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Da supressão de voto em AGC nas hipóteses em que o PRJ não altera o valor ou as condições originais de pagamento

O art. 45, §3º da lei 11.101/05 exclui o direito de voto do credor no plano de recuperação judicial se as condições originais de pagamento do seu crédito não forem alteradas pelo plano apresentado pela empresa recuperanda.

27/6/2024

O art. 45, § 3º da lei 11.101/05 dispõe que “o credor não terá direito a voto e não será considerado para fins de verificação de quorum de deliberação se o plano de recuperação judicial não alterar o valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito”.

Em outras palavras, na hipótese de o PRJ - plano de recuperação judicial apresentado pela empresa recuperanda, não prever a aplicação de deságio, ou de carência e parcelamento da dívida, as condições de pagamento originalmente pactuadas não terão sofrido ajuste e, por este motivo, o credor não será considerado para fins de verificação do quórum de instalação e votação na AGC - assembleia geral de credores – oportunidade em que o PRJ é colocado à votação pelos credores. 

Nessa toada, Sergio Campinho1 entende que se trata de uma supressão relativa do voto, que vem fundamentada na falta de interesse do credor ou de utilidade de voto, na medida em que permanecem inalterados o valor e as condições de pagamento do crédito.

Contudo, nas palavras de Manuel Justino Bezerra Filho2, e de forma acertada a nosso sentir, é praticamente impossível que o plano de recuperação deixe de “alterar o valor ou as condições originais de pagamento” de qualquer crédito, a menos que se trate de crédito com vencimento futuro distante.

Afinal, o fato de um crédito se submeter à recuperação judicial e ao plano apresentado, por si só, já altera as suas condições de pagamento, considerando que esse somente será pago após a homologação do PRJ e concessão da recuperação judicial, futuro este com prazo incerto, e que muito provavelmente ocorrerá apenas após o vencimento da dívida.

Para o doutrinador, portanto, a leitura do dispositivo legal deverá ser no sentido de que, mesmo que o valor somente venha a ser pago após a concessão da recuperação, ainda deve-se considerar que não houve alteração mesmo que o vencimento já tenha se dado em data anterior.

Embora não tenham direito a voto, esclarecem os doutrinadores que os referidos credores poderão exercer o seu direito de voz nas assembleias designadas, levantando os questionamentos que entenderem pertinentes, de modo que poderão influir no curso da votação do plano.

Ademais, estes credores poderão objetar o plano de recuperação judicial apresentado, nos termos do art. 55 da LRF3. Para Manuel Justino Bezerra Filho, “esta garantia ao direito de objeção é plenamente justificável, tendo em vista que mesmo que seu crédito não sofra qualquer alteração, ainda assim como credor, mantém interesse na saúde financeira do recuperando, que advém seu interesse jurídico e econômico para objeção.”4

Não obstante os pontos acima levantados, no sentido de que, mesmo sem direito a voto, o credor cujo valor e condições de pagamento forem mantidas pelo PRJ, poderá apresentar objeção ao plano e ter direito de voz em AGC, algumas decisões proferidas pelos tribunais pátrios já entenderam que os referidos credores, em verdade, sequer se submeteriam à recuperação judicial.

Nesse sentido tem-se as decisões proferidas pelo TJ/MT e TJ/SP, cujo trecho das emendas colaciona-se abaixo:

“(...) O § 3º do art. 45 da LRF estabelece que se o plano de recuperação não alterar o valor ou as condições originais de pagamento do credor, ele não terá direito a voto e não será considerado para fins de verificação de quórum. Apesar de a LRF não esclarecer se esse crédito será excluído do plano, pela interpretação sistemática da legislação conclui-se que esse é o resultado produzido, até porque não há novação, nem por consequência, submissão ao plano. (...)”5

“(...) Irresignação, do credor portador de garantia real, contra decisão de homologação do plano de recuperação judicial das agravadas, que não contemplou os credores da Classe II por não alteradas as condições originais de pagamento dos seus créditos. Pretensão de declaração judicial de que pode seguir com a excussão dos bens recebidos em garantia. Credor que requereu tal declaração nos embargos de declaração que interpôs em face da decisão que homologou o plano e não viu a omissão sanada. Legalidade da exclusão, do plano de recuperação, do credor que não teve afetado o "valor ou as condições originais de pagamento de seu crédito". Inteligência do § 3º do art. 45 da lei 11.101/05. (...)”6

Em caso mais recente, o E. TJ/RJ, na Recuperação Judicial do Grupo Americanas7, e após o pleito das recuperandas nesse sentido, deferiu a proposta de manutenção das condições originais de pagamento dos credores alocados nas classes I e IV – trabalhistas e micro e pequenas empresas -, autorizando o seu imediato pagamento.

Veja-se que, no caso da Americanas, os credores das classes I e IV não precisaram aguardar a concessão da recuperação judicial – o que, como dito anteriormente, somente ocorre após o vencimento de grande maioria das dívidas, senão todas -, de forma que, neste caso, entende-se pela aplicação quase que literal da afirmativa de que o valor e as condições de pagamento permaneceram inalteradas.

Ademais, embora o Ministério Público tenha opinado pela exclusão dos referidos credores à recuperação judicial, com o pagamento às classes I e IV “de forma inteiramente deslocada dos autos do processo de recuperação, alheio a este processo e afastada da competência desse r. juízo recuperatório” - similar aos julgados anteriormente mencionados -, o magistrado entendeu pela manutenção das 2 classes, tendo a AGC ocorrido somente com a presença da classe restante (credores quirografários), diante da ausência de credores com garantia real. 

Dessa forma, o que se verifica é que na hipótese de o plano de recuperação judicial apresentado pela devedora, expressamente prever a manutenção das condições originais de pagamento a uma determinada classe, poderão ser abertas discussões acerca dos direitos dos credores cujas condições se mantiveram, bem como a sua eventual sujeição, ou não, à recuperação judicial.

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1 CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial – falência e recuperação de empresa. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 100.

2 Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 15. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021, p. 202-203.

3 Art. 55. Qualquer credor poderá manifestar ao juiz sua objeção ao plano de recuperação judicial no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da relação de credores de que trata o § 2º do art. 7º desta Lei.

4 Ob. Cit.

5 TJ-MT - AGRAVO DE INSTRUMENTO: 1005543-91.2017.8.11.0000, Relator: SERLY MARCONDES ALVES, Data de Julgamento: 25/10/2017, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/11/2017

6 TJ-SP - AI: 21257435920188260000 SP 2125743-59.2018.8.26.0000, Relator: Araldo Telles, Data de Julgamento: 10/12/2018, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 11/12/2018

7 Processo nº 0803087-20.2023.8.19.0001, em trâmite perante a 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital/RJ.

Juliana da Rocha Rodrigues
Advogada do escritório Gameiro Advogados.

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