O homem civilizado aspira por segurança jurídica. Tem sido esse o objetivo das legislações, desde o Deuteronômio, do Velho Testamento, ou do Código de Hamurabi, da antiga Mesopotâmia, gravado em pedra por volta de 1.700 anos antes de Cristo, como garantia do cumprimento dos contratos e proteção dos fracos contra os mais fortes.
“Lei é o governo do homem por si mesmo”, escreveu de maneira clara, simples e objetiva C. Schimitt. “Não há liberdade sem lei. Nem mesmo no estado natural. O homem está livre unicamente por causa da lei, à qual cada indivíduo está sujeito”. ensinou J.J. Russeau.
Um dos determinantes da nossa pobreza consiste, precisamente, na histórica ausência de segurança jurídica, cujas raízes se encontram na inconstância do Estatuto Fundamental da República. Estamos sob a oitava Constituição, e sétima do regime republicano, promulgada em 5/10/88, mas já desfigurada por 140 emendas, das quais seis de revisão.
Quando a lei fundamental é frágil, a fraqueza atinge e contamina as legislações que a secundam. Além de alterações ordinárias, já se cobra por novo Código Civil, tarefa impossível ao desacreditado Poder Legislativo, manchado por nódoas de corrupção, e onde rareiam juristas à altura da tarefa.
Estas considerações me ocorrem após a leitura das páginas A1 e BI do jornal O Estado, edição de 4 de agosto, referentes a “Litígio entre empresas expõe risco a capital estrangeiro no país”.
Litígio entre empresas não é fato incomum. O caso. porém, adquire enormes proporções. Envolve a aquisição de 49,41% das ações da fabricante de celulose Eldorado Brasil, empresa do grupo J&F Investimentos, pela multinacional indonésia Paper Excelence, com opção de compra dos restantes 51,59%, em negócio da ordem de R$ 15 bilhões, contrato que a vendedora arrependida se recusa a cumprir.
O processo se arrasta na Justiça há mais de sete anos, sem previsão do número de anos que serão consumidos, até final decisão. Transcrevo trecho da matéria: “Em outubro do ano passado, o grupo indonésio já havia conquistado o placar de 2 a 0 em votos de desembargadores da segunda instância do TJ/SP e precisava de apenas mais um desembargador favorável, somando três votos de cinco possíveis. No entanto, em 23 de janeiro, um dia antes da votação do terceiro desembargador, o ministro Mauro Campbell, do STJ, suspendeu o julgamento, acatando um pedido de liminar da J&F”.
Registre-se que o conflito fora submetido, por deliberação de ambas as partes, á Corte Arbitral da International Chamber of Commerce, cuja decisão, prolatada em 2021, deu ganho de causa aos indonésios. A J&F, todavia, “pediu à Justiça anulação da arbitragem, alegando conflito de interesses de um dos árbitros – por relações com um escritório de advocacia que defendeu a Paper – e dizendo, também, que a sua defesa sofreu espionagem cibernética” (pág. BI).
A Constituição de 1988 abandonou o universal sistema do duplo grau de jurisdição. No mesmo processo, podemos ter três, quatro, às vezes cinco jurisdições. O STJ revê acórdãos dos Tribunais de Justiça dos Estados, e o Supremo é constantemente provocado para reexaminar decisões do STJ. Sofremos com despachos liminares que se eternizam, e pedidos de vista regimental, que fazem os feitos dormirem o sono dos justos, em gabinetes dos magistrados.
A Emenda Constitucional 45, aprovada em 2004, confessou a existência da morosidade, como poderoso fator de insegurança jurídica. Para corrigi-lo acrescentou ao art. 5º da Constituição, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, o inciso LXXVIII, segundo o qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Determinou, também, que “a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição” (Art. 93, XV). Com idêntica finalidade, criou o CNJ, que tem, entre as atribuições, zelar pela celeridade processual.
Nada disso foi suficiente. Abarrotado por ações, como fruto da extrema litigiosidade que é uma das características do nosso povo, o Poder Judiciário continua agarrado à lentidão.
Desgraçadamente, a imagem brasileira no exterior não é das melhores. Repetidos episódios de corrupção, envolvendo grandes empresas, são conhecidos e comentados em torno do mundo. O presidente Lula tem a imagem afetada por episódios que me dispenso de comentar. A Câmara dos Deputados, o Senado, governadores de Estado, Assembleias Legislativas, prefeitos e vereadores são alvos de constantes notícias desabonadoras da imprensa.
O Brasil necessita de investimentos estrangeiros. Para atraí-los, deveria cultivar a imagem do país onde os contratos valem e são respeitados. A notícia de O Estado, nesse sentido, é péssima. Traz à lembrança a frase do filósofo Tácito (55-120): “O mais corrupto dos Estados tem o maior número de leis”.