Em 28/3/24, foi publicada a lei 14.833/24 no Diário Oficial da União, sancionada em 27/3/24 pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Referida lei altera o art. 499 do CPC, o qual rege a possibilidade de se converter a obrigação de: (i) fazer, (ii) não fazer e (iii) entregar coisa em indenização por perdas e danos, passando a incluir parágrafo único que faculta ao réu optar, com a última palavra, pelo cumprimento da tutela específica.
Desde a reforma realizada no CPC/73 em 1994 pela lei 8.952/94, a regra do diploma processual brasileiro privilegiava a tutela específica ou o resultado prático equivalente em relação à indenização por perdas e danos (cf. antigos arts. 461 e 461-A do CPC/73).
A preferência pela tutela específica foi mantida nos arts. 497 e 498 do CPC atual. No entanto, pela leitura do art. 499, tal primazia parecia ter sido relativizada, quando conferiu ao autor da ação ampla discricionariedade de converter a tutela específica pela indenizatória ou reparatória, independentemente se a obrigação pudesse ser adimplida pelo devedor, por meio das medidas coercitivas previstas pelo CPC, nos arts. 536 e 537, ou fosse possível obter resultado prático equivalente.
Parte da doutrina já entendia que esta conversão seria a “ultima ratio”, de modo que não se podia optar pela conversão, sem antes dar ao réu a oportunidade de cumprir a obrigação especificamente. Isso decorreria não apenas da leitura dos arts. 497 e 498 do CPC, mas também pelo teor do CC que permite o devedor purgar a mora ao oferecer a “prestação mais a importância dos prejuízos” ou converter o cumprimento em perdas e danos, apenas quando a prestação se tornar “inútil ao credor”, conforme estabelecem os seus arts. 395, parágrafo único, e 401.
A recente alteração do CPC passa, então a normatizar a necessidade de conferir ao réu nova oportunidade para cumprimento específico da obrigação de fazer, de não fazer e de entregar coisa, particularmente nas ações tocantes:
- a pedidos de responsabilidade contratual, por vícios redibitórios (i.e. vícios ou defeitos ocultos da coisa recebida – Código Civil, art. 441);
- a contratos de empreitada de edifícios ou construções (CC, art. 618);
- a contratos de seguro (CC, art. 757); e
- à responsabilidade subsidiária e solidária.
Somente depois, é que a tutela específica poder ser convertida em indenização. O parágrafo único estabelece, assim, uma salvaguarda para o devedor, garantindo-lhe a oportunidade de cumprir a obrigação conforme inicialmente acordada nas hipóteses citadas acima.
Pelo parecer apresentado ao Senado Federal no âmbito do PL 2.812/23 que deu origem à lei 14.833/24, o objetivo desta alteração seria simplesmente o de “limitar o direito do credor a obter, desde logo, indenização por perdas e danos no caso de descumprimento de obrigação de fazer, não fazer ou de entregar coisa”. Houve também a proposta de incluir prazo de 15 dias para a realização da obrigação pelo devedor, caso opte pela tutela específica, mas esse ponto foi excluído ainda na tramitação no Senado sem maiores justificativas.
Um ponto relevante que ficou em aberto é como ficam as demais ações que tratem de obrigações de fazer, não fazer e de entregar coisa: o autor poderá, livremente, requerer a conversão da obrigação em perdas em danos, nos termos do caput do art. 499, ainda que haja a possibilidade de a obrigação passar a ser adimplida pelo devedor ou de obter resultado prático equivalente? Ou poderá o devedor se fazer valer de semelhante proteção conferida pelo seu parágrafo único?
Caberá aos tribunais brasileiros aplicar interpretação adequada ao novo parágrafo único do art. 499, do CPC.