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A proteção dos direitos das gestantes em parto de emergência: análise da atual orientação do STJ

A decisão do STJ é um marco na defesa dos direitos das gestantes.

8/8/2024

Introdução

A proteção do direito à saúde é um princípio fundamental consagrado na Constituição Federal Brasileira de 1988. O artigo 196 da Constituição estabelece que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". Este direito se estende a todos os cidadãos, incluindo as gestantes, que possuem necessidades de saúde específicas e urgentes.

A legislação brasileira, através de diplomas como a lei 9.656/98 e resoluções do Conselho de Saúde Suplementar (Consu), reforça a obrigação das operadoras de planos de saúde de fornecer cobertura em casos de emergência obstétrica. 

Por sua vez, sob a óptica de nossos Tribunais, a Terceira Turma do STJ, no leading case do REsp 1.947.757, reafirmou esse direito ao decidir que, mesmo na ausência de cobertura obstétrica específica, os planos de saúde contratados na modalidade hospitalar devem custear partos de emergência. Esta decisão demonstra como os tribunais brasileiros têm atuado para resguardar os direitos das gestantes, assegurando que recebam o atendimento necessário em situações críticas.

Fundamentação Legal e Normativa

Esmiuçando a decisão da Corte Cidadã, verifica-se que está embasada em uma interpretação rigorosa e protetiva da legislação que regula os planos de saúde no Brasil, especialmente a Lei 9.656/1998 e as resoluções do Conselho de Saúde Suplementar (Consu). Analisemos detalhadamente os normativos que deram azo ao provimento.

Lei 9.656/1998

O artigo 35-C da lei 9.656/98 é central para a compreensão do julgado. Este dispositivo, notadamente em seu inciso primeiro, estabelece a obrigatoriedade da cobertura de atendimentos de urgência e emergência, incluindo complicações na gestação. Conforme o artigo, mesmo em planos de saúde que não incluam cobertura obstétrica, há a obrigação de prestar assistência imediata em situações que envolvam risco à saúde da gestante e/ou do bebê.

Resolução Consu 13/98

A Resolução Consu 13/1998 complementa a lei 9.656/98 ao reforçar que a cobertura de atendimentos de urgência e emergência é obrigatória mesmo para planos hospitalares sem cobertura obstétrica. O artigo 4º da resolução estipula que as operadoras de plano de saúde devem garantir a cobertura dos atendimentos emergenciais relacionados ao processo gestacional nas mesmas condições previstas para o plano ambulatorial.

Resolução Normativa 465/2021

Por fim, a Resolução Normativa 465/21 atualiza o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, estabelecendo que o plano hospitalar deve incluir atendimentos realizados em todas as modalidades de internação hospitalar e atendimentos de urgência e emergência, assegurando a cobertura de internação hospitalar por período ilimitado.

Análise do Caso Concreto

Realizado o escorço dos normativos, analisemos o caso concreto do REsp 1.947.757.

Uma beneficiária de um plano hospitalar sem cobertura obstétrica demandou um parto de emergência devido a sofrimento fetal. Tanto o hospital quanto a operadora do plano de saúde negaram o atendimento, forçando a beneficiária a buscar auxílio em um hospital público, onde o parto foi realizado, mas com complicações que exigiram a reanimação do recém-nascido.

O juiz singular condenou a operadora do plano e o hospital ao pagamento solidário de R$ 100 mil por danos morais, valor posteriormente reduzido para R$ 20 mil pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ). A Terceira Turma do STJ manteve essa decisão, destacando a violação dos direitos da beneficiária.

Dos Argumentos da Operadora de Saúde

A operadora de saúde alegou que o plano contratado não incluía cobertura obstétrica, o que, segundo sustava, isentava a responsabilidade pelo atendimento do parto de emergência. No entanto, a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, ressaltou que, embora o plano hospitalar sem cobertura obstétrica exclua procedimentos obstétricos de rotina, ele não pode excluir atendimentos emergenciais que envolvam risco à vida da gestante e do bebê.

Por estas espias, destacou a relatora que, segundo o artigo 12 da lei 9.656/98, a cobertura mínima de um plano hospitalar está vinculada à prestação de serviços em regime de internação hospitalar, sem limitação de prazo, excetuando-se apenas os procedimentos obstétricos eletivos. Ela enfatizou que a negativa de cobertura em situações de emergência obstétrica é inadmissível, conforme a legislação vigente.

Impacto da Decisão na Proteção dos Direitos das Gestantes

A decisão da Terceira Turma do STJ é mais um marco no combate às arbitrariedades dos planos de saúde que teimam em negar indevidamente procedimentos e medicamentos a milhares de beneficiários em todo Brasil. Reforça, ademais, a proteção dos direitos das gestantes em situações de emergência, criando um precedente significativo. As operadoras de planos de saúde são obrigadas a garantir o atendimento de emergência, independentemente da cobertura obstétrica contratada. Este entendimento assegura que as gestantes recebam o atendimento necessário em situações de risco, promovendo uma interpretação justa e humana das normas de saúde pública, além de garantir indenização, cujo caráter é sabidamente sancionador e pedagógico, para coibir a reiteração da prática.

Conclusão

A decisão do STJ é um marco na defesa dos direitos das gestantes. Ao assegurar que planos de saúde hospitalares cubram partos de emergência, independentemente da cobertura obstétrica específica, o STJ reafirma a prioridade da saúde e da vida em detrimento aos lucros almejados pelas redes privadas. Esta decisão cria um precedente essencial para a proteção das gestantes, garantindo que seus direitos sejam respeitados e que recebam o atendimento necessário em momentos críticos.

______________

Brasil. Lei n.º 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9656.htm

Conselho de Saúde Suplementar (Consu). Resolução n.º 13, de 3 de novembro de 1998. Disponível em: http://www.ans.gov.br/legislacao/resolucoes/26resolucoes-normativas-consu/124-resolucao-normativa-n-13

Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Resolução Normativa n.º 465, de 24 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://www.ans.gov.br/aans/noticiasans/consumidor/5694-nova-resolucao-normativa-atualiza-o-rol-deprocedimentos-e-eventos-em-saude

Gustavo Castro
Advogado e sócio do escritório Castro Filho Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pela Escola Superior do Ministério Público. Atualmente é CFO do Ecossistema Brasília Educacional.

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