Em recente julgado do STJ (REsp 1.937.626/RO), foram debatidos os limites do direito de extensão nas ações de desapropriação, em especial naquelas fundadas em utilidade pública.
Em síntese, desapropriar é o ato de intervenção estatal no qual o indivíduo é expropriado forçadamente de um bem, mediante prévia e justa indenização, em prol da coletividade. Conforme art. 20, do decreto-lei 3.365/41, é vedado discutir qualquer outra matéria no processo de desapropriação, que não sejam eventuais vícios processuais ou o preço ofertado pelo bem objeto da ação.
Como nem sempre as condições ofertadas pelo Poder Público correspondem com a expectativa dos desapropriados e com o valor real do bem, com muita frequência o Poder Judiciário é obrigado a se debruçar sobre parâmetros de indenização. Exemplo deste tipo de discussão foi o recente julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 233, pelo STF, que tratou do percentual dos juros compensatórios e dos honorários advocatícios na desapropriação.
Como reflexo, houve julgamento, pelo STJ, do Tema Repetitivo 126, em que foi firmada a tese de que “o índice de juros compensatórios na desapropriação direta ou indireta é de 12% até 11/6/97, data anterior à vigência da MP 1.577/97", finalmente colocando um ponto final na discussão, que se arrastava por mais de dezoito anos.
Nesse mesmo sentido, um outro julgamento que merece destaque diz respeito ao direito de extensão em ações de desapropriação, em especial, naquelas que têm a utilidade pública como fundamento.
O direito de extensão é reconhecido pela doutrina como a necessidade de desapropriação integral de determinado imóvel, quando a desapropriação parcial gerar substancial diminuição do potencial econômico de sua área remanescente. Sua primeira fundamentação legal residia no art. 12, do revogado decreto 4.956/1903.
Atualmente, o respaldo legal do direito de extensão tem previsão expressa apenas na Lei Complementar n. 76/93, que regula o rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária.
O direito de extensão pode ser reconhecido espontaneamente pelo ente expropriante no cálculo da indenização a ser ofertada para o desapropriado, como também pode ser alegado como tese de defesa1, caso o ente expropriante não o faça no ato do oferecimento da oferta da indenização.
O direito de extensão deve sempre ter como norte o preceito da justa e prévia indenização, previsto no art. 5º, XXIV, da Constituição Federal, assim como também deve ser limitado pelo princípio da proteção da propriedade privada, insculpido no inciso XXII, do mesmo artigo de direitos e garantias fundamentais.
Neste ponto, é importante destacar que o preceito da justa indenização não significa tão somente o repúdio ao pagamento de preço vil ao desapropriado, mas também veda seu enriquecimento indevido, tendo como foco que, ao final, quem paga efetivamente a indenização é o contribuinte (no caso de desapropriações por interesse social) ou consumidor (no caso de desapropriações por utilidade pública realizadas por concessionárias de serviço público).
Ao se falar em direito de extensão e seus limites, vale sempre recordar a valiosa lição de Kiyoshi Harada, que é categórico ao afirmar que “o interesse público é gênero de que são espécies a necessidade ou utilidade pública, o interesse social, o interesse urbanístico, o interesse social para finas de reforma agrária e o interesse no combate à propriedade nociva. Por isso, no caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, a desapropriação deverá recair estritamente sobre a área necessária à implantação do melhoramento público, sob pena de violar o princípio constitucional que garante o direito de propriedade. Não há nem pode haver desapropriação sem fundamento no interesse público. Ausente este, ela caracateriza-se como abuso de poder ou desvio de finalidade a acarretar anulação da declaração expropriatória”2.
Ainda sobre os limites do direito de extensão, o STJ já havia se pronunciado no sentido de que “não se pode obrigar a agravante a adquirir um bem imóvel com dinheiro público e, tampouco, condená-la a pagar indenização por algo que não precisa nem deve integrar seu patrimônio, visto que prevalece o interesse coletivo sobre o particular”3.
Recentemente, o STJ concluiu nova análise sobre os limites do direito de extensão em ações de desapropriação, no julgamento do Agravo Interno no REsp 1.937.626/RO, em que se discutia a aplicação dos limites ao direito de extensão expostos na Lei Complementar 76/934 em desapropriação por utilidade pública.
No caso concreto, o direito de extensão pretendido pelos desapropriados equivalia a área remanescente com tamanho e valor de indenização muito superior à área expropriada. As instâncias de origem garantiram aos expropriados o direito de extensão, enquanto o ente expropriante pleiteava a aplicação dos limites impostos pelo art. 4º, da Lei Complementar 76/93, mesmo não se tratando de hipótese de desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária.
A ministra relatora Regina Helena da Costa emitiu seu voto no seguinte sentido: “no que se refere à aplicação dos limites previstos pelo art. 4º da Lei Complementar 76/93 ao caso, consoante destacado na origem, o regramento destina-se ao procedimento para a desapropriação de imóvel rural para fins de reforma agrária, questão diversa da ora tratada neste feito, fundada na utilidade pública, não havendo fundamento para conferir elasticidade ilegítima ao conteúdo da norma específica”.
No entanto, no voto-vista do ministro Gurgel de Faria, a solução encontrada pelo Tribunal de origem, referendada pelo voto da relatora, não prevaleceu, uma vez que o direito de extensão não tem previsão expressa no decreto-lei 3.365/41, mas tão somente na Lei Complementar 76/93.
Nesse sentido, segundo voto do ministro Gurgel de Faria: “não é possível manter a solução jurídica encontrada na origem, pois: ou se aplica subsidiariamente a supracitada Lei Complementar (76/93), a qual assegura o direito de extensão, ou se aplica a previsão do decreto-lei 3.365/1941, que prevê somente que eventual depreciação/desvalorização da área remanescente do imóvel desapropriado seja levada em conta na indenização. A lei que incidir no caso em apreço deve ser aplicada em sua integralidade, não sendo possível a conjugação de lei anterior (decreto 4.956/1903), ainda mais revogada, com legislações posteriores (Lei Complementar 76/93 e decreto-lei 3.365/41), para extrair de cada uma delas o que melhor beneficiar o expropriado ou o expropriante, visto que o Poder Judiciário estaria, nessa hipótese, criando uma terceira norma, invadindo, por consequência, competência reservada ao Poder Legislativo”.
No caso concreto, o voto-vista foi acompanhado pelos demais Ministros, com consolidação da tese de que, em desapropriações por utilidade pública, somente se pode reconhecer o direito de extensão nos limites impostos pela Lei Complementar 76/1993, em seu artigo 4°, ou seja, quando a área remanescente ficar “reduzida a superfície inferior à da pequena propriedade rural” ou se ela ficar “prejudicada substancialmente em suas condições de exploração econômica, caso seja o seu valor inferior ao da parte desapropriada”.
Por outro lado, em eventual alegação, pelos expropriados, de prejuízo sobre a área remanescente do imóvel em função da desapropriação intentada, a solução a ser adotada não será a aplicação do direito de extensão, caso tal direito esbarre nos limites da Lei Complementar 76/93, mas sim a avaliação do “grau de desvalorização ou supressão do conteúdo econômico da área remanescente, na forma do art. 27 do decreto 3.365/41, para fins de fixação do justo preço”, conforme decidido no voto-vista.
Por fim, como não poderia deixar de ser, no voto-vista também ficou definido que a avaliação da desvalorização da área remanescente deverá ser respaldada nas normas da ABNT, de modo que o valor a ser encontrado exprima a justa indenização no processo de desapropriação.
Enfim, de acordo com esse julgamento, em razão da inexistência de norma específica que trate do direito de extensão em desapropriação por utilidade pública, deve se aplicar, subsidiariamente, a previsão legal existente para a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, leia-se: art. 4º, da Lei Complementar 76/93.
1 Destaque para importante julgado do STJ sobre o tema: “O direito de extensão nada mais é do que a impugnação do preço ofertado pelo expropriante. O réu, quando impugna na contestação o valor ofertado, apresenta outra avaliação do bem, abrangendo a integralidade do imóvel, e não apenas a parte incluída no plano de desapropriação. Assim, o pedido de extensão formulado na contestação em nada ofende o art. 20 do Decreto-Lei 3.365/41, segundo o qual a contestação somente pode versar sobre ‘vício do processo judicial ou impugnação do preço’. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público.” Extraído do REsp n. 986.386/SP, de relatoria do Ministro Castro Meira, julgado em 4.3.2008.
2 HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: doutrina e prática. 11ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 87.
3 REsp n. 1.368.773/MS, de relatoria p/ acórdão do Ministro Herman Benjamin, julgado em 6.12.2006
4 Tais limites estão no artigo 4º, da Lei Complementar 76/1993, a saber:
Intentada a desapropriação parcial, o proprietário poderá requerer, na contestação, a desapropriação de todo o imóvel, quando a área remanescente ficar:
I - reduzida a superfície inferior à da pequena propriedade rural; ou
II - prejudicada substancialmente em suas condições de exploração econômica, caso seja o seu valor inferior ao da parte desapropriada.