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Evolução do casamento e união estável entre pessoas LGBTQIAP+: Um caminho na luta por direitos fundamentais

O casamento, inicialmente religioso, tornou-se uma instituição contratual e fundamental protegida pelo Estado, incluindo uniões homoafetivas desde decisões do STF em 2011.

21/6/2024

Há muito tempo o casamento deixou de ser uma prática meramente religiosa e consolidou-se como a instituição de uma relação contratual, com relevantes desdobramentos e efetiva proteção do Estado. No Brasil, o casamento passou a ter natureza jurídica com a promulgação do decreto 181/1890.

Para além do aspecto contratual, o casamento constitui um Direito Fundamental, de modo que a CF/88 o assegura e protege; além de ser uma expressividade da dignidade humana também prevista no texto constitucional. Nesse aspecto, só há efetividade dessa garantia se a aplicação se estender a todos os formatos de configuração familiar, ressalvados os impedimentos de capacidade civil e as vedações expressas na lei.

Nos últimos anos, a união estável passou a ter o mesmo valor legal que o casamento, não sendo, portanto, permitida a distinção entre as duas formas de constituição de família.

Com isso, se faz imperioso admitir que o casamento e a união entre pessoas do mesmo sexo têm pleno amparo no texto constitucional. É assim que vem admitindo a jurisprudência.

Contudo, legalmente, a discussão acerca da possibilidade do casamento e união entre pessoas do mesmo sexo ainda caminha a passos curtos, e, como diversos outros direitos fundamentais, apresenta avanços e descontinuidades.

Nesse contexto, em maio de 2011, o STF decidiu por unanimidade, ao julgar conjuntamente a ADIn 4.277 e a ADPF 132, que o conceito de família expresso pela CF/88 não emprega um sentido ortodoxo, mas sim uma categoria sociocultural, sendo, portanto, um direito de todos constituir família, sem limitação à casais heteroafetivos. A partir disso, o CNJ editou a Resolução 175/13, a qual impede que todos os cartórios do país se recusem a celebrar o casamento e converter a união estável entre pessoas LGBTQIAP+. Desde então, o casamento e a união entre pessoas do mesmo sexo se assentaram como uma instituição jurídica plenamente possível.  

Por outro lado, tramita no Congresso Nacional diversos projetos de leis com objetivo de alterar o Código Civil. O PL 580/07, apresentado pelo então deputado Clodovil Hernandes (SP), dispõe sobre a inclusão da possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo no CC/2002. Entretanto, em 2009, o PL 5167/09, de autoria do ex-deputado Capitão Assumção (ES), foi apensado ao PL 580/07, proibindo expressamente que as relações entre pessoas do mesmo sexo possam ser equiparadas ao casamento ou entidade familiar.

Em 2023, o deputado Pastor Eurico (PL-PE) relatou a proposição na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, ocasião em que apresentou parecer pela rejeição do PL apresentado em 2007, de autoria do ex-deputado Clodovil, e a aprovação do PL apresentado pelo ex-deputado Assumção. Na ocasião, o parecer foi aprovado, com doze votos a favor e cinco contrários, cercado de polêmicas, o que representou um grande retrocesso ao movimento LGBTQIAP+.

O PL 580/07, agora na CDHM - Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, teve a parlamentar Erika Hilton (PSOL-SP), primeira deputada federal negra e trans eleita na história do Brasil, designada como relatora. A deputada já apresentou Parecer de sua relatoria, reconhecendo a omissão do Parlamento brasileiro frente às demandas da população LGBTQIAPN+ por igualdade e liberdade. Na ocasião, o Parecer concluiu pela aprovação do PL de autoria do deputado Clodovil, com a adoção de substituto; e pela rejeição do PL 5.167/2009 e seus apensados. 

Após a votação na CDHM, o PL deve seguir para a CCJ e em seguida para o Plenário da Câmara. Dada a configuração atual do Congresso, é possível que a deputada encontre dificuldades em avançar com a sua relatoria.

Em contrapartida, a reforma do CC/02 prevê uma significativa alteração no Livro de Família, em especial no conceito de família, casamento e união entre duas pessoas. O art. 1.514 passa a expressar que “o casamento se realiza quando duas pessoas livres e desimpedidas manifestam, perante o celebrante, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal”, e não mais “no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal”. Diversas outras alterações com o mesmo sentido foram incluídas ao longo do texto.

A sugestão de alteração legislativa traz um importante avanço social. Além de dialogar com a jurisprudência sobre o tema, a disposição expressa traz maior segurança jurídica ao assunto.

O anteprojeto que altera o CC/02 ainda deve passar por inúmeras discussões, sendo que a parte que possibilita o casamento e a união entre duas pessoas será, sem dúvidas, um ponto amplamente debatido e controverso, pois a atual composição do Congresso, altamente conservadora, não se sabe o que esperar dessas discussões, tampouco quando se dará seu efetivo vigor.

O primeiro país do mundo a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi a Holanda, em 2001. Na América Latina, o primeiro país a garantir esse direito foi a Argentina, por meio da mudança em seu Código Civil em 2010. Recentemente, a Tailândia se tornou o primeiro país do sudeste asiático a garantir tal feito. 

Depreende-se, portanto, que o casamento, independente de sua configuração, trata-se, para além das previsões contratuais previstas pelo Código Civil, da expressão de um direito fundamental, conforme preceitua a CF/88. Logo, não se justifica, que tal garantia esteja limitada aos casais heterossexuais, sob pena de violação à própria dignidade da pessoa humana.

Como todo processo histórico de luta por conquista de direitos, esse tema apresenta avanços, rupturas e retrocessos. A descontinuidade das garantias se possibilita pelas tensões e debates políticos apresentados pelo avanço de ideias radicais, de modo que nenhum direito social está plenamente salvaguardado.

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BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão aprova projeto que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1006272-comissao-aprova-projeto-que-proibe-o-casamento-entre-pessoas-do-mesmo-sexo/#:~:text=A%20Comiss%C3%A3o%20de%20Previd%C3%AAncia%2C%20Assist%C3%AAncia,aos%20textos%20apensados%20a%20ele. Acesso em 09 de jun. de 2024.

________. Câmara dos Deputados. Projeto inclui no Código Civil proibição de união homoafetiva. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/999217-projeto-inclui-no-codigo-civil-proibicao-de-uniao-homoafetiva Acesso em 09 de jun. de 2024.

________. Código Civil. Brasília (Lei Nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002), DF. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm?ref=blog.suitebras.com. Acesso em: 14 de jun. de 2024.

________. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 14 de jun. de 2024.

________. Relatório Final dos trabalhos da Comissão de Juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil. Brasília, DF, 2024. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/68cc5c01-1f3e-491a-836a-7f376cfb95da. Acesso em: 14 de jun. de 2024.

________. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 Distrito Federal. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635.  Acesso em 09 de jun. de 2024.

________. Superior Tribunal Federal. Transformando o mundo: um olhar sobre a realidade LGBT+ no ordenamento jurídico de diferentes países. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/18062023-Transformando-o-mundo-um-olhar-sobre-a-realidade-LGBT--no-ordenamento-juridico-de-diferentes-paises.aspx  Acesso em 10 de jun. 2024.

ROCHA, P. H. B. da, & Bahia, A. G. M. F. (2020). A interpretação da decisão jurídica advinda da ADPF 132 e da ADI 4.277, segundo a perspectiva de Castanheira Neves: a decisão e suas consequências jurídicas. Revista Videre, 12(23), 286–303. Disponível em: https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/146502/interpretacao_decisao_juridica_rocha.pdf. Acesso em 09 de jun. de 2024.

ROSÁRIO, Paixão Dantas do; Guimarães, Rafael Siqueira de; Carvalho, Ciro Antônio das Mercês. Julgamento da ADPF no  132: análise à luz da hermenêutica fenomenológica e do ativismo judicial. Revista de Informação Legislativa: RIL, v. 54, n. 216, p. 207-229, out./dez. 2017. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/54/216/ril_v54_n216_p207.pdf.  Acesso em 09 de jun. de 2024.

Jeórginys Rocha
Sócio do escritório Malta Advogados; e Bacharel em Direito pela UnB - Universidade de Brasília.

Kalissa Santos
Colaboradora do escritório Malta Advogados; e Bacharelanda em Direito pelo UniCEUB.

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