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Possibilidade legal de anúncio de vagas afirmativas

O Direito do Trabalho promove ações afirmativas como cotas para PCDs e igualdade salarial entre homens e mulheres, estabelecendo medidas para inclusão e equidade no mercado laboral, conforme leis 8.213/91, 1.4611/23 e 1.4457/22.

28/6/2024

O ordenamento jurídico pátrio incentiva ações afirmativas visando gerar benefícios, promover a inclusão de parte da sociedade de forma a impactá-la positivamente. Dentro do debate estabelecido, a questão que se põe em pauta é se o Direito do Trabalho possibilita o que se chama de ‘discriminação positiva’ e em caso positivo, qual a melhor e mais adequada forma de torná-la concreta.

No tocante às vagas para PCDs, o debate já é ultrapassado, vez que a própria legislação impõe às empresas privadas o cumprimento de cotas para esses profissionais, como se verifica pela lei 8.213/91.

Por seu turno, recentemente foram promulgadas uma série de leis visando a igualdade e equidade no mercado de trabalho. Especificamente no tocante à igualdade entre homem e mulher, temos a lei da igualdade salarial (lei 1.4611/23) e a lei 1.4457/22, também conhecida como “Emprega + Mulheres”.

A primeira prevê, em seu art. 4º, que cabe às empresas, entre outra ações, implementarem medidas de “promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho que abranjam a capacitação de gestores, de lideranças e de empregados a respeito do tema da equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, com aferição de resultados; e fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.”

Já a segunda prevê medidas possíveis de serem tomadas pelas empresas visando a inserção, reinserção e manutenção da mulher no mercado de trabalho.

Logo, existe previsão legal objetiva quanto a ser de responsabilidade, também das empresas, implementarem medidas de fomento e capacitação para formação de mulheres e seu ingresso no mercado de trabalho.

Não se pode perder de vista, ainda, que a lei 12.288/10, em seu art. 2º dispõe que é dever do "Estado e da sociedade" promover a igualdade de oportunidades "independentemente da etnia ou da cor da pele". Portanto, impõe à empresa a obrigação de exercer sua função social, atribuindo a ela responsabilidades inerentes ao bom funcionamento do Estado Democrático de Direito, em participação colaborativa junto ao Estado.

Não obstante as ponderações acima, não há nada que se refira diretamente ao papel das empresas privadas, obrigando-as ou autorizando-as a adotar qualquer medida com imposição de penalidades, exceto no tocante à lei de cotas PCD e aprendiz. Nos demais casos, em que pese preveja obrigações, não impõe sanções, o que não impele empresas sem interesse no assunto a aderirem à legislação.

A adoção de ações afirmativas em empresas privadas começou a ser uma realidade no país, e logo em seu início foi objeto de grande discussão, tanto é que o Ministério Público do Trabalho entendeu pertinente publicar a Nota Técnica GT de Raça 001/18, que conclui ser plenamente admissível a adoção de ações afirmativas no âmbito das empresas privadas, destacando que devem ocorrer por meio de "a) contratação específica de trabalhadores oriundos da população negra; b) anúncios específicos; c) triagem específica via plataformas digitais".

Com efeito, é inegável que existe uma certa tensão entre, de um lado, a aplicação da "discriminação positiva" - que é o fundamento das ações afirmativas - e, de outro lado, o princípio da isonomia aplicável no Direito do Trabalho, expresso, por exemplo, na regra geral do art. 5º da CLT, e nas regras mais específicas dos arts. 460 e 461 da CLT.

A aplicação da "discriminação positiva" não poderia, por exemplo, ser fundamento para pagamento de salários, prêmios, ou gratificações maiores para empregados por serem de determinado sexo ou seguimento racial. Os fundamentos que justificam as ações afirmativas não têm como afastar a incidência da regra da equiparação salarial.

Não podemos perder de visa que o Direito do Trabalho valoriza a coletividade, expressa institucionalmente no conceito de categoria profissional, conceito baseado na "similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum" (art. 511, §2º da CLT), sem qualquer consideração sobre raça ou etnia, ou cor da pele. Não seria possível, portanto, constituir dentro do organismo empresarial situações distintas a empregados exercentes das mesmas e exatas atividades.

Por outro lado, sempre que se entendeu por diferenciar, dentro da coletividade dos empregados, ou dentro do panorama isonômico dos trabalhadores, alguns grupos sociais específicos, a lei foi expressa e clara. É o caso, por exemplo, do art. 7º, XX da Constituição que prevê a "proteção do mercado de trabalho da mulher".

E é o caso, ainda, e notavelmente, dos empregados com deficiência, reabilitados e aprendizes, que têm direito às cotas previstas nos arts. 93 da lei 8.213/90 e 429 da CLT - e que se constituem exemplos típicos de ações afirmativas, que ilustram claramente o caráter precursor do Direito do Trabalho também ao instituir discriminações positivas muito antes de ser moda: a redação do art. 429 da CLT que instituiu a cota de aprendizes já em 1975 e a cota PCD há mais de 30 anos - 1991.

Portanto, a despeito do forte valor que a isonomia tem no Direito do Trabalho, e a despeito da ideia da categoria profissional como uma entidade que se constitui, do ponto de vista jurídico, sem referência a credo, etnia ou raça, mas que deve ser protegida como um todo qualquer que seja a sua cor, sexo, raça ou religião, apesar disso tudo não é de todo estranho ao Direito do Trabalho o conceito de ações específicas que podem ser desenvolvidas em prol de grupos determinados, sem que isso represente uma quebra do conceito de isonomia.

Assim, esse novo sistema de valores sociais, que o STF expressamente entende plenamente compatível com a Constituição, e conforme a lei 12.288/10, não pode deixar de ser albergado também pelo Direito do Trabalho.

Lucas José Rossi Cesar
Sócio e Responsável pela condução dos assuntos trabalhistas estratégicos da Sartori Advogados. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Pós-graduado em Relações Trabalhistas e Sindicais por Wilson Cerqueira Consultores Associados (WCCA) e em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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