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Alterações do instituto da tutela específica: O novo parágrafo único do art. 499 do CPC

A lei 14.833/24 promoveu alteração do art. 499 do CPC, o qual rege a possibilidade de se converter a obrigação de (i) fazer, (ii) não fazer e (iii) entregar coisa em indenização por perdas e danos, passando a incluir parágrafo único que faculta ao réu optar, com a última palavra, pelo cumprimento da tutela específica.

3/7/2024

Em 28/3/24, foi publicada a lei 14.833/24 no Diário Oficial da União, sancionada em 27/3/24 pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Referida lei altera o art. 499 do CPC, o qual rege a possibilidade de se converter a obrigação de: (i) fazer, (ii) não fazer e (iii) entregar coisa em indenização por perdas e danos, passando a incluir parágrafo único que faculta ao réu optar, com a última palavra, pelo cumprimento da tutela específica.

Desde a reforma realizada no CPC/73 em 1994 pela lei 8.952/94, a regra do diploma processual brasileiro privilegiava a tutela específica ou o resultado prático equivalente em relação à indenização por perdas e danos (cf. antigos arts. 461 e 461-A do CPC/73).

A preferência pela tutela específica foi mantida nos arts. 497 e 498 do CPC atual. No entanto, pela leitura do art. 499, tal primazia parecia ter sido relativizada, quando conferiu ao autor da ação ampla discricionariedade de converter a tutela específica pela indenizatória ou reparatória, independentemente se a obrigação pudesse ser adimplida pelo devedor, por meio das medidas coercitivas previstas pelo CPC, nos arts. 536 e 537, ou fosse possível obter resultado prático equivalente.

Parte da doutrina já entendia que esta conversão seria a “ultima ratio”, de modo que não se podia optar pela conversão, sem antes dar ao réu a oportunidade de cumprir a obrigação especificamente. Isso decorreria não apenas da leitura dos arts. 497 e 498 do CPC, mas também pelo teor do CC que permite o devedor purgar a mora ao oferecer a “prestação mais a importância dos prejuízos” ou converter o cumprimento em perdas e danos, apenas quando a prestação se tornar “inútil ao credor”, conforme estabelecem os seus arts. 395, parágrafo único, e 401.

A recente alteração do CPC passa, então a normatizar a necessidade de conferir ao réu nova oportunidade para cumprimento específico da obrigação de fazer, de não fazer e de entregar coisa, particularmente nas ações tocantes:

Somente depois, é que a tutela específica poder ser convertida em indenização. O parágrafo único estabelece, assim, uma salvaguarda para o devedor, garantindo-lhe a oportunidade de cumprir a obrigação conforme inicialmente acordada nas hipóteses citadas acima.

Pelo parecer apresentado ao Senado Federal no âmbito do PL 2.812/23 que deu origem à lei 14.833/24, o objetivo desta alteração seria simplesmente o de “limitar o direito do credor a obter, desde logo, indenização por perdas e danos no caso de descumprimento de obrigação de fazer, não fazer ou de entregar coisa”. Houve também a proposta de incluir prazo de 15 dias para a realização da obrigação pelo devedor, caso opte pela tutela específica, mas esse ponto foi excluído ainda na tramitação no Senado sem maiores justificativas.

Um ponto relevante que ficou em aberto é como ficam as demais ações que tratem de obrigações de fazer, não fazer e de entregar coisa: o autor poderá, livremente, requerer a conversão da obrigação em perdas em danos, nos termos do caput do art. 499, ainda que haja a possibilidade de a obrigação passar a ser adimplida pelo devedor ou de obter resultado prático equivalente? Ou poderá o devedor se fazer valer de semelhante proteção conferida pelo seu parágrafo único?

Caberá aos tribunais brasileiros aplicar interpretação adequada ao novo parágrafo único do art. 499, do CPC.

Aécio Filipe Coelho Fraga de Oliveira
Advogado dos departamentos de Arbitragem, Contencioso e French Desk do BMA Advogados. Ele também é Editor Assistente da Kluwer Arbitration Blog, Embaixador do Arbitrator Intelligence e Diretor-Fundador do CAMARB Alumni. Atuou como advogado estrangeiro no departamento de arbitragem internacional do escritório Wilmer Cutler Pickering Hale and Dorr LLP, em Londres, e na equipe de arbitragem internacional do Herbert Smith Freehills, em Paris. Ele obteve o título de mestre em Direito Internacional Privado e Comércio Internacional com honra (menção cum laude) pela Université de Paris I: Panthéon-Sorbonne, França, tendo sido o mestrado revalidado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Fernando Benites Gonçalves
Advogado da área de prática de Soluções de Conflitos do BMA Advogados.

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