Migalhas de Peso

Entendimento reformado após revisão do tema 414/STJ

A Primeira Seção do STJ, após revisão do Tema repetitivo 414/STJ iniciado em 2021, modificou a tese sobre cobrança de tarifa de água em condomínios com um único hidrômetro, visando evitar distorções e equilibrar custos.

5/7/2024

Em 20/6/24, a Primeira Seção do STJ, após revisão do Tema repetitivo 414/STJ, iniciado em 2021, procedeu à modificação da tese relativa à fórmula de cálculo da tarifa dos serviços de abastecimento de água em condomínios com múltiplas unidades, porém com um único hidrômetro.

A tese anteriormente vigente, estabelecida em 2010, por ocasião do julgamento do REsp 1.166.561/RJ, com acórdão publicado em 5/10/10, determinava que

Não é admissível a cobrança da tarifa de água no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de unidades existentes no imóvel quando há um único hidrômetro no local. A cobrança pelo fornecimento de água aos condomínios nos quais o consumo total é medido por um único hidrômetro deve ser realizada com base no consumo efetivo aferido.1

Naquela oportunidade, o entendimento do STJ baseou-se na alegação de que a cobrança pelo consumo mínimo multiplicado pelo número de unidades geraria uma onerosidade excessiva para as unidades que seriam cobradas por valores que não consumiram.

Entretanto, ao longo dos quase 14 anos de vigência desse entendimento, foram propostas diversas ações judiciais, uma vez que, ao supor proteger um consumidor hipossuficiente diante de uma suposta cobrança excessiva por parte do fornecedor, pressuposto do CDC, surgiram inúmeros transtornos, especialmente no âmbito condominial. Ao aferir o consumo real do condomínio, um condômino que utiliza menos água poderia ser compelido a pagar mais na divisão simples do consumo real pelo número de unidades.

Além disso, questionamentos reforçados ao longo da audiência pública realizada em 5/10/23 apontaram que o cálculo com base no consumo real global consideraria o condomínio como um único usuário, resultando na aplicação das faixas tarifárias mais altas e, consequentemente, aumentando o valor final da fatura. Outra problemática identificada foi o consumo real fracionado, no qual a tarifa é calculada dividindo-se o consumo real do hidrômetro pelo número de unidades, desconsiderando os custos envolvidos na prestação dos serviços de tratamento de água e esgoto, o que acarreta um desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão.

Ademais, para manter o equilíbrio econômico-financeiro, previsto constitucionalmente, poderia ser necessário o aumento das tarifas para toda a sociedade, uma vez que as empresas do setor precisam equilibrar suas contas para continuar prestando serviços, cumprir as obrigações de universalização e oferecer tarifas sociais estabelecidas por lei.

Outra crítica relevante ao modelo anterior, levada em consideração no voto do relator que embasou a reformulação da tese, foi a divergência dos cálculos dos métodos de consumo real global e do consumo real fracionado, posto estar em desacordo com a legislação e os princípios da prestação de serviço em saneamento básico, conforme excerto em destaque:

[...] os métodos do consumo real global e do consumo real fracionado (mais conhecido como "modelo híbrido") não atendem aos fatores e diretrizes de estruturação da tarifa previstos nos arts. 29 e 30 da lei 11.445/07, criando assimetrias no modelo legal de regulação dos serviços de saneamento básico, que ora colocam o condomínio com um único hidrômetro em uma posição de vantagem jurídica e econômica injustificada (modelo híbrido), ora o colocam em uma posição de desvantagem intolerável, elevando as tarifas com base em uma ficção infundada que considera o condomínio como um único usuário dos serviços, quando, na realidade, cada unidade condominial os utiliza de forma independente.2

Considerando a alteração do entendimento, a Primeira Seção estabeleceu a modulação dos efeitos da decisão, esclarecendo que as prestadoras de serviços que tenham calculado a tarifa com base no método da tarifa mínima por unidade já se adequaram ao novo entendimento, razão pela qual as ações que pleiteiam revisão por parte dos condomínios e consumidores devem ser julgadas totalmente improcedentes.

Caso as prestadoras tenham adotado o método considerado indevido anteriormente, ou seja, o cálculo com base no consumo real global, considerando o condomínio como um único usuário, deverão corrigir o método, possibilitando o ressarcimento em caso de cobrança excessiva em relação ao consumo individualizado.

De outro modo, caso a concessionária de serviços tenha utilizado o método híbrido, no qual o consumo real global é dividido pelo número de unidades (economias), está autorizada a modificar o método assim que a revisão do Tema 414 for aplicada às ações em andamento e revogar as decisões contrárias. No entanto, é importante destacar que as prestadoras não poderão cobrar diferenças de pagamentos realizados a menor.

Assim, a nova tese firmada estabelece que as tarifas relativas à prestação dos serviços de saneamento para condomínios compostos por múltiplas unidades, mas com um único hidrômetro, poderão ser faturadas mediante o cálculo de uma parcela fixa ("tarifa mínima"), correspondente ao consumo individualizado por unidade, juntamente com uma segunda parcela variável e eventual, exigida apenas caso o consumo real aferido pelo medidor único do condomínio exceda a franquia de consumo estabelecida para todas as unidades em conjunto.

A decisão põe fim a uma série de controvérsias que congestionam o Poder Judiciário e acarretam prejuízos incalculáveis à sociedade e às prestadoras de serviços no setor de saneamento, além de alinhar as decisões judiciais aos princípios do direito, às diretrizes do marco do saneamento e ao equilíbrio econômico-financeiro.

-------------------

1 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema 414 – Recursos Repetitivos. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=414&cod_tema_final=414. Acesso em: 24 jun. 2024.

2 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1.937.891/RJ, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, julgado em 20/6/2024, DJe de 25/6/2024.

Willy Lanza
Coordenador Jurídico do Mascarenhas Barbosa Advogados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Afinal, quando serão pagos os precatórios Federais em 2025?

19/12/2024

Discriminação nos planos de saúde: A recusa abusiva de adesão de pessoas com TEA

19/12/2024

Planejamento sucessório e holding patrimonial: Cláusulas restritivas societárias

20/12/2024

Decisão importante do TST sobre a responsabilidade de sócios em S.A. de capital fechado

20/12/2024

As perspectivas para o agronegócio brasileiro em 2025

20/12/2024