Em 21.5.24, ao julgar o EDcl no AgRg no Ag 1.275.461/SP, a 1ª turma do STJ decidiu, por maioria, ser insuficiente a mera alegação de uma das partes de direito privado acerca da necessidade de intervenção da União, entidade autárquica ou empresa pública federal em demanda para que haja o deslocamento de competência da Justiça Estadual para a Justiça Federal.
Esse acórdão reacende discussão já enfrentada pelo STJ em outras oportunidades. De acordo com a súmula 150 da Corte, “compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”.
No mais recente precedente, a relatora ministra Regina Costa, seguida pelos ministros Gurgel de Faria, Paulo Sérgio Domingues e Sérgio Kukina, asseverou que a análise de interesse na Justiça Federal ocorrerá se o ente que poderia ocasionar o deslocamento de competência efetivamente postular seu ingresso no feito como parte, assistente ou opoente, na forma do art. 45 do CPC.
Isto é, segundo a decisão, o juiz estadual não estaria autorizado a remeter os autos para a Justiça Federal apenas com base em alegações sobre a existência de um suposto interesse da União, entidade autárquica ou empresa pública federal na lide. Na prática, seria necessário, primeiramente, que um desses entes federais formulasse o pedido de intervenção. Somente após esse pedido, os autos seriam remetidos para a Justiça Federal, onde seria decidido se, de fato, existe o interesse.
Já o ministro Benedito Gonçalves divergiu. Em seu voto-vista, entendeu que os autos deveriam ser remetidos à Justiça Federal, para que então fosse oportunizada à União a manifestação sobre eventual interesse. Seguindo esse raciocínio, a remessa não dependeria, necessariamente, de um pedido de intervenção na causa.
Essa nova decisão é em sentido diverso do antigo posicionamento da própria 1ª turma, que, em caso de relatoria do ministro Benedito Gonçalves, decidiu pela possibilidade de deslocamento de competência para a Justiça Federal, por entender pela existência de interesse da Agência Nacional de Telecomunicações em demanda movida pelo Ministério Público do Estado do Mato Grosso contra operadoras de telefonia, cujo objetivo era obter o aperfeiçoamento e a modernização do sistema de telecomunicações no Município de Paranatinga – MT (REsp n. 476.342/MT, rel. min. Benedito Gonçalves, 1ª turma, j. em 6.8.09, DJe de 19.8.09).
No referido caso, não havia pedido de ingresso da ANATEL no feito, mas se entendeu, a partir da alegação de uma das corrés, pela remessa dos autos para a Justiça Federal, em virtude do dever de fiscalização da autarquia.
Fato é que os julgados mais recentes do STJ indicam uma preferência pela restrição às hipóteses de deslocamento de competência da Justiça Estadual para a Justiça Federal.
Além do posicionamento quanto à necessidade de haver um pedido expresso de ingresso da União ou demais entes federais na demanda para, somente então, se discutir se há algum interesse que justifique o deslocamento de competência, a Corte entende que a intervenção anômala não justifica a remessa dos autos para a Justiça Federal.
Ao contrário da assistência simples, prevista no art. 121 do CPC, a intervenção anômala não requer interesse jurídico, mas somente interesse econômico, e está fundamentada no art. 5º, caput, da lei 9.469/97, segundo o qual “as pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes”.
Muito embora a lei autorize o ingresso da Fazenda Pública Federal em processos capazes de lhes gerar reflexos de cunho meramente econômico, o que, consequentemente, repercutiria na competência para processá-los e julgá-los, na forma do art. 109, I, da Constituição Federal e do art. 45 do CPC, a jurisprudência do STJ tem sido pacífica no sentido de que a remessa dos autos para a Justiça Federal somente ocorrerá se demonstrado o legítimo interesse jurídico na causa.1
Em síntese, a despeito de o julgamento do EDcl no AgRg no Ag 1.275.461/SP expressar uma mudança de posicionamento da 1ª turma em relação ao tema do deslocamento de competência, trata-se de um precedente não vinculante, alinhado a uma tendência do STJ de restringir as hipóteses de remessa dos autos da Justiça Estadual para a Justiça Federal. Decerto, a consolidação desse novo entendimento da Primeira Turma merece atenção, a fim de se verificar se será uniformizado no âmbito do STJ.
1 São alguns exemplos de precedentes: (i) AgRg no REsp n. 1.533.507/RJ, rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, j. em 18.8.2015, DJe de 28.8.2015; (ii) AgInt no REsp n. 1.361.769/CE, rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. em 20.10.2016, DJe de 8.11.2016; (iii) REsp n. 1.674.973/RJ, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. em 21.8.2018, DJe de 14.9.2018; (iv) AgInt no CC n. 150.843/DF, rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Seção, j. em 3.12.2019, DJe de 6.12.2019; (v) AgInt no REsp n. 1.535.789/PE, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, j. em 9.3.2020, DJe de 11.3.2020; e (vi) EREsp n. 1.265.625/SP, rel. Min. Francisco Falcão, Corte Especial, j. em 30.3.2022, DJe de 1.8.2022.