Reforma Tributária – O que ainda podemos esperar neste governo?
Luiz Roberto Peroba Barbosa*
Introdução
Governo Federal, Estados, Municípios e diversos setores da sociedade têm reiteradamente manifestado interesses distintos, por vezes conflitantes, com relação à reforma tributária, o que tem impedido o avanço na definição de um modelo ideal para o sistema de cobrança dos tributos.
O presente texto apresentará, de forma breve, essas várias visões para que seja possível identificar, ao final, o que ainda se pode esperar de alteração no sistema tributário neste governo.
Sistema tributário atual - críticas
Em meio às críticas e aos comentários sobre o sistema tributário atual, existem dois pontos de consenso: (i) a elevada carga tributária em comparação a outros países com economias similares agregada ao pequeno retorno propiciado em questões fundamentais como saúde, educação, infra-estrutura e saneamento e (ii) a complexidade das atuais regras responsáveis pela sensação generalizada de insegurança aos investimentos no País.
Ocorre que muito embora o próprio Governo Federal reconheça a necessidade de resolver as questões mencionadas acima com urgência, até mesmo para permitir ao País um maior acesso à economia globalizada, teme em concordar com mudanças que possam por em risco o atual patamar de arrecadação.
Os representantes da área econômica do governo advogam que tais receitas são imprescindíveis, neste momento, para a manutenção do funcionamento da máquina governamental e para a saúde financeira do País.
Entretanto, também não se vê um esforço claramente organizado para alterar o cenário atual e reduzir gastos. Nesse sentido, não se pode esperar, numa visão pragmática, que o governo altere o seu posicionamento em relação ao assunto, independente dos discursos eleitoreiros em sentido contrário.
A reforma "pretendida" pelo Governo Federal
Verifica-se pelos discursos dos representantes do governo e do texto dos últimos projetos de reforma, que não se pretende realizar reforma substancial nos tributos e contribuições federais.
O principal objetivo é a alteração da legislação do ICMS e, se possível, do ISS. A idéia seria "federalizá-los" com o objetivo de criar um imposto nacional, com legislação uniforme e poucas alíquotas (no máximo 5). O propósito seria a simplificação do sistema, além de propiciar o fim da guerra fiscal travada pelos Estados e Municípios, questão que nem mesmo o Poder Judiciário conseguiu resolver.
Não obstante o objetivo acima delimitado como essencial pelo Governo Federal, examinaremos abaixo o que efetivamente foi feito.
A reforma "possível"
Os últimos governantes sofreram duras críticas por não terem promovido as reformas necessárias para que o País pudesse definitivamente encontrar o caminho de um desenvolvimento mais acelerado. Entretanto, parece-nos que o governo acaba por elaborar, incentivar a discussão e até mesmo encaminhar projetos ao Congresso com a única finalidade de dizer que tomou iniciativas e apoiou medidas para que houvesse reformas.
A justificativa, para tanto, é a de que foi feito o que era "possível". O último projeto de reforma proposto durante o primeiro mandato do Presidente Lula teve como único resultado a prorrogação da desvinculação das rendas da União (a conhecida DRU) e da malfadada CPMF. Como o próprio nome já diz, foram aprovadas prorrogações e não reformas. Nenhum dos outros pontos do projeto, que visavam à efetiva reforma do sistema constitucional tributário, foi aprovado.
O discurso da reforma "possível" reflete a falta de uma verdadeira intenção do governo de mudar o sistema atual, ficando na confortável posição de preservar os altos níveis dearrecadação federal.
As alterações legislativas e o tratamento dispensado ao contribuinte
Muito embora o governo não tenha tido êxito em reformar a Constituição, usou e abusou, sem fazer muito alarde, da edição de medidas provisórias para alterar boa parte da legislação tributária do País. Entre essas alterações, vale destacar a mudança da sistemática de cobrança do PIS e do COFINS, cuja propaganda do Governo Federal pregava a intenção de torná-los não-cumulativos. Sob o ponto de vista de justiça fiscal e de simplificação do sistema, tais mudanças que acabaram por elevar ainda mais a carga tributária, foram consideradas pelos especialistas como catastróficas.
Várias novas incidências foram criadas, como a das CIDE(s) (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico) sobre várias atividades específicas, PIS/COFINS Importação sobre importação de produtos e serviços e FUST, FUNTEL e FUNTTEL sobre a essencial atividade de telecomunicações. Com todas essas novas cobranças, surgiram novas portarias, instruções normativas, atos declaratórios, visando esclarecer as novas e confusas exigências para cumprimento de obrigações acessórias e apresentação de declarações decorrentes das novas incidências tributárias.
A Secretaria da Receita Federal segue cada vez mais agressiva no que tange à elevação do nível de arrecadação, buscando editar regras sem qualquer fundamento, para (i) desconstituir atos jurídicos praticados de maneira legítima, (ii) cobrar tributos por declarações e lançamentos automáticos, (iii) pressionar os tribunais administrativos a proferirem decisões de acordo com atos da administração e questioná-las quando proferidas a favor dos contribuintes e (iv) editar anistias e programas de recuperação fiscal com regras tão complexas que não permitem qualquer contribuinte acompanhá-las e cumpri-las.
Não se verifica, no entanto, qualquer tentativa de oferecer ao cidadão um tratamento com atenção e respeito. Não existe, atualmente, uma forma organizada e eficaz de atendimento ao contribuinte, situação que os obriga a acionar a já emperrada máquina do Judiciário para resolver questões simples.
Ao aumentar a carga tributária sem a preocupação de criar uma efetiva relação de confiança com o contribuinte, qualquer iniciativa do governo tende a ser combatida.
A posição dos outros entes da federação – Estados e Municípios
Não é outra a posição de Estados e Municípios, que vêem o Governo Federal nessa questão tributária como rival, pois objetivam repartição da arrecadação. Pudemos ver o Governo Federal, pelo menos nos últimos 20 anos, passar a concentrar a arrecadação tributária do País por meio da "infeliz" descoberta das contribuições sociais que, por regra constitucional, não precisa ser repartida com Estados e Municípios como ocorre com os impostos.
Além disso, o Governo Federal tem se mostrado inflexível com relação aos pleitos dos Estados e Municípios como por exemplo: (i) a repartição de receitas adicionais de tributos federais e (ii) a desvinculação de receitas como ocorre em nível federal.
Assim, há um efetivo receio de que qualquer outra mudança de iniciativa do Governo Federal vá agravar ainda mais tal situação. Por isso, tanto Estados como Municípios têm se posicionado de maneira contrária a qualquer alteração substancial, como a reforma "pretendida" pelo Governo Federal. Os Estados e Municípios temem abrir mão da atual competência para legislar e cobrar seus impostos com receio de verem violados a sua autonomia e o pacto federativo.
Como se viu, o cenário de confiança é muito adverso. O governo não conta, para promover a reforma "pretendida", com o apoio da maioria dos Governadores de Estado, Prefeitos e nem da sociedade.
O que se pode esperar?
Várias foram as propostas encaminhadas ao Congresso nos últimos 12 anos para a realização da reforma do sistema tributário. Entretanto, o alto nível de arrecadação que o sistema atual produz, combinado com as várias visões acima, impede o avanço de uma reforma estrutural.
Atualmente, o discurso da reforma "possível" se repete. O Presidente Lula, no início do ano, mais uma vez se reuniu com Prefeitos e Governadores, sem alcançar soluções e propostas concretas.
Muito embora o governo tenha consciência que são necessárias reformas no atual sistema constitucional brasileiro, teme apoiar mudanças que, de alguma forma, possam por em risco o atual nível de arrecadação dos tributos federais.
Uma mudança comportamental é necessária para que o Governo Federal efetivamente consiga levar a frente uma verdadeira reforma tributária. Há que se ampliar a transparência nas relações com os contribuintes e demais entes federativos. Antes disso, pensar em uma efetiva reforma tributária que reduza a carga e simplifique o sistema é uma utopia.
Caso não seja implementada uma reforma estrutural, o Governo Federal continuará, sob o pretexto de que está fazendo o "possível", prorrogando e criando novos mecanismos que propiciem o aumento da arrecadação.
__________________
*Advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados
_____________