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Honorários advocatícios no cumprimento de sentença no mandado de segurança com efeitos patrimoniais

Este texto pretende apresentar algumas contribuições visando colaborar com o debate que está sendo travado na 1ª seção do STJ, no Tema Repetitivo 1.232.

9/7/2024

No Tema Repetitivo 1.232, a 1ª seção do STJ indicou a seguinte questão a ser submetida para julgamento: “Possibilidade de fixação de honorários advocatícios em cumprimento de sentença decorrente de decisão proferida em mandado de segurança individual, com efeitos patrimoniais”.

A decisão de afetação determinou a suspensão dos processos, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão a ser discutida pela Corte e que estejam tramitando já em Segunda Instância (art. 1.037, II, do CPC).

Visando delimitar o assunto, é necessário apresentar algumas variáveis relacionadas à decomposição do procedimento do mandado de segurança e ao (in)cabimento de honorários advocatícios: a) na fase de conhecimento propriamente dita (até a decisão meritória que concede ou denega a segurança); b) na liquidação de sentença individual oriunda de mandado de segurança individual ou coletivo; c) na fase de cumprimento de sentença individual oriunda de título executivo judicial individual ou coletivo.

Neste ensaio, levando em conta o que está sendo objeto do Tema 1.232/STJ, é importante enfrentar especificamente os itens a e c.

Em relação à fase de conhecimento, não resta qualquer dúvida: tratando-se de ação constitucional de natureza mandamental, não é cabível a fixação de honorários advocatícios, nos termos da previsão contida na lei de regência (AgInt no REsp 1936003 / RJ – 1ª T/STJ – rel. min. Gurgel de Faria – J. em 25/10/21- DJe 25/11/21).

Resta saber, se a previsão contida no art. 25 da lei 12.016/09 e no Enunciado 105, de súmula da Jurisprudência Dominante do STJ, refere-se apenas à fase de conhecimento ou também alcance a fase de cumprimento de sentença (obrigação de fazer e eventual reflexo pecuniário).

Não se pode esquecer que no mandado de segurança existem dois intervenientes com funções específicas: a) a autoridade coatora – que é notificada, presta informações e é instada a adotar a providência mandamental (art. 7º, I, da lei 12.016/09), estendendo-se a ela a legitimidade recursal na condição de terceiro interessado (art. 14, §2º, da lei 12.016/09); b) a pessoa jurídica (em regra de direito público), cuja intimação e participação no feito é realizada por meio do respetivo órgão da advocacia pública (art. 7º, II, 9º, 13, 14, 15, dentre outros, da lei 12.016/09), sendo responsável por eventual cumprimento de sentença do reflexo pecuniário (arts. 534 e 535, do CPC), inclusive com expedição de precatório requisitório (art. 100, da CF/88) ou requisição de pequeno valor.

Estas variáveis podem ser assim resumidas: no mandamus cabe à autoridade coatora a adoção da conduta mandamental (fazer ou não fazer) advinda de tutela provisória ou da própria concessão da ordem (sendo discutível a imputação de multa pessoal e medida executiva atípica em decorrência não cumprimento da ordem1), ao passo que a pessoa jurídica responde pelos efeitos patrimoniais decorrentes da concessão da segurança.

Ademais, o representante judicial da pessoa jurídica é responsável pela adoção das providências processuais, incluindo recursos, pedido de suspensão, etc.

Logo, nada impede que, em decorrência da concessão da ordem e adoção da conduta de fazer direcionada à autoridade coatora, ocorra algum reflexo pecuniário, gerando o cumprimento de obrigação de pagar sincrético e direcionado à pessoa jurídica de direito público (ar. 14, §4º, da lei 12.016/09 c.c arts. 534 e 535, do CPC).

Aliás, não se pode confundir liquidação e cumprimento de sentença de quantia provenientes de decisão em mandado de segurança individual (fases sincréticas da mesma relação processual) com os casos em que o requerente pretende reconhecimento do seu direito em decorrência de título executivo coletivo (medida judicial autônoma com carga cognitiva à ensejar o cabimento de honorários sucumbenciais, nos termos do Enunciado 345, de súmula da Jurisprudência Dominante do STJ (AgInt no REsp 1968010 – rel. min. Manoel Erhardt - des. Convocado do TRF5 – 1ª T – J. em 9/5/22 - DJe 11/5/22).

Em relação ao cumprimento de sentença de obrigação de fazer decorrente da concessão da segurança, não resta dúvida quanto à inexistência de fixação de honorários advocatícios. Contudo, esta mesma tranquilidade interpretativa não está presente em relação ao reflexo pecuniário decorrente da concessão da segurança.

Vejamos um exemplo hipotético: eventual servidor público reintegrado em decorrência da concessão da segurança que anulou o processo administrativo disciplinar, promove o discutível cumprimento de sentença referente ao efeito financeiro (período em que ficou fora do serviço público). Será cabível a fixação de honorários advocatícios? No tema, vale citar o item 4 do Acórdão AgInt no AgInt no REsp 1955594 / MG (1ª T/STJ – rel. min. Paulo Sérgio Domingues – J. em 29/5/23 - DJe 6/6/23) para, em seguida, continuar o debate:

4. A Primeira Seção do STJ já consolidou a orientação de que "a aplicação do art. 25 da lei 12.016/09 restringe-se à fase de conhecimento, não sendo cabível na fase de cumprimento de sentença, ocasião em que a legitimidade passiva deixa de ser da autoridade impetrada e passa ser do ente público ao qual aquela encontra-se vinculada. Mostra-se incidente a regra geral do art. 85, § 1º, do CPC, que autoriza o cabimento dos honorários de sucumbência na fase de cumprimento, ainda que derivada de mandado de segurança" (AgInt na ImpExe na ExeMS 15.254/DF, relator ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 29/3/22, DJe 1º/4/22)”.

A ratio decidendi contida nesta passagem de Acórdão da 1ª turma parece ser a mesma em caso de cumprimento de sentença de título executivo individual ou coletivo, a saber: na fase de cumprimento de sentença de quantia reflexo do reconhecimento do direito líquido e certo, a executada é a pessoa jurídica de direito público e não a autoridade coatora, com satisfação por Precatório Requisitório ou Requisição de Pequeno Valor.

Aliás, na Ementa do Acórdão AgInt na ImpExe na ExeMS 15.254/DF, rel. ministro Sérgio Kukina, 1ª seção, J. 29/3/22, DJe 1º/4/22 (mencionado acima) não consta ressalva quanto à natureza do título objeto do cumprimento, afirmando apenas que:

“Mostra-se incidente a regra geral do art. 85, § 1º, do CPC, que autoriza o cabimento dos honorários de sucumbência na fase de cumprimento, ainda que derivada de mandado de segurança”.

Logo, considerando que o direcionamento do cumprimento de sentença de quantia referente ao reflexo pecuniário é diferente do capítulo mandamental, entendo que não há restrição ao cabimento de honorários advocatícios, inclusive nos casos de título executivo individual. Aplica-se, no caso, as regras gerais contidas no CPC quanto ao cabimento de honorários em demanda proposta contra a fazenda pública (art. 85, §3º, do CPC).

Dito de outra forma: o art. 25, da lei do mandado de segurança é aplicável tão-somente para o capítulo principal e mandamental (obrigação de fazer), pelo que o cumprimento de sentença referente ao secundário (efeito patrimonial) é direcionado à pessoal jurídica e segue os regramentos previstos na legislação processual quanto à fixação de honorários advocatícios.

Estas são as minhas contribuições a este importante debate que está sendo travado no Tema 1.232/STJ.

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1 ARAÚJO, José Henrique Mouta. Multa e medidas atípicas no mandado de segurança: um tema com variações. Medidas executiva atípicas. Eduardo Talamini e Marcos Youji Minami (coords). 4ª edição. São Paulo: Editora Juspodivm, 2023, pp. 585-601.

José Henrique Mouta
Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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