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Usucapião judicial e a inexistência de matrícula própria

No âmbito judicial, a ausência de matrícula surge como aparente óbice à procedência da ação de usucapião, muitas vezes em detrimento da presença dos requisitos autorizadores e da própria natureza do instituto. Qual o caminho indicado pelo STJ?

26/7/2024

Não é raro encontrar como obstáculo à procedência (e mesmo ao prosseguimento) da ação de usucapião judicial a ausência de identificação da matrícula do imóvel que se pretende usucapir ou ainda a inexistência inscrição municipal referente ao bem. Entende-se, no sentido do óbice, pela dificuldade de realização dos atos de registro público e tributação respectiva quando não presentes os referidos dados.

Pela via da práxis, trata-se de entendimento que encontra certa razoabilidade, especialmente porque a matrícula e a inscrição municipal são elementos identificadores usuais nas suas respectivas esferas (Registros Públicos e Prefeituras), possibilitando a prática de atos administrativos de modo mais diretivo, seguro e célere.

Ocorre que, como é sabido, estes dados não figuram como requisitos legais para a aquisição da propriedade através da usucapião (posse ad usucapionem e decurso temporal).

É preciso relembrar que a usucapião é forma de aquisição originária da propriedade (dimensão jurídica), não estando necessariamente condicionada a uma cadeia registral específica (dimensão registral), o que possibilita a geração de nova matrícula e inscrição municipal para o respectivo imóvel.

Neste sentido é necessário destacar o julgado do STJ, em sede do REsp 1.818.564 - DF, sob a relatoria do min. Moura Ribeiro:

“Imagine-se, por exemplo, a situação nada incomum em que parte de uma fazenda é ocupada por lavradores com animus domini pelo tempo necessário ao reconhecimento da prescrição aquisitiva, ali exercendo notórios atos de posse de boa-fé. Impossível afirmar, nessas situações, que a ausência de matrícula própria para as áreas ocupadas constitui obstáculo ao reconhecimento da usucapião. Basta, para tanto, que se faça o desmembramento da matrícula original, a fim de que a área usucapida possa contar com uma cadeia dominial própria.”

Note-se que o pronunciamento ainda conclui pela possibilidade de abertura de nova cadeia dominial, considerando o teor do art. 216-A, § 6º da lei de registros públicos, referente à usucapião extrajudicial:

“Ademais, o art. 216-A, § 6º, da lei de registros públicos (com a redação conferida pela lei 13.465/17) autoriza o Oficial do Registro a abrir uma nova matrícula nas hipóteses de usucapião administrativa, se necessário. Tratando-se de parcelamento do solo ou incorporação imobiliária, também há previsão legal expressa para abertura de novas matrículas. Nos termos do art. 237- A da lei de registros públicos, após o registro do parcelamento do solo ou da incorporação imobiliária, até a emissão da carta de habite-se, as averbações e registros relativos à pessoa do incorporador ou referentes a direitos reais de garantias, cessões ou demais negócios jurídicos que envolvam o empreendimento serão realizados na matrícula de origem do imóvel e em cada uma das matrículas das unidades autônomas eventualmente abertas.

Com efeito, se o bem imóvel é divisível, essa qualidade deve se refletir no Cartório de Registro de Imóveis com a abertura de tantas matrículas quantas forem necessárias para certificar a verdadeira propriedade das glebas.”

Não se pode deixar de destacar a pertinência do julgado do E. STJ, vez que torna robusta a necessidade de atenção aos aspectos mais essenciais da usucapião, observando ainda sua efetiva natureza jurídica.

Portanto, atendidos os requisitos legais e outras exigências pertinentes, não há como se opor óbice à procedência da usucapião judicial por inexistência de matrícula ou mesmo de inscrição municipal, sendo plausível, a depender do caso, a abertura de cadeia dominial própria.

Bruno Amaral
Advogado, sócio da firma ADVOCACIA AMARAL, MACHADO & PRAZERES

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