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STJ altera a metodologia de cálculo de tarifa para condomínios sem hidrômetro individualizado

Em 20/6/24, o STJ revisou o entendimento do Tema 414/STJ sobre a cobrança de taxas de água e esgoto em condomínios com um único hidrômetro, considerando ilegais os modelos de consumo real fracionado e global. O tribunal agora adota o consumo individual presumido, conforme arts. 29 e 30 da lei 11.445/07.

19/7/2024

Em 20/6/24, a 1a Seção do STJ reviu o entendimento firmado no Tema 414/STJ1, dos Recursos Repetitivos, sobre a forma de cobrança de taxas de água e esgoto para condomínios em que há apenas um hidrômetro para todas as unidades.

Seguindo o voto do ministro relator Paulo Sérgio Domingues, o Tribunal analisou as três formas de cálculo possíveis para a averiguação da remuneração devida à luz dos fatores e diretrizes de estruturação de tarifa previstos nos arts. 29 e 30 da lei 11.445/07.2 Confira-se, em síntese:

  1. Consumo real fracionado (ou modelo híbrido). O valor referente ao consumo é dividido igualmente entre cada unidade condominial, que automaticamente se supõe unidade consumidora. O resultado será o balizador para enquadramento de cada condômino na faixa de consumo, que será utilizado para determinar o valor a ser cobrado por metro cúbico. Desse modo, todos os condôminos são enquadrados na mesma faixa de consumo e pagam o mesmo valor, não sendo considerada a franquia de uso garantida a todas as unidades. Tal entendimento prevaleceu anteriormente no Tribunal por meio do julgamento do Tema 414/STJ, em 2010. No julgamento recente, a Primeira Seção reviu esse posicionamento, entendendo pela ilegalidade dessa metodologia, na medida em que o seu cálculo desconsidera o conceito de franquia de consumo, contrariando o disposto no art. 30, III, da lei 11.445/07. Além disso, considerou que essa metodologia desencadeia uma assimetria econômica artificial entre os condomínios que possuem apenas um hidrômetro e os demais usuários, que são cobrados pela tarifa mínima referente à franquia.
  2. Consumo real global. O condomínio é considerado uma única unidade consumidora, inclusive para fins de enquadramento na faixa de consumo e para cálculo da franquia. Sendo assim, o cálculo do valor devido em razão do consumo excedente considera apenas uma unidade consumidora e utilizando o enquadramento resultante do uso por todo o condomínio. No julgamento recente, o Tribunal também entendeu pela ilegalidade dessa metodologia, uma vez que os recursos são usados de maneira independente por cada fração do ente condominial, não sendo possível conceber o condomínio como uma unidade monolítica de consumo, o que pode desencadear na cobrança de tarifas desproporcionais.
  3. Consumo individual presumido ou franqueado. O valor é cobrado por unidade e deve considerar duas parcelas: (a) parcela mínima fixa equivalente ao que seria devido em razão do uso da franquia garantida, e (b) parcela eventual e variável referente ao que for utilizado acima da soma das franquias de todas as unidades. Quando devida, a parcela (b) deverá ser calculada considerando o enquadramento em faixa de consumo seguinte à primeira, conforme o volume consumido.

Essa metodologia havia sido considerada ilegal nos termos do julgamento que edificou o Tema 414/STJ, mas o Tribunal superou o entendimento anterior, por entender que a metodologia encontra amparo legal, nos termos dos arts. 29 e 30 da lei 11.445/07, especialmente na regra do art. 30, VI, da referida lei.

No entendimento do ministro relator, essa metodologia não implica desprezo ao volume de água efetivamente aferido, pois a aferição será de todo relevante para definir se houve ou não respeito às franquias de consumo concedidas. Ademais, coloca em plano de igualdade todos os usuários dos serviços de saneamento, sejam eles consumidores individuais, condomínios dotados de múltiplos medidores de consumo ou condomínios equipados com um único hidrômetro (residenciais, comerciais ou mistos), cobrando-se de todos pelos custos de disponibilização dos serviços uma mesma contraprestação (a parcela fixa da tarifa, equivalente a uma franquia de consumo).

Por essas razões, o STJ reviu o entendimento do Tema 414 a fim de superá-lo, fixando as seguintes teses de eficácia vinculante:

  1. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é lícita a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento por meio da exigência de uma parcela fixa ("tarifa mínima"), concebida sob a forma de franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras (economias); bem como por meio de uma segunda parcela, variável e eventual, exigida apenas se o consumo real aferido pelo medidor único do condomínio exceder a franquia de consumo de todas as unidades conjuntamente consideradas.
  2. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, utilizando-se apenas do consumo real global, considere o condomínio como uma única unidade de consumo (uma única economia).
  3. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, a partir de um hibridismo de regras e conceitos, dispense cada unidade de consumo do condomínio da tarifa mínima exigida a título de franquia de consumo.

Por fim, o Tribunal entendeu por modular parcialmente os efeitos da decisão, a fim de:

  1. Vedar que sejam cobrados dos condomínios quaisquer valores pretéritos por eventuais pagamentos a menor decorrentes da adoção do chamado “modelo híbrido” em sede de ação revisional; e
  2. Ressalvar o direito ao ressarcimento dos condomínios dotados de medidor único e tomados como um único usuário dos serviços (metodologia “Consumo Real Global”), afastando a dobra do art. 42, parágrafo único, do CDC.3

No caso (ii) acima, o STJ autorizou que a restituição do indébito seja feita pelas prestadoras por meio de compensação entre o montante restituível com parcelas vincendas da própria tarifa de saneamento devida pelo condomínio, até a integral extinção da obrigação, respeitado o prazo prescricional previsto no art. 205 do Código Civil.4

A revisão da metodologia pelo STJ, bem como a modulação dos efeitos da decisão, visou a beneficiar a proporcionalidade da tarifa e a isonomia entre os consumidores, privilegiando a segurança jurídica na modulação de efeitos. O acórdão ainda aguarda o trânsito em julgado, podendo ser objeto de recurso.

____________

1 Tema 414/STJ (entendimento anterior): Não é lícita a cobrança de tarifa de água no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de economias existentes no imóvel, quando houver único hidrômetro no local. A cobrança pelo fornecimento de água aos condomínios em que o consumo total de água é medido por único hidrômetro deve se dar pelo consumo real aferido. STJ, REsp 1.166.561/RJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julg. 25/8/2010.

2 Art. 29. Os serviços públicos de saneamento básico terão a sustentabilidade econômico-financeira assegurada por meio de remuneração pela cobrança dos serviços, e, quando necessário, por outras formas adicionais, como subsídios ou subvenções, vedada a cobrança em duplicidade de custos administrativos ou gerenciais a serem pagos pelo usuário, nos seguintes serviços:

I - de abastecimento de água e esgotamento sanitário, na forma de taxas, tarifas e outros preços públicos, que poderão ser estabelecidos para cada um dos serviços ou para ambos, conjuntamente;

II - de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, na forma de taxas, tarifas e outros preços públicos, conforme o regime de prestação do serviço ou das suas atividades; e

III - de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas, na forma de tributos, inclusive taxas, ou tarifas e outros preços públicos, em conformidade com o regime de prestação do serviço ou das suas atividades.

§ 1º Observado o disposto nos incisos I a III do caput deste artigo, a instituição das tarifas, preços públicos e taxas para os serviços de saneamento básico observará as seguintes diretrizes:

I - prioridade para atendimento das funções essenciais relacionadas à saúde pública;

II - ampliação do acesso dos cidadãos e localidades de baixa renda aos serviços;

III - geração dos recursos necessários para realização dos investimentos, objetivando o cumprimento das metas e objetivos do serviço;

IV - inibição do consumo supérfluo e do desperdício de recursos;

V - recuperação dos custos incorridos na prestação do serviço, em regime de eficiência;

VI - remuneração adequada do capital investido pelos prestadores dos serviços;

VII - estímulo ao uso de tecnologias modernas e eficientes, compatíveis com os níveis exigidos de qualidade, continuidade e segurança na prestação dos serviços;

VIII - incentivo à eficiência dos prestadores dos serviços.

§ 2º Poderão ser adotados subsídios tarifários e não tarifários para os usuários que não tenham capacidade de pagamento suficiente para cobrir o custo integral dos serviços.

§ 3º As novas edificações condominiais adotarão padrões de sustentabilidade ambiental que incluam, entre outros procedimentos, a medição individualizada do consumo hídrico por unidade imobiliária.

§ 4º Na hipótese de prestação dos serviços sob regime de concessão, as tarifas e preços públicos serão arrecadados pelo prestador diretamente do usuário, e essa arrecadação será facultativa em caso de taxas.

§ 5º Os prédios, edifícios e condomínios que foram construídos sem a individualização da medição até a entrada em vigor da Lei nº 13.312, de 12 de julho de 2016, ou em que a individualização for inviável, pela onerosidade ou por razão técnica, poderão instrumentalizar contratos especiais com os prestadores de serviços, nos quais serão estabelecidos as responsabilidades, os critérios de rateio e a forma de cobrança.

Art. 30. Observado o disposto no art. 29 desta Lei, a estrutura de remuneração e de cobrança dos serviços públicos de saneamento básico considerará os seguintes fatores:

I - categorias de usuários, distribuídas por faixas ou quantidades crescentes de utilização ou de consumo;

II - padrões de uso ou de qualidade requeridos;

III - quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço, visando à garantia de objetivos sociais, como a preservação da saúde pública, o adequado atendimento dos usuários de menor renda e a proteção do meio ambiente;

IV - custo mínimo necessário para disponibilidade do serviço em quantidade e qualidade adequadas;

V - ciclos significativos de aumento da demanda dos serviços, em períodos distintos; e

VI - capacidade de pagamento dos consumidores.

3 Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

4 Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Derick de Mendonça Rocha
Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e especialista em corporate governance pela mesma instituição. Advogado do escritório Rolim, Goulart, Cardoso Advogados.

Karina Müller Marcel
Pós-graduanda em Direito Administrativo pelo IDP e bacharel em Direito pela UNIRIO. Advogada do escritório Rolim, Goulart, Cardoso Advogados.

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