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Os 18 anos da Lei Maria da Penha e sua repercussão na sociedade

A jovem Maria da Penha, recém iniciada na vida adulta, ainda tem muito o que evoluir e gerar resultados positivos na sociedade brasileira.

8/8/2024

Hoje, dia 8 de agosto, a Lei Maria da Penha completa seus 18 anos de promulgação.

Assim como ocorre com uma jovem a recém completar seus 18 anos de vida, é momento de celebração, afinal, trata-se de verdadeiro marco de transição para a tão esperada vida adulta.

Com a Lei Maria da Penha, essa situação não difere. Apesar dos números de atos de violência de gênero ainda serem bastante elevados, dando-se a impressão de que só crescem ao longo dos anos, não se pode ignorar o quanto esse aumento também representa a verdadeira evolução legislativa sobre o tema e até mesmo o quanto a sociedade se conscientizou, de lá para cá, sobre esse mal.

Afinal, há 18 anos, quando uma mulher era vítima de violência doméstica, inexistia qualquer lei que a protegesse, sendo o ato tratado como uma violência comum. É dizer, aquela mulher violentada naquela época não só tinha que ter o ato de coragem de procurar as autoridades públicas para registrar boletim de ocorrência, como também tinha que retornar à delegacia para representar formalmente contra seu agressor, para que o caso tivesse algum andamento.

E, pior, muitas vezes aquela mulher, que residia com seu agressor, ainda se via obrigada a levar intimação policial para entregá-lo pessoalmente, convocando-o a comparecer na delegacia de polícia para prestar esclarecimentos sobre aqueles fatos que ela própria registrou. Veja-se que contrassenso, pois ao mesmo tempo em que se instigava ainda mais o ato de violência e de vingança por parte do agressor, não se conferia qualquer proteção legal àquela mulher por parte do Estado, o que, por evidente, apenas as desencorajava a procurar seus direitos.

O agressor, por sua vez, usava de todo o aparato legal para se reconciliar, ou realizar acordo com o Ministério Público, já que os fatos eram processados como crime de menor potencial ofensivo, incidindo-se a Lei 9.099/95, popularmente conhecida como “lei de pequenas causas”.

A verdade é que, antes do advento da lei Maria da Penha, não existia na legislação sequer o conceito de violência de gênero e de quais atos são considerados violência para esse fim (“qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”1).

Nesse sentido, a lei Maria da Penha veio como um verdadeiro divisor de águas no combate à violência de gênero no Brasil, trazendo conceitos importantes e medidas até então inovadoras no nosso ordenamento jurídico, tais como a possibilidade de se conceder medidas protetivas de urgência como a proibição de contato do agressor, afastamento do lar, entre outras extremamente eficazes.

E, para além de usar o direito penal como solução para tudo – verdadeira tendência do legislador brasileiro – a Lei Maria da Penha trouxe genuíno tom preventivo, educativo e de políticas públicas para as questões de violência doméstica, distribuindo-se responsabilidades entre órgãos públicos, trazendo, com ela, verdadeira mudança de cultura.

Prova disso se verifica da própria evolução legislativa acerca do tema depois da sua promulgação. Em breve análise, de lá para cá se regulamentou o delito de feminicídio, tornou-se crime a importunação sexual, antes tida como mera contravenção penal, tornou-se crime o descumprimento de medidas protetivas de urgência por parte do agressor, regulamentou-se o delito de violência psicológica, stalking, entre diversas outras novas medidas criminais aptas a combater a violência contra a mulher.

Mas, ainda mas importante do que essas inovações no âmbito do direito penal, tem-se a verdadeira mudança de paradigma que essa lei trouxe ao sistema como um todo e à própria sociedade.

Hoje a maioria da população entende seu papel na sociedade no combate a esse mal, tornando-se cada dia mais comum a adoção de medidas, dentro do ambiente privado, a mitigá-lo.  Exemplo disso são as leis paulistas 17.621/13 e 17.635/23, que, em resumo, estabeleceram que bares, restaurantes e afins instituam o chamado protocolo “Não se Cale” de atendimento às mulheres em situação de risco nos locais, bem como o Programa de Cooperação Social Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica (Lei 14.188/21).

Indo ainda mais além, vale mencionar a recente mudança na lei trabalhista, denominada como “Programa Mais Mulher” (Lei 14.457/22,), que  obriga empresas a promoverem treinamentos de combate ao assédio, bem como implementar canais para o recebimento de denúncias.

O que se nota, assim, é que o assunto está cada vez mais em voga e a sociedade e empresas privadas, cada vez mais, ocupam papel fundamental a auxiliar o sistema no combate a esse tipo de violência.

E, por mais duro que pareça, por mais que se tenha a sensação de que involuímos nessa luta, dado o aumento dos números de violência de gênero registrados e trazidos, inclusive, no recente resultado do 18º Anuário de Segurança Pública2, não se pode perder de vista o quanto a hoje jovem adulta Lei Maria da Penha nos ensinou, como sociedade, trazendo mudanças de paradigma.

Se hoje os números aumentam, é, sem dúvida, porque as mulheres estão mais conscientes de seus direitos, procurando e confiando no sistema para combater esses crimes, diminuindo-se a subnotificação. Além disso, o sistema, no geral, hoje sabe entender e enquadrar esses fatos como violência de gênero, aumentando-se, consequentemente, os números estatisticamente.

A jovem Maria da Penha, recém iniciada na vida adulta, ainda tem muito o que evoluir e gerar resultados positivos na sociedade brasileira.

______________

1 Artigo 5º da lei.

2 Que, segundo destacado pelo Portal Uol, “somente no ano de 2023 foram 1.238.208 mulheres vítimas de diversas modalidades de violência, tais como ameaças, agressões domésticas, feminicídio e estupro. Todos os números absolutos de ocorrências desses delitos cresceram em relação ao ano de 2022, exceto pela taxa referente ao homicídio, que caiu 0,1%, correspondente a apenas 4 casos a menos em 2023 ([2] https://marianakotscho.uol.com.br/direitos-da-mulher/o-que-dizem-os-numeros-sobre-violencia-contra-mulheres.html)

Clarissa Höfling
Advogada Criminalista, especialista em Direito Penal Econômico pela FGV, Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra e em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Paulista de Direito. É, também, especialista em Compliance e Gestão de Riscos pela Insper e Fia.

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