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A contribuição assistencial em debate nos poderes Legislativo e Judiciário

No Brasil, o custeio sindical inclui contribuição sindical (anteriormente obrigatória), assistencial, confederativa e associativa. A lei 13.467/17 tornou a contribuição sindical não obrigatória, exigindo anuência dos empregados.

13/8/2024

No ordenamento jurídico brasileiro, há quatro fontes de custeio sindical: contribuição sindical, contribuição assistencial, contribuição confederativa e contribuição associativa. A contribuição sindical é aquela prevista em lei (CLT); a assistencial é a prevista em instrumento de negociação coletiva (sentença normativa, laudo arbitral, acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho); a confederativa encontra previsão na CF/88 (art. 8º, IV) – para a qual se exige aprovação pela assembleia da categoria – e, por fim, a associativa é a prevista em estatuto.

A contribuição sindical, antigo “imposto sindical”, nasceu com natureza tributária, sendo compulsória e imposta a empregados filiados e não filiados. Instituída no Estado Novo, tinha como objetivo arrecadar recursos para os sindicatos e foi, por muitos anos, a principal fonte de receita das entidades sindicais. Tinha previsão expressa na CF de 1937 e, no texto constitucional vigente (1988), é prevista na parte final do art. 8º, IV, bem como nos arts. 578 a 610 da CLT. A principal característica que diferia a contribuição sindical das demais fontes de custeio era seu caráter coercitivo, decorrente de sua natureza tributária.

Antes da lei 13.467/17, a contribuição sindical era chamada de “imposto sindical” e todo o trabalhador contribuía com seu pagamento de forma anual, mediante o desconto, pelo empregador, de 1 dia de salário. A nova lei, em vigor desde 11/11/17, retirou a obrigatoriedade da contribuição sindical, exigindo expressa anuência dos empregados para que a empresa possa realizar o desconto.

A nova redação do art. 582 da CLT passou a ser a seguinte: “O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591 desta Consolidação”. A partir do novo texto legal, a contribuição sindical somente pode ser exigida dos membros da categoria profissional e econômica mediante prévia, voluntária, individual e expressa autorização.

A contribuição confederativa, por sua vez, foi criada com a CF/88 (art. 8º, IV), aplica-se somente à categoria profissional (não abrange a econômica) e exige aprovação pela assembleia da categoria para a sua implementação. É descontada em folha e seu objetivo é custear o sistema confederativo da representação sindical respectiva, assim compreendido o sistema de estrutura piramidal que tem os sindicatos na base e as entidades de grau superior (federações e confederações) acima. É uma contribuição espontânea, isto é, não coercitiva, devida apenas pelos empregados filiados ao sindicato, conforme súmula 666 do STF, posteriormente convertida na súmula vinculante 40.

A contribuição assistencial possui previsão no art. 513, alínea “e”, da CLT e seu fundamento é o instrumento de negociação coletiva (sentença normativa, laudo arbitral, acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva de trabalho). Tem como função precípua custear a assistência do sindicato nas negociações travadas em prol de melhores condições para a categoria profissional. Por isso, a contribuição assistencial é devida apenas pela categoria profissional (empregados). Assim como a contribuição confederativa, a assistencial é espontânea, não coercitiva, devida apenas pelos empregados filiados ao sindicato.

Historicamente, sempre se entendeu que a contribuição assistencial (assim como a confederativa) somente pode ser cobrada dos empregados filiados ao sindicato. O TST, por meio do Precedente Normativo 741 , sempre entendeu que o desconto da contribuição assistencial somente seria válido se não houvesse oposição do trabalhador. Tal entendimento (impossibilidade de cobrança compulsória das contribuições assistencial e confederativa) era o reiteradamente exarado pelo STF, o que levou, inclusive, à edição da súmula 6.662 , posteriormente convertida na súmula vinculante 403.

Em 2017, o STF examinou a matéria em leading case que levou ao Tema 935, de relatoria do ministro Gilmar Mendes (“Inconstitucionalidade da contribuição assistencial imposta aos empregados não filiados ao sindicato por acordo, convenção coletiva de trabalho ou sentença) 4 , reafirmando a sua jurisprudência no sentido de que a contribuição assistencial somente pode ser exigida dos trabalhadores sindicalizados. Em Embargos de Declaração, esse entendimento foi confirmado pela Suprema Corte, assentando-se que “É inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados”.

A partir de então, diversas empresas pararam de realizar descontos de contribuição assistencial de empregados não sindicalizados, de modo a evitarem sanções, bem como deixaram de adotar cautelas relativas à obtenção de carta de próprio punho dos empregados que se opunham ao desconto, considerando que eles estavam, por decisão da mais alta Corte do país, desobrigados de realizar pagamento de contribuição assistencial.

Ocorre que cinco anos depois, em 2023, o plenário do STF retomou o julgamento da matéria, tendo o relator, ministro Gilmar Mendes, acolhido recurso (ARE-ED) com efeitos infringentes, para fixar tese diametralmente oposta (e que foi vencedora), qual seja: “É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição, pediu vista dos autos o ministro Alexandre de Moraes. Nesta assentada, os ministros Edson Fachin e Dias Toffoli anteciparam seus votos, reajustando-os para acompanhar o voto reajustado do Relator. Não votou o ministro André Mendonça, sucessor do ministro Marco Aurélio, que votara em assentada anterior. Plenário, Sessão Virtual de 14.4.23 a 24.4.23.” (grifo nosso).

A alteração de entendimento pela Suprema Corte fragiliza o ordenamento jurídico, porquanto implica notória insegurança jurídica. As relações trabalhistas, por serem de trato sucessivo, necessitam de estabilidade, sendo essencial que os tribunais, especialmente as Cortes Superiores (TST e STF) – cujo mister precípuo é a uniformização da interpretação acerca da legislação trabalhista –, tenham posicionamentos sólidos sobre as matérias levadas à sua apreciação. Com relação à compulsoriedade ou não da contribuição assistencial, como demonstrado acima, não há segurança jurídica, o que impõe consideráveis riscos aos empregadores, principalmente se levado em conta que diversos sindicatos têm invocado o novo entendimento para cobrar contribuições de forma retroativa/pretérita.

A decisão ainda não transitou em julgado, porquanto opostos Embargos Declaratórios pela Procuradoria-Geral da República, ainda pendentes de julgamento. Por se tratar de decisão proferida em controle concentrado de constitucionalidade, é possível que a Suprema Corte module os efeitos da declaração de constitucionalidade da cobrança compulsória da contribuição assistencial, o que pode reduzir a insegurança jurídica (fixando-se limites temporais para a aplicação do novo entendimento), fulcro no art. 27 da lei 9.868/99.

Após o julgamento do STF – e considerando que a condicionante para a validade da cobrança compulsória da contribuição assistencial, segundo a Corte Suprema, é a viabilização do direito de oposição pelo empregado – o TST admitiu, em março de 2024, o IRDR - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 1000154-39.2024.5.00.0000 para definir o modo, o momento e o lugar apropriado para o empregado não sindicalizado exercer seu direito de oposição ao pagamento da contribuição assistencial. O ministro relator, Guilherme Augusto Caputo Bastos, acolheu a proposta de submeter a matéria à sistemática de recursos repetitivos sob o fundamento de que o STF já validou o direito de oposição, mas é preciso fixar parâmetros objetivos e razoáveis para que ele seja exercido oportunamente, para que a contribuição não se torne compulsória. O ministro entendeu pertinente o exame da matéria em sede de IRDR pois, sem definir tais critérios (modo, momento e lugar apropriado para o exercício do direito de oposição), a matéria continuará gerando debates intermináveis e divergências de entendimento nos Tribunais Regionais do Trabalho: “Essa dissonância de entendimento torna perceptível o risco de violação dos princípios da isonomia e da segurança jurídica, porque acarreta tratamento diferenciado entre pessoas submetidas a situações idênticas”  .

O que se espera é que, julgando os Embargos de Declaração opostos pela Procuradoria-Geral da República, o STF module os efeitos da decisão de constitucionalidade da contribuição compulsória, definido marcos temporais claros para a aplicação do novo entendimento. Entende-se que a modulação se mostra essencial para minorar os efeitos da alteração de entendimento e, por corolário, da insegurança jurídica dela decorrente.

Espera-se, ainda, que o TST fixe parâmetros efetivamente objetivos para delimitar o modo, o momento e o lugar apropriado para o empregado não sindicalizado exercer seu direito de oposição, para que não fique a interpretação acerca de tais critérios sob o olhar subjetivo de cada juiz ou tribunal. Vale lembrar que, a partir da decisão do TST, a depender de como for exercido o direito de oposição pelo empregado, estará o empregador autorizado ou não a efetuar o desconto, fato que traz relevância considerável ao julgamento que ocorrerá na Corte Superior Trabalhista.

No Congresso Nacional, a matéria concernente à cobrança compulsória da contribuição assistencial também está em análise, o que pode gerar impactos, inclusive, no julgamento do IRDR 1000154-39.2024.5.00.0000 pelo TST.

Em junho de 2024, a CCJ - Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou o PL 2.830/19, que dificulta a cobrança da contribuição assistencial aos sindicatos dos trabalhadores. Na redação original do projeto, discutia-se apenas o prazo para que dívidas resultantes de condenações trabalhistas fossem levadas a protesto; mediante emenda posterior, foi incluída no PL a regulamentação do direito de oposição, pelo empregado, à cobrança da contribuição assistencial.

Se aprovado o PL 2.830/19 nas duas Casas do Congresso Nacional:

A redação do projeto, como visto, estabelece critérios bastante claros e objetivos quanto ao tempo e modo para que o empregado exerça seu direito de oposição à cobrança da contribuição assistencial. Se aprovado e sancionado, entende-se que restará prejudicado o IRDR em trâmite no TST, tendo em vista não ser possível a fixação, pelo Poder Judiciário – a quem compete aplicar a lei –, de critérios distintos dos estabelecidos pelo Poder Legislativo – a quem compete, como mister constitucional, regulamentar o direito de oposição em análise.

É dizer: enquanto não existentes quaisquer critérios relativos ao direito de oposição, entende-se legítimo o exame da matéria pelo TST, enquanto órgão de cúpula do Poder Judiciário Trabalhista, especialmente após a decisão do STF no Tema 935. No entanto, a partir da aprovação de lei pelo Congresso Nacional, devem prevalecer os critérios estabelecidos pelo Poder Legiferante, prescindindo-se qualquer atuação jurisdicional com o mesmo objetivo.

Como demonstrado, a questão atinente às fontes de custeio sindical, notadamente a contribuição assistencial, tem sido objeto de intenso debate nos Poderes Judiciário e Legislativo. Espera-se que as instituições da República ajam de forma coordenada, cada uma em sua esfera de competência, para que se alcance a tão necessária segurança jurídica no que se refere à contribuição assistencial, evitando-se a imposição de riscos às empresas e danos aos trabalhadores que não tenham interesse em contribuir.

Mateus Gasparotto Crescente
Advogado trabalhista do escritório Andrade Maia Advogados. Graduado em Direito pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Estácio de Sá.

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