Introdução
O GNL - Gás Natural Liquefeito é uma forma de gás natural que passa por um processo de liquefação, sendo resfriado a cerca de -162°C para se transformar em líquido. Esse processo reduz o volume do gás em aproximadamente 600 vezes, o que facilita muito o armazenamento e o seu transporte. A utilização do GNL é particularmente vantajosa em cenários onde a infraestrutura de gasodutos é inexistente, inadequada ou onde há riscos elevados de desabastecimento, proporcionando uma alternativa logística eficiente e flexível para a distribuição de gás natural.
A diversificação das fontes de fornecimento tornou-se essencial para mitigar esses riscos, tornando o GNL uma solução crucial. Este método é especialmente relevante em situações de incerteza na entrega de gás, malhas de transporte inadequadas ou inexistentes, dutos operando em capacidade máxima e necessidade de suprir a demanda com múltiplas fontes exportadoras.
Nesse contexto, a produção de GNL é justificável quando as quantidades ou distâncias tornam o transporte por dutos inviável, abrangendo desde a exploração e liquefação até a distribuição ao consumidor final. Embora historicamente os custos tenham sido elevados, o GNL começou a se tornar viável e fundamental para a economia do Brasil, modificando contratos e preços. A Petrobras, por exemplo, implementou o Plangás - Plano de Antecipação da Produção de Gás Natural. Também no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, o projeto "Corredor Azul" ilustra outra vantagem do GNL: a substituição do diesel por gás natural ou biometano em veículos rodoviários, resultando na redução de emissões de gases de efeito estufa.
Este cenário inédito no Brasil exige que a ANP se capacite para gerenciar as operações técnicas e econômicas do GNL, além de aprimorar a regulamentação para acompanhar o aumento da participação do gás natural na matriz energética nacional.
Assim, foi editada em 27/6/24 a resolução 971 pela ANP - Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, que moderniza a regulamentação das atividades de acondicionamento e movimentação de GNL - gás natural liquefeito a granel, utilizando modais alternativos ao dutoviário, como o rodoviário. Esta medida substitui a antiga Portaria ANP 118/00, incorporando novas tecnologias e oferecendo alternativas mais flexíveis para projetos de GNL de pequena escala.
Objetivos e modernizações da nova resolução
A nova resolução se alinha ao novo marco regulatório da indústria do gás natural, representado pela lei 14.704/21, conhecida como nova lei de gás. Entre os principais objetivos estão:
- Capilaridade do GNL: Facilitar a distribuição de gás natural em regiões sem infraestrutura de dutos.
- Inovações tecnológicas: Incorporação de estações compactas de liquefação e ISO contêineres, permitindo o uso de diferentes meios de transporte e armazenamento.
- Novos modelos de negócio: Inclusão do GNL produzido a partir do biometano, garantindo tratamento regulatório semelhante ao do gás natural.
Essa modernização pode impulsionar o setor de biometano no Brasil, reduzindo incertezas regulatórias e estimulando novos investimentos.
Processo regulatório e participação social
O processo regulatório 48610.200592/2021-49, relatado pela diretora Patrícia Baran, surgiu para suprir uma falha mercadológica brasileira. A antiga Portaria ANP 118/00 não contemplava novos modelos de negócio que integram modais de transporte distintos, regulando inadequadamente a distribuição de GNL a granel para mercados sem infraestrutura dutoviária.
A OCDE recomendou revisões sistemáticas do estoque regulatório para promover atualizações técnicas, simplificação administrativa, e redução de cargas administrativas. A identificação de regulações ineficazes e com impactos econômicos significativos foi central na metodologia de análise estruturada utilizada pela ANP, com contribuições de documentos técnicos, literatura científica, e workshops.
A distribuição de GNL a granel é vista como essencial para o mercado brasileiro, podendo estimular o consumo de gás natural em pequena escala em locais sem infraestrutura dutoviária. A lei 14.134, ou nova lei do gás, é considerada fundamental para a formação de um mercado de gás natural competitivo, promovendo a redução de preços e a retomada econômica do país. A nova resolução corrige falhas de mercado, aumenta a segurança jurídica e reduz riscos de investimento.
Estrutura da nova resolução
Dividida em cinco capítulos, a nova resolução visa estabelecer requisitos claros e atualizados para a autorização e operação dessas atividades no Brasil. Este documento sistematizado oferece uma visão detalhada das principais alterações introduzidas pela Resolução ANP 971, facilitando a compreensão e a adaptação às novas normas:
1. Disposições preliminares (arts. 1º ao 3º)
- Artigo 1º: Define os requisitos e procedimentos para a autorização das atividades de acondicionamento e movimentação de GNL a granel por modais alternativos ao dutoviário.
- Artigo 2º: Exclui do escopo da resolução os serviços locais de gás natural canalizado, operação de pontos de abastecimento, instalações em campos de produção, e outras especificações.
- Artigo 3º: Estabelece definições importantes, como acondicionamento de GNL, biogás, biometano, distribuição de GNL a granel, e outras terminologias relevantes.
2. Disposições gerais (arts. 4º ao 8º)
- Artigo 4º: O transporte de produtos perigosos deve seguir as regras de licenciamento ambiental pertinentes.
- Artigo 5º: O transporte aquaviário de GNL deve observar a legislação vigente.
- Artigo 6º: Define operações de apoio marítimo para o transvasamento de GNL.
- Artigo 7º: Trata o biometano de forma análoga ao gás natural.
- Artigo 8º: Estabelece que as atividades devem seguir as melhores práticas da indústria e normas técnicas aplicáveis.
3. Autorização (arts. 9º ao 26º)
- Artigos 9º e 10: Regulam a autorização para comercialização e operação de instalações de acondicionamento de GNL.
- Artigo 11: Define que as atividades só podem ser exercidas por sociedades empresárias brasileiras mediante autorização prévia da ANP.
- Artigos 12º a 26º: Detalham o processo de requerimento, análise, e critérios para obtenção de autorizações para distribuição, projetos estruturantes, uso próprio, e operação de instalações de acondicionamento de GNL, além de procedimentos para alterações, transferência de titularidade, e desativação de instalações.
4. Obrigações (arts. 27º e 28º)
- Artigo 27º: Estabelece obrigações para agentes autorizados na movimentação de GNL a granel, incluindo inspeções periódicas, manutenção de dispositivos de segurança, e comunicação de alterações.
- Artigo 28º: Define obrigações para operadores de instalações de acondicionamento de GNL, como inspeções e manutenções periódicas, atualização de planos de capacitação e segurança, e registro de incidentes.
5. Disposições transitórias e finais (arts. 29º ao 32º)
- Artigo 29º: Agentes autorizados previamente não precisarão de nova autorização, salvo mudanças específicas.
- Artigo 30º: Altera a Resolução ANP 52, de 29/9/11.
- Artigo 31º: Revoga a Portaria ANP 118, de 11/7/00.
- Artigo 32º: Estabelece a data de entrada em vigor da resolução.
Com uma estrutura clara e abrangente, a resolução não apenas define os requisitos para a autorização e operação das atividades de acondicionamento e movimentação de GNL, mas também estabelece normas rigorosas para garantir a segurança e a eficiência dessas operações.
Desafios e repercussões
A resolução enfrentou desafios, principalmente relacionados à delimitação de competências entreesferas federal e estadual. Distribuidoras de gás canalizado, representadas pela Abegás, defendem a competência estadual em alguns aspectos da regulação, enquanto produtores e consumidores apoiam a competência regulatória da ANP conforme a nova lei do gás.
Por outro lado, com o apoio de produtores, a ANP sustenta que a regulamentação da distribuição de GNL é independente das regras estaduais sobre gás canalizado. A agência acredita que a nova resolução permitirá o desenvolvimento de GNL em pequena escala sem conflitos federativos, impulsionando o mercado de gás natural no Brasil.
Em seu voto, a relatora destacou que “Há que se considerar que toda a sociedade foi convidada ao processo de participação social, e que as manifestações recebidas foram devidamente avaliadas” e que ““A minuta não impede que as concessionárias locais de gás canalizado recebam autorização para o exercício de tais atividades, se houver interesse (…) desde que cumpram os requisitos estabelecidos pela ANP”.
Os demais diretores presentes Fernando Moura, Rodolfo Saboia e Symone Araújo acompanharam o voto da relatora. A última destacou que a decisão “certamente vai abrir um caminho importante”.
Conclusão
A aprovação da nova resolução pela ANP representa um avanço significativo para o setor de gás natural no Brasil. Modernizando a regulamentação e integrando novas tecnologias e modelos de negócios, a ANP busca corrigir falhas de mercado, aumentar a segurança jurídica e promover um mercado mais dinâmico e competitivo. A resolução tem o potencial de impulsionar o desenvolvimento econômico, reduzir preços e atrair novos investimentos, contribuindo para a expansão contínua do setor de gás natural no país.