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PL 2.925/23 - Ações de responsabilidade civil em face de administradores e acionistas controladores

Ministério da Fazenda propôs PL 2.925/23 alterando LSA e LMVM, baseado em estudo da OCDE para fortalecer mercado de capitais no Brasil.

23/7/2024

1. Panorama do PL 2.925/23

Em junho/23, o Ministério da Fazenda enviou ao Congresso Nacional o PL 2.925/231 propondo alterações relevantes à LSA - lei de sociedades por ações (lei 6.404/76) e à LMVM - lei do mercado de valores mobiliários (lei 6.385/76). O regime de tramitação do PL era inicialmente prioritário, entretanto, em setembro de 2023, foi cancelada a urgência em função de relevante movimentação por boa parte da academia e, principalmente, da advocacia societária brasileira.

Em março de 2024, após a exposição de sugestões pelos diversos grupos de estudos relacionados com a temática, tais como ABRASCA - Associação Brasileira das Companhias Abertas e CBAR - Comitê Brasileiro de Arbitragem, o deputado Isnaldo Bulhões Jr. solicitou novamente o regime de urgência, devendo a Câmara dos Deputados apreciar o projeto no prazo de 45 dias.

Vale lembrar que o PL teve como base um estudo realizado pela OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em parceria com o Ministério da Fazenda e a CVM - Comissão de Valores Mobiliários, que propôs uma análise comparada das estruturas de responsabilização das companhias de nove países: França, Alemanha, Israel, Itália, Portugal, Cingapura, Espanha, Estados Unidos e Reino Unido2. Dessa forma, o PL busca, em tese, solucionar as supostas incertezas do mercado de capitais brasileiro de modo a ampliar os investimentos no país. Não obstante, após detalhada análise dessa proposta legislativa, adiantamos que a intenção do PL não foi integralmente atingida e, como exposto a seguir, ele, na verdade, pode até mesmo aumentar incertezas e desincentivar o investimento no país.

Diante das diversas alterações propostas pelo PL, o presente artigo irá discutir, especificamente, a ampliação (i) do rol de legitimados a propor a ação de responsabilidade dos administradores (Art. 159 da LSA); (ii) do rol de legitimados a propor a ação de responsabilidade da companhia (Art. 246 da LSA); e (iii) do prêmio a ser recebido pelo vencedor da disputa judicial.

2. Atual panorama legal

  1. Ação de responsabilidade dos administradores (art. 159)

i) Princípio básico da responsabilidade civil dos administradores

A ação de responsabilidade civil da companhia em face do administrador, prevista no caput do art. 1593 da LSA, possibilita o ressarcimento dos prejuízos que o administrador possa gerar à companhia ao violar seus deveres fiduciários e agir em interesse divergente ao da companhia.

O princípio básico da responsabilidade civil dos administradores está previsto no artigo 158 da LSA, o qual define o comportamento antijurídico que o administrador deverá exercer para ser responsabilizado: responde civilmente quando proceder (a) dentro de suas atribuições ou de seus poderes (art. 158, I da LSA), com dolo ou culpa, causando prejuízo à companhia; e (b) agir em violação à lei ou ao estatuto (Art. 158, II da LSA)4. Este instituto complementa a obrigação prevista no art. 156 da LSA, a qual reforça a necessidade do administrador direcionar sua atuação em prol dos interesses da companhia em conformidade com os seus deveres fiduciários.

ii) Legitimidade na proposição da ação

Em relação à capacidade para se estar em juízo (“legitimatio ad processum”5), a legislação brasileira atual prevê duas modalidades: i) a ação social “ut universi”, cuja parte legitimada principal é a própria companhia em função desta sofrer diretamente o prejuízo; e ii) a ação individual “ut singuli”, na qual o legitimado subsidiário são os acionistas que representem 5%, pelo menos, do capital social.

Tanto a ação social “ut universi” quanto a ação social “ut singuli” têm como finalidade a preservação do interesse social e, por isso, não poderiam ser utilizadas para reequilibrar interesses individuais de acionistas, mas sim para reparar os danos incorridos diretamente pela companhia e indiretamente pelos acionistas6.

iii) Assunção de riscos e a função social da empresa

Para além da necessidade de os administradores deverem se atentar aos seus deveres fiduciários, eles devem visar uma atuação alinhada com a função social da empresa. Isto é, embora se reconheça que a atividade do administrador é cercada por riscos que, à medida que forem assumidos, podem gerar reflexos econômicos positivos ou negativos à companhia, a mera assunção de riscos, por si só, não é suficiente para levar à responsabilização do administrador.

Entretanto, no caso de uma perda por parte da companhia, seja econômica ou em razão de um desvio do interesse social, caso o administrador não tenha sido diligente na tomada de decisão7, pode o administrador ser responsabilizado pela ação do caput do art. 159 da LSA.

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Inteiro Teor do PL 2925/2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2284015&filename=PL%202925/2023

2 “Private Enforcement of Shareholder Rights: A Comparison of Selected Jurisdictions and Policy Alternatives for Brazil”, publicado em 2020. Disponível em: https://www.oecd.org/corporate/shareholder-rights-brazil.htm

3 Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.

4 Adamek, Marcelo Vieira von Responsabilidade civil dos administradores de S/A (e as ações correlatas) / Morcela Vieira von Adamek. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 210.

5 RECURSO ESPECIAL Nº 1.778.629 - RS (2017/0114145-2) RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201701141452&dt_publicacao=14/08/2019

6 Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus De Freitas Henriques. Mercado de Capitais: Regime Jurídico - 4ª Edição São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 658 e 678.

7 Mathias, Virgílio. O Litisconsórcio Necessário do Administrador na Ação Anulatória de Deliberação de Aprovação de Contas sem Ressalvas, p. 78.Revista da Emerj, janeiro/ março v. 22, n. 1 – Ano 2022.

Victor Galante
Sócio e CEO do escritório Tauil & Chequer Advogados.

Carlos Motta
Sócio da prática de Societário e Fusões e Aquisições, Mercado de Capitais e Securitização e Relações Societárias e Governança Corporativa.

Luciana Sodré
Sócia da prática de Societário e M&A.

André Camargo
Counsel da prática de Relações Societárias & Governança Corporativa.

João Pedro Coutinho Valle
Associado da prática de Societário e M&A.

Maria Eduarda Araújo
Colaboradora da prática de Societário e M&A.

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