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A proteção da personalidade do trabalhador no contrato de teletrabalho

Trabalho remoto desafia a proteção da personalidade do trabalhador. Novos instrumentos são necessários para garantir o respeito aos seus direitos neste contexto tecnológico.

2/7/2024

Seria a distância na prestação de serviços um agente que compromete a proteção da personalidade do trabalhador? Ou, dito de outra forma, quais os instrumentos adequados, no trabalho a distância, para que o empregador demonstre a efetividade do respeito aos direitos da personalidade do trabalhador?

A evolução tecnológica rompeu as esferas pessoais e profissionais que, usualmente, estavam isoladas em si mesmas e impôs certa permeabilidade entre estas duas esferas que estão a cada dia mais envolvidas, revelando uma interferência inevitável do empregador na vida pessoal do trabalhador e que pode implicar atos de abuso do empregador.

A proteção da personalidade se coloca como garantia de todo ser humano na sua relação em sociedade e que envolve todos os direitos concernentes ao indivíduo e que inclui seu corpo, sua imagem, seu nome e todos os demais atributos que possam caracterizar sua identidade. O direito da personalidade envolve direitos inatos, fundamentais e subjetivos oponíveis a todos e ao Estado.

O direito geral de personalidade foi construído ao longo dos séculos e, face à multiplicidade de fatos da vida real, tem ganho terreno para se ajustar às novas circunstâncias e à complexidade do comportamento humano e, neste momento, com a evolução tecnológica e dos meios de informação, merece atenção especial.

São direitos da personalidade aqueles previstos no Código Civil, Capítulo II, do art. 11 ao 21, e que são assegurados igualmente pela CF no art. 5º, inciso X, que destaca a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, ficando assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação.

Os direitos da personalidade envolvem, portanto, a integridade física, considerando-se neste aspecto o corpo e todos os aspectos físicos da pessoa; integridade psíquica e que diz respeito ao campo do exercício da liberdade e da privacidade da pessoa; e, os direitos relativos à integridade moral, ou seja, a honra e a intimidade.

Quando se trata da vida em sociedade em que as pessoas se relacionam umas com as outras de forma livre e independente, os direitos da personalidade podem ser ofendidos, dentre outras situações, por um ato de discriminação pública ou ofensa à honra da pessoa. Todavia, na relação de dependência econômica, isto é, em que o prestador de serviços se vincula ao tomador por razões contratuais e econômicas, a depender das condições em que o trabalho for exigido, a violação dos direitos da personalidade, no campo trabalhista, fica mais sensível.

Transportados todos este aspectos para o regime de trabalho na modalidade de teletrabalho, o prestador de serviços nestas condições, empregado ou não, poderia, eventualmente, sofrer todos efeitos físicos ou psíquicos ao daquele que presta serviços de forma presencial. O trabalho à distância não excluiu a possibilidade de uma intervenção mais agressiva do tomador de serviços e que possa afetar de modo crítico a condição física ou psíquica do trabalhador.

Desta feita, aplicam-se ao trabalhador, no contrato de teletrabalho, as mesmas normas de proteção que devem ser observadas no trabalho presencial porquanto o objeto tutelado é o direito geral de personalidade e que envolve a compreensão de uma cláusula geral, isto é, a personalidade humana, que permite, consoante afirma Rabindranath Valentino Aleixo Capelo de Souza em Direito Geral de Personalidade (ed. Coimbra, 1995, p. 93), “maleabilidade e versatilidade de aplicação a situações novas e complexas”.

A reforma trabalhista da lei 13.467/17, inseriu o Título II-A na CLT, para tratar de dano extrapatrimonial e trouxe, no art. 223-C, como bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física.

São, portanto, atributos e direitos da pessoa e, desta feita, poderá um ato praticado pelo tomador de serviços no trabalho à distância, atingir o prestador de serviços em diferentes aspectos, ou seja, na comunicação escrita ofensiva à honra ou à intimidade do trabalhador; nas imposições de cumprimento de tarefas e entregas em tempo que possa restringir sua liberdade; nas manifestações de discriminação quanto ao gênero; na exigência de trabalho sem qualquer restrição de tempo impedindo o trabalhador do exercício do direito de desconexão, cerceando o direito ao lazer do trabalhador; e, no campo da integridade física nela compreendidas as agressões psicológicas, com tratamento desumano e degradante.

Portanto, no cenário brasileiro, a legislação fixa de modo claro regras de proteção do direito de personalidade que devem ser observadas tanto para o trabalhador que atua de forma presencial como para aquele que atua à distância.

A proteção da personalidade deve seguir regras gerais de proteção da pessoa nos seus aspectos essenciais da vida em sociedade e, o teletrabalho, deve ser considerado como uma forma de organização do trabalho pela qual um trabalho, que poderia ser executado nas dependências do empregador, é realizado fora do ambiente da empresa, utilizando as tecnologias da informação e da comunicação, podendo ser realizado em qualquer local e não necessariamente no domicílio do empregado.

Todavia, o fato de o local de trabalho funcionar como extensão do ambiente da empresa, não exclui a proteção do domicílio do empregado, pois não retira o caráter privado do domicílio e o empregador não pode nele penetrar sem prévia concordância do trabalhador, sob pena de sanções civis e penais.

Por outro lado, o empregador deve ser responsável pelas obrigações relativas à proteção da saúde e da segurança do trabalhador.

Igualmente, o fato de a vida profissional e vida pessoal estarem envolvidas, não exclui o empregador da obrigação de respeitar as regras que protegem a vida privada dos trabalhadores. Ou seja, o exercício do poder de direção do empregador, que permite o controle da atividade do empregado, encontra limites e deve observar, de modo justificado e proporcional, o respeito da vida privada do empregado.

Assim, por exemplo, proíbe-se a instalação de câmera ativada ou de chamadas repetidas e permanentes. Tais atos permitiriam que o empregado contra eles se rebelasse por considerar tal fiscalização excessiva ou desproporcional. Assim, neste contexto do teletrabalho, seria recomendável a elaboração de normas adaptadas e específicas de acordo com os interesses de cada empresa.

Sobre o direito à saúde, há, de forma inconteste, a obrigação de o empregador prevenir os riscos profissionais em relação aos seus empregados e tomar as medidas necessárias para garantir a segurança no trabalho e a integridade física e mental, considerando, em especial, o isolamento e a perda de convívio social decorrente do teletrabalho.

O exemplo do direito estrangeiro pode servir de parâmetro para destaque da importância do teletrabalho e a forma de tratamento.

Na Bélgica, por exemplo, que não admite o teletrabalho ocasional, a ocupação de trabalhadores em teletrabalho está organizada de modo regular pela Convenção Coletiva de trabalho 85 do “Conseil National du Travail” e pela lei de 3/7/78 e que se refere ao trabalho em domicílio.

Alguns cuidados são recomendados para a contratação de trabalho por meio de teletrabalho, por exemplo, a informação da frequência e, eventualmente, os dias e horas durante os quais o trabalho é executado ou os dias e horas de presença na empresa, quando for o caso; períodos e locais onde o trabalhador deve ser localizado e a forma de fazer o contato; custos decorrentes dos equipamentos necessários à execução do trabalho; situações em que o trabalhador possa chamar suporte técnico; o local ou os locais em que o trabalhador escolheu para a execução do trabalho.

Como se vê, a distância física da prestação de serviços não exclui a obrigação de regras claras de forma a privilegiar a proteção do direito da personalidade do empregado, permitindo que o trabalho não seja fator de exclusão social, cabendo ao empregador agir de forma a incluir o trabalhador nestas condições, para que ele se socialize com os demais empregados internos, com capacidade de exercer a cidadania pelo exercício do trabalho.

Paulo Sergio João
Advogado, especialista em Direito do Trabalho e Relações Coletivas do Trabalho e sócio fundador do escritório Paulo Sergio João Advogados. Professor dos cursos de Pós-Graduação da PUCSP

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