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Venda a non domino - O que fazer quando alguém vende duas vezes o mesmo bem - Responsabilidade eventual das serventias registrais

Num país com inúmeros conflitos fundiários, em que as matrículas muito antigas foram sendo passadas e migraram de uma serventia registral para outra, as vezes com metragem diferentes outras vezes por simples grilagem, existem questões que devem ser analisadas.

23/7/2024

O país tem um enorme problema agrário, muitas matrículas foram abertas, há mais de século, com base em cartas forais ou declarações de Cúrias Diocesanas (paróquias fazendo o papel de cartórios), e há, ainda, afora o problema de dados precários e inexatos, que leva a sobreposições, a questão dos grileiros que, de vários modos, invadem e ocupam imóveis alterando matrículas e questões de corrupção pura e simples.

Some-se a isso, questões mais graves ainda, quando o Estado alega, a partir desses dados inexatos, que grandes faixas de terras seriam devolutas, incorporando-as. Há casos emblemáticos, como os de Ibiúna – Piedade (Parque Jurupará) – famílias com registro de suas terras e posse efetiva no período de 1800 e seus idos, mas que estão sendo hoje, tratadas como invasoras, porque, supostamente teriam sido citadas nos idos de 1940 para se defenderem em processos de reconhecimento de terras devolutas ou ações discriminatórias.

Tivesse tudo ocorrido dentro de parâmetros de normalidade – com citação efetiva e descaso das partes, naquela época, não haveria do que se reclamar – mas, ao contrário, em uma situação que a Fazenda Paulista nem tenta esclarecer – nesses idos de 1940, sem estradas, mapas, ou GPS, um Oficial de Justiça, sem colher qualquer assinatura, majestática e inexplicavelmente, alega ter citado cerca de 600 famílias (sem exclusão de nenhuma – sem que houvesse sequer e por exemplo, analfabetos ou desconhecidos) num prazo de quinze dias (ou se cuidava de um prodígio que apenas realizou esse milagre – não há notícias de outros eventos como este ou se fez algo de muito errado com uma população pobre e sem conhecimento de seus direitos (para piorar – o Estado esperou 75 anos para começar a desocupar as propriedades, sem qualquer rede de amparo social).

Esse singelo exemplo, se replica aos milhares e milhares no Estado e no país. Ademais, a par do problema fundiário, muitas pessoas compram imóveis com matrículas formais, em ordem, e se veem enredados em problemas como este.

Isso sem comprar imóveis com propensão a serem penhorados, bloqueados e com restrições, o que se resolve pela interpretação do Tema Repetitivo 243 STJ que, em linhas gerais reconhece o princípio universal e milenar de direito no sentido de que a boa-fé se presume e a má-fé se comprova – com reforço aos termos da súmula 375 STJ.

Assim, um sistema registral que deveria ser seguro, ainda abre margem à muitas distorções e equívocos. O objeto da presente digressão se dá no sentido da viabilização do exercício concreto sobre direitos de propriedade adquiridos de modo regular e em boa-fé que compram inadvertidamente coisa já vendida ou coisa pertencente a outra pessoa e, pior, em situações de erros no registro imobiliário.

Júlio César Ballerini Silva
Advogado. Magistrado aposentado. Professor. Coordenador nacional do curso de pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil e em Direito Médico.

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