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20 de junho - Dia do advogado trabalhista

A história do Estádio de São Januário se entrelaça com a criação da Justiça do Trabalho no Brasil, formalizada durante um evento com Getúlio Vargas em 1941.

20/6/2024

Como entusiastas do futebol brasileiro, curioso lembrar que a história do direito trabalhista e da Justiça do Trabalho se confundem com o surgimento do estádio do Clube de Regatas Vasco da Gama, o famoso Estádio de São Januário, no Rio de Janeiro. A própria história de sua construção acontece da união popular dos trabalhadores, quando as elites desafiaram o Clube a erguer sua própria casa.

Embora prevista nas Constituições de 1934 e 1937, ser criada em 1939 e regulamentada em 1940, a Justiça do Trabalho só foi forçada a existir quando ocorreu a “parada trabalhista” em São Januário, com a presença do presidente da República Getúlio Vargas. Na ocasião, com a gratuidade dos ônibus e bondes, o estádio vascaíno ficou lotado de trabalhadores de todos os cantos do Rio de Janeiro no dia 1/5/41.

Neste dia, Vargas adentrou ao gramado de carro aberto, e após a execução de “O Guarani”, de Carlos Gomes pela Orquestra Sinfônica do Sindicato dos Músicos do Rio de Janeiro e do desfile de atletas operários, o presidente assinou na presença de todos, o decreto-lei 1.237/39 que instaurava oficialmente o funcionamento da Justiça do Trabalho e a Lei que determinava o Dia do Trabalhador em todos os 1/5 dali por diante.

Porém, a Justiça do Trabalho só passou a integrar o Poder Judiciário com a Constituição de 1946, regulamentada pelo decreto-lei 9.797/46, com a transformação dos Conselhos Regionais do Trabalho, que eram vinculados ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em TRTs, e o Conselho Nacional do Trabalho em TST.

Em decorrência da importância que a Justiça Trabalhista começava a ter, e do advogado trabalhista como mediador do diálogo entre trabalhador e patrão, defendendo na prática as Leis que protegem o elo mais fraco da relação, como consequência, começavam a surgir os problemas específicos da área, daí que em 19/6/63, advogados trabalhistas do Rio de Janeiro se reuniram às 19h00, estendendo a reunião até a madrugada do dia 20, constituindo-se oficialmente a Acat - Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas, em que seus sócios no início eram majoritariamente advogados de empregadores e cujo objetivo principal, consignado em ata de fundação era a “defesa específicas das prerrogativas profissionais na Justiça do Trabalho”. Anos depois, a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas instituiu a data como Dia do Advogado Trabalhista, em alusão à primeira entidade dos advogados desta área.

A estrutura da Justiça do Trabalho foi mantida pelas Constituições posteriores, inclusive com a representação classista, até a atual Constituição Federal de 1988.

Importante citar que somente em 2004, a Emenda Constitucional 45 ampliou a competência da Justiça do Trabalho para abranger os conflitos oriundos das relações de trabalho e não somente das relações de emprego, substituindo a redação original do art. 114 da Constituição Federal, ampliando a alçada para todos os conflitos decorrentes de todo e qualquer trabalho humano, função esta que há muito tempo deveria ter sido desempenhada pela Justiça Laboral.

Só que em 2017 voltamos ao passado, com a malfadada reforma trabalhista, lei 13.467, em que os trabalhadores não só perderam direitos duramente conquistados, como também se criaram armadilhas com o intuito de prejudicá-los na busca de seus direitos em eventual ação judicial.

Deixaram de ser direitos integrantes da jornada de trabalho o descanso, estudo, alimentação, higiene pessoal e troca de uniforme, as horas in itinere e o banco de horas, com a possibilidade de os regimes de compensação de jornada serem estabelecidos por acordo individual e tácito e, para piorar, a negociação coletiva passou a sobressair-se sobre os direitos previstos na CLT!

A reforma trabalhista abriu as portas ao trabalho autônomo, a conhecida “pejotização” do trabalhador, afastando todos os seus direitos celetistas, mesmo mantendo exclusividade, eventualidade e subordinação com seu empregador.

Além disso, os sindicatos foram bruscamente enfraquecidos, retirando a obrigatoriedade da homologação das rescisões de contrato e do pagamento da contribuição sindical.

Depois de mais de cinco anos, a reforma trabalhista contribuiu para a queda do rendimento dos trabalhadores, e teve como resultado o desemprego, a informalidade e a concentração de renda, ampliando a margem de lucro dos empresários.

Tudo isso mostra que a história dos direitos trabalhistas em nosso país sempre foi tortuosa – basta lembrar que foram quase 400 anos em que a economia se apoiou no trabalho escravista – sendo que o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão. Portanto, são pouco mais de 100 anos de trabalho livre e remunerado em que, até hoje, os empregadores buscam modelos que comprometam o mínimo possível o acúmulo de capital, tanto do empresário urbano, como dos grandes produtores rurais.

E para piorar, nosso atual momento é de muita dificuldade. As recentes alterações legislativas e decisões judiciais, em especial da mais alta Corte judiciária, é de se constatar o retrocesso em séculos do Direito do Trabalho. A famosa “modernização” das relações de trabalho, no momento, só fez precarizar o trabalho, o que expõe não só uma tendência legislativa, mas também jurisprudencial de desproteção social.

O Tema 725 do STF que aos poucos as turmas do TST estão pacificando sua aplicabilidade, legitimam de vez as formas alternativas de trabalho, sem o reconhecimento do vínculo empregatício, sob a alegação da autonomia das partes, forçando a “pejotização” e retirando direitos que foram conquistados ao longo de muitos anos e lutas constantes dos trabalhadores e dos advogados que os defendem.

Disto decorre que, em sendo um contrato, a competência passa a ser Justiça Comum, indo em contramão dos princípios do Direito do Trabalho e do princípio da proteção e do ‘in dubio, pro operario’ e contra a teoria geral do processo, do sistema processual brasileiro.

Devemos ter como norte, nesta nova jornada e neste momento das relações trabalhistas, de resgatar nossa história, ou no mínimo, minimizar os prejuízos na atuação do advogado trabalhista como defensor dos direitos trabalhistas tão bravamente conquistados na nossa história, e que prestam relevante serviço à sociedade, pacificando conflitos entre trabalhadores e empregadores.

As entidades dos advogados e advogadas trabalhistas, através de atividades cotidianas dos advogados que militam diariamente nesta Justiça Especializada, são quem podem e devem conseguir melhores condições contra a precarização da nossa profissão e pelo respeito às nossas prerrogativas.

Parabéns às advogadas e advogados trabalhistas que nunca fugiram da luta por uma Justiça do Trabalho que seja, sempre, JUSTA!

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AZAMBUJA, Marina. SASP – Sindicados das Advogadas e Advogados de São Paulo. DIA DA ADVOCACIA TRABALHISTA São Paulo, 2023. Disponível em: https://sasp.org.br/geral/dia-da-advocacia-trabalhista-2/

BILHÃO, ISABEL. “TRABALHADORES DO BRASIL: AS COMEMORAÇÕES DO PRIMERO DE MAIO EM TEMPOS DE ESTADO NOVO VARGUISTA - O INÍCIO DA JUSTIÇA DO TRABALHO NO BRASIL. Universidade Estadual de Londrina, Paraná, 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbh/a/53Jxf4ctGT3Gg33BrPMXyGc/

JUSTIÇA DO TRABALHO – TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. HISTÓRIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. TST-DF, s/d. Disponível em: https://www.tst.jus.br/historia-da-justica-do-trabalho

REVISTA COMEMORATIVA - 60 ANOS DA ASSOCIAÇÃO CARIOCA DOS ADVOGADOS TRABALHISTAS - ACAT/RJ, 2023. Disponível em: https://acatrj.org.br/wp-content/uploads/2023/07/REVISTA14_BAIXARES.pdf

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL – RS. O INÍCIO DA JUSTIÇA DO TRABALHO NO BRASIL. TER-RS, 2023. Disponível em: https://www.tre-rs.jus.br/comunicacao/noticias/2023/Marco/o-inicio-da-justica-do-trabalho-no-brasil

Marcus Augustus Moia Gama
Advogado trabalhista e Secretário Geral do Sindicato dos Advogados e Advogadas do Estado de São Paulo

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