos embargos, com excepcionais efeitos modificativos, para receber a petição inicial, procedendo-se a citação do réu para oferecer contestação;
- Desprovimento dos embargos de declaração. Caso o autor interponha apelação em hipótese de demanda a tramitar em primeiro grau, ou agravo interno em ação de competência originária de tribunal (ação rescisória), aí sim a citação do réu para contrarrazoar o recurso. Caso não haja recurso, apenas a intimação do réu do trânsito em julgado.
Portanto, o réu não tem o condão de influir na admissibilidade de qualquer petição inicial até a perfectibilização da decisão que a indefira, apenas podendo ser chamado a participar do processo em hipótese de interposição de recurso apto a reforma da decisão de indeferimento.
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1 JOSÉ MARIA ROSA TESHEINER e RENNAN FARIA KRUGER THAMAY, Pressupostos Processuais e Nulidades no Novo Processo Civil, Forense, 2015, p. 66
2 JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, Efetividade do Processo e Técnica Processual, 2ª ed., Malheiros, p. 252/253
3 Artigo 371, do Código de Processo Civil
4 ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS, Manual de Direito Processual Civil, Volume 3, 15ª ed., Saraiva, 2017, p. 123
5 SÉRGIO SAHIONE FADEL, Código de Processo Civil Comentado, Tomo III, José Konfino Editor, 1974, p. 69
6 Disponível em: https://www.academia.edu/89626950/A%C3%A7%C3%A3o_rescis%C3%B3ria_hip%C3%B3tese_autorizadora_de_suposta_viola%C3%A7%C3%A3o_%C3%A0_norma_jur%C3%ADdica
7 Parágrafo 1°, do artigo 331 e parágrafo 2°, do artigo 1.021, ambos do Código de Processo Civil
8 Acórdão 1260316, 07227051820198070000, Relator(a): ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, 1ª Câmara Cível, data de julgamento: 29/6/2020, publicado no DJE: 10/7/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.