Em 1/7, foi publicada a lei 14.905/24, que introduziu importantes alterações no CC sobre a atualização monetária e juros moratórios, afastando a incidência do decreto-lei 22.626/33 (lei da usura) a determinadas relações jurídicas.
À exceção do § 2º no artigo 406, que está em vigor desde 28/6/24, os demais dispositivos (acrescidos ou alterados) entrarão em vigência em 60 dias, a contar da publicação.
Estima-se com essa vacatio legis a devida adaptação aos termos da nova redação do art. 406 do CC.
Perguntamos: será que a nova redação legal traz ao mundo verdadeira novidade?
Afirmamos que nada substancialmente mudou. Daí iniciarmos este breve comentário com a famosa frase que o genial escritor italiano, Tomasi di Lampedusa, colocou na boca do jovem Tancredi, sobrinho do príncipe das duas Sicílias, protagonista de seu mais famoso livro: Il Gattopardo.
De fato, mudou-se tudo para nada mudar!
Falamos isso, respeitosamente, pois, porque a taxa Selic já era costumeiramente utilizada nas ações judiciais em tramite na Justiça Federal.
É bem verdade que sempre defendemos que os juros de mora são de um por cento do valor da pretensão (e/ou da ação) ao mês de litígio, contados desde a citação, mas nunca nos olvidamos do uso da taxa Selic e da sua predileção por aquelas que defendemos, as seguradoras, quando rés.
Combater seu emprego nos litígios de ressarcimento em regresso nunca foi a mesma coisa de saber de sua existência e do costumeiro emprego por órgãos da Justiça e todo um dos seus ramos.
Não desistiremos do bom combate, apenas o modularemos segundo as particularidades do caso concreto, o que, aliás, já fazíamos regularmente.
Por isso, não nos parece novidade alguma e não há de ser causa de temor por quem quer que seja, até porque as circunstâncias moldam nossas perspectivas e guiam as condutas.
Realmente, o próprio antigo art. 406 já mencionava que seria utilizada a taxa que estivesse em vigor para mora dos impostos devidos à Receita Federal. Portanto, aparentemente, insistimos, nada de novo emerge com a promulgação da lei 14.905/24.
Trata-se de algo que requer atenção, não exagerada preocupação, ousamos dizer.
Como sabido, a taxa referencial do SELIC - Sistema Especial de Liquidação e de Custódia incide nos juros moratórios dos tributos federais (art. 13 da lei 9.065/95, art. 61, § 3º, da lei 9.430/96 e art. 30 da lei 10.522/02).
Parece-nos importante atentar a algo fundamental e que, em verdade, já era contemplado na antiga redação, apenas avolumando-se na nova: a Taxa Selic somente será utilizada quando os juros moratórios não forem convencionados ou o forem sem taxa estipulada.
Chamamos ainda a atenção para isto: quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Em outras palavras: a taxa SELIC é, sim, critério veraz de fixação dos juros moratórios, porém não é o único nem necessariamente o mais importante.
A despeito da aplicação ou não da Taxa Selic, entendemos necessário lembrar conceitos específicos sobre juros, notadamente os que expõem a enorme diferença entre remuneratórios e moratórios, notadamente pelo contexto e para o propósito aos quais eles são aplicados.
A saber:
- Juros remuneratórios: são os juros pagos como compensação pelo uso de capital. São aplicados em contratos de empréstimos, financiamentos e investimentos, com o objetivo de compensar o credor pelo risco e pela perda do poder de compra do dinheiro emprestado ou investido.
- Juros de mora: São juros aplicados em caso de atraso no cumprimento de uma obrigação, calculados sobre o valor devido em decorrência da demora no pagamento, compensando o credor (autor) pelo atraso/reconhecimento no pagamento e incentivar o devedor a quitar a dívida.
Já a definição da TAXA SELIC, segue como sendo aquela básica de juros da economia brasileira, definida pelo COPOM - Comitê de Política Monetária do Banco Central. É a taxa média ponderada dos juros diários das operações de redesconto e de empréstimos realizados com títulos públicos, influenciando a política monetária e controlando a inflação.
Portanto, resta claro e evidente que a SELIC é uma taxa de referência para a política monetária e influencia as condições econômicas gerais, enquanto os juros de mora são penalidades específicas aplicadas em caso de inadimplemento de uma obrigação financeira ou judicial.
A SELIC pode impactar a taxa de juros de mora, mas não são a mesma coisa.
Exatamente por englobar juros moratórios e correção monetária, a Selic pressupõe a coincidência dos termos iniciais dos juros moratórios e correção monetária, ao passo que as súmulas 54 e 362/STJ estabelecem diretriz conflitante com esse pressuposto.
A Taxa Selic tem natureza remuneratória, destinada a remunerar o capital emprestado visando ao lucro, ao passo que os juros mencionados no art. 406 do Código Civil tem natureza moratória, incidente pelo atraso ou falta de um cumprimento postergado.
Essa diferença escancara-se quando enfrentamos uma discussão judicial extracontratual, situação em que os juros de mora são aplicados, por determinação legal, a partir do evento danoso e a atualização monetária em momento diverso.
Desse modo, enxergamos vividamente a não eficiência da aplicação da TAXA SELIC com caráter de juros de mora, pois a SELIC, por ser uma TAXA e não JUROS, carrega ambos os índices de uma vez só.
Diante disso tudo, quais são, de fato, os efeitos da nova redação do art. 406 do CC?
Sem embargo ao que já dissemos, acreditamos que, doravante, ficará mais fácil a defesa equivocada da aplicação da TAXA SELIC como meio de estabelecimento dos JUROS DE MORA, em que pesem as definições distintas e desconexas com a natureza de sua aplicação.
Pensamos que espécie de osmose jurídica poderá ocorrer e muitos passarão a enxergar nas letras da nova redação legal – que, a bem da verdade, de novidade não há quase nada – confusão conceitual entre juros legais e juros de mora.
Esperamos, apenas, que nos casos de disputas fundadas em contratos os juros convencionados sejam realmente respeitados, como, aliás, expressamente dispõe a lei e que nos extrajudiciais ninguém se sinta premido a aplicar a Taxa Selic sem que ao menos se cogite em nome da razoabilidade outro critério de fixação.
Seria ingenuidade nossa imaginar que a nova redação legal não é e será duro golpe da justa defesa dos juros de um por cento, porém seria precipitado e temerário anunciar sua morte.
Gostamos de sempre dizer que o Direito é dialético por excelência, que nada são favas contadas e que tudo depende das particularidades circunstanciais informadores. A famosa frase da sabedoria popular continua vigente e atualíssima: cada caso é um caso.
Lembramos que os juros de mora nos processos judiciais têm por objetivo incentivar a parte que antevê derrota à composição. Então, qualquer critério que amenize o ônus do prolongamento de disputa judicial não faz jus ao espírito de sua instituição.
Infelizmente, essa nossa visão nem sempre é agasalhada pela Justiça e a recente mudança legislativa talvez seja um passo mais firme em favor do uso da Taxa Selic que é fluída. Em vez de maior segurança jurídica, como alegam seus defensores, enxergamos enorme insegurança, dado seu caráter volátil, dependente que é dos humores do Banco Central.
Críticas nossas à parte, temos o dever de enfatizar, ainda que sob pena de repetição, que ela só será aplicada quando não houver entre as partes juros pré-estabelecidos ou, em casos extracontratuais, a Justiça não dispuser expressamente outro critério.
Imaginamos que a Taxa Selic será infelizmente sinônimo de juros legais, mas nenhum juiz será impedido de aplicar outro critério, como o do salutar um por cento ao mês de litígio desde a citação.
Insistimos: a novidade não é tão novidade assim e o que talvez seja novo é o cenário de acomodamento por equivocada interpretação da norma. Se se empregar ao caso concreto o automatismo normativo, a Taxa Selic triunfará; se, contudo, se enxergar sistemicamente o Direito, ela será cultivada apenas em campo infértil, não adubado.
Iniciamos com uma citação literária e terminamos com outra. O autor inglês GK Chesterton disse certa vez: “chegará o tempo em que termos que afirmar que a grama é verde”. Infelizmente, no Direito em exercício esse tempo é presente faz tempo, com o perdão do trocadilho. É pretérito do passado e particípio futuro.
A novidade que não é nova nasce com o mofo próprio das coisas muito antigas e não arejadas.