Com alegria, a comunidade jurídica recebe a lei 14.939, de 30/7/24, que altera o CPC, “para prever que o tribunal determine a correção do vício de não comprovação da ocorrência de feriado local pelo recorrente, ou desconsidere a omissão caso a informação conste do processo eletrônico”.
Ao longo dos anos, muitos juristas questionaram a existência de óbices sumulares e das denominadas jurisprudências defensivas, entendidas como julgados dos tribunais “com o intuito de diminuir a quantidade de recursos que chegam ao seu julgamento” que de forma extremamente rigorosa aplicavam e por vezes, criam requisitos de admissibilidade dos recursos (ex. recolhimento correto de custas, a ausência de peças obrigatórias etc), negando seguimento aos mesmos por questões meramente formais (Nery Jr., 2013, p. 95).
Paulatinamente, a legislação brasileira tem buscado prestigiar o acesso à justiça e eliminar os obstáculos ao julgamento de mérito de recursos em decorrência de questões formais, que poderiam ser corrigidas mediante intimação das partes.
A título de ilustração, o CPC vigente expressamente apregoa:
Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
(...)
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
(...)
Art. 317. Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício.
Estes artigos são evidências da adoção pelo legislador do princípio da primazia do julgamento de mérito.
O jurista Fredie Didier Jr. destaca sobre o princípio:
“A primazia do julgamento de mérito, prevista no art. 4º do CPC, constitui uma verdadeira diretriz interpretativa e aplicativa do sistema processual brasileiro. A ideia é prestigiar a decisão de mérito, em detrimento das decisões meramente processuais, para que o processo cumpra sua função social de pacificação e de justa composição da lide.”
Em que pese o CPC ter sido publicado em 2015, ainda é substancialmente numerosa a existência de vários julgados que não conhecem de recursos quando a parte não comprova a existência de feriado local que interfira na contagem dos prazos dos recursos.
Basta uma simples análise ao diário da justiça eletrônico, para verificar o que se alega:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
INTEMPESTIVIDADE. PRAZO DE 15 DIAS ÚTEIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA SUSPENSÃO DE EXPEDIENTE FORENSE NO ATO DE INTERPOSIÇÃO.(...)
2. Na vigência do CPC/15, a ocorrência de feriado local ou de suspensão dos prazos processuais deve ser comprovada por meio de documento hábil no ato de interposição do recurso, não sendo possível fazê-lo posteriormente. (AgInt no AREsp 2.375.577 / RO, DJe 8/7/24).
No mesmo sentido: AgInt no AREsp 2.545.493 / PR, DJe 08/7/24; AgInt nos EDcl no AREsp 2207727 / RJ, DJe 8/7/24; AgInt no AREsp 2.482.099 / SP, DJe 3/7/24.
Exatamente para resolver este cenário, foi alterado o § 6º do Art. 1.003, que doravante tem a seguinte redação:
“§ 6º O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso, e, se não o fizer, o tribunal determinará a correção do vício formal, ou poderá desconsiderá-lo caso a informação já conste do processo eletrônico.”
Deste modo, caso o Relator tenha dúvidas quanto a tempestividade de recurso em decorrência de feriado local, deverá adotar um dos seguintes caminhos: (i) certificar a existência da informação via processo eletrônico ou (ii) intimar a parte pra corrigir o vício.
Este avanço legislativo certamente, possibilitará que mais demandas alcancem a esperada solução integral do mérito.
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Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, 21ª ed., Editora JusPodivm, 2021, p. 102.
Nery Jr., Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. 2ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 95).