A PEC 66/23 tem sido objeto de intenso debate no Senado Federal, com o objetivo de aprimorar a legislação referente ao pagamento de precatórios pelos municípios brasileiros. De acordo com os dados obtidos pelo IBP - Instituto Brasileiro de Precatórios no Mapa Anual de Precatórios do CNJ, a dívida atualizada de precatórios dos municípios brasileiros totaliza R$ 89.322.675.530, distribuída entre 4.535 municípios. A grande concentração de municípios devedores está no estado de São Paulo, respondendo por 65% desse valor. O município de São Paulo, por sua vez, deve R$ 31,8 bilhões, o que representa 35,7% da dívida total dos precatórios municipais.
Ao observar os 50 municípios com os maiores estoques de precatórios, constata-se que eles representam 71,8% da dívida total. Esses dados evidenciam que a dívida de precatórios está concentrada em poucos municípios com valores muito expressivos. Dos 50 maiores devedores, 19 estão no estado de São Paulo, 8 no Rio de Janeiro, 4 no Rio Grande do Sul e 3 em Minas Gerais.
A Emenda 6, proposta pelo Senador Alessandro Vieira, surge como uma tentativa de encontrar um ponto de equilíbrio entre a necessidade de quitação das dívidas judiciais e a sustentabilidade fiscal dos entes municipais. Um dos pontos centrais da Emenda 6 é a limitação dos pagamentos de precatórios pelos municípios, estabelecendo uma escala progressiva que varia de 1% a 4% da RCL - Receita Corrente Líquida, de acordo com o estoque de precatórios em mora. Essa medida busca adequar o ritmo de pagamento à capacidade financeira de cada município, evitando que a quitação das dívidas comprometa a prestação de serviços essenciais à população.
Ainda de acordo com os dados do IBP, 476 municípios possuem um estoque de precatórios em mora que representa entre 6% e 15% da RCL, totalizando uma dívida de R$ 12,1 bilhões. Para esses municípios, a Emenda 6 estabelece um limite de pagamento anual de 1% da RCL apurada no exercício financeiro anterior.
163 municípios possuem um estoque de precatórios em mora que representa acima de 15% e até 30% da RCL, totalizando uma dívida de R$ 11,7 bilhões. Para esses municípios, a Emenda 6 estabelece um limite de pagamento anual de 2% da RCL apurada no exercício financeiro anterior.
43 municípios enfrentam uma situação ainda mais crítica, com um estoque de precatórios em mora que ultrapassa 30% e chega até 45% da RCL. Esse grupo, que inclui o município de São Paulo, cuja dívida representa 38,41% da RCL de 2023, acumula um montante total de R$ 34 bilhões em dívidas judiciais. Reconhecendo a gravidade desse cenário, a Emenda 6 propõe um limite de pagamento anual de 3% da RCL apurada no exercício financeiro anterior para esses municípios.
32 municípios encontram-se em uma situação extremamente delicada, com um estoque de precatórios em mora que supera 45% da RCL. Esses municípios acumulam uma dívida total de R$ 16 bilhões. Diante desse cenário alarmante, a Emenda 6 propõe um limite de pagamento anual de 4% da RCL apurada no exercício financeiro anterior para esses municípios. Ao permitir um percentual mais elevado de comprometimento da RCL, a emenda busca oferecer condições mais flexíveis para a quitação gradual dos precatórios, levando em consideração as severas restrições orçamentárias enfrentadas por esses municípios. Essa abordagem diferenciada reflete a preocupação em encontrar soluções viáveis para os casos mais extremos, buscando garantir a efetividade dos direitos reconhecidos judicialmente, sem comprometer a capacidade desses municípios de prover serviços essenciais à população. A Emenda 6 reconhece a necessidade de medidas excepcionais para lidar com situações excepcionais, visando a construção de um caminho que permita a esses municípios honrar seus compromissos, sem sacrificar o bem-estar de seus cidadãos.
Essa escala progressiva busca adequar o pagamento dos precatórios à realidade fiscal de cada município, levando em consideração o volume de dívidas judiciais acumuladas. municípios com estoques de precatórios mais elevados em relação à sua RCL terão limites de pagamento maiores, enquanto aqueles com estoques menores poderão destinar um percentual inferior da RCL para a quitação dessas dívidas.
No entanto, mesmo com a aplicação desse limite, esses municípios continuarão em mora no pagamento de precatórios em 2030, em virtude do limite estabelecido no § 23 do art. 100 da Constituição. Nesse caso, esses municípios estarão submetidos ao disposto no § 26, que determina que, verificando-se mora no pagamento de precatórios em 2030, o valor devido deverá ser quitado mediante parcelamento especial, nos termos de lei municipal, com prazo máximo de 240 meses:
Essa medida visa proporcionar um alívio financeiro aos municípios que não conseguirem quitar seus precatórios dentro dos limites estabelecidos, permitindo que os credores recebam mensalmente uma parcela da dívida, ainda que de forma gradual. O parcelamento especial busca conciliar a necessidade de pagamento dos precatórios com a capacidade financeira dos municípios, evitando um comprometimento excessivo das finanças municipais.
Embora seja uma opção, o parcelamento não é a saída adequada, pois, na prática, significa financiar os governos municipais com o dinheiro dos credores. Embora o parcelamento especial busque oferecer uma alternativa para a quitação gradual dos precatórios, levando em consideração as restrições orçamentárias dos municípios, ela pode postergar o pagamento por um período tão longo pode gerar insegurança jurídica e prejudicar a confiança dos credores no sistema de precatórios.
Além disso, o parcelamento especial pode criar um desincentivo para que os municípios busquem soluções mais efetivas para a quitação de suas dívidas judiciais. Ao permitir o financiamento dos governos municipais com recursos dos credores, a Emenda 6 enfraquece a responsabilidade fiscal dos entes municipais e perpetua o problema dos precatórios.
Em vez de recorrer ao parcelamento especial, os municípios devem buscar alternativas como a renegociação de dívidas, a implementação de medidas de eficiência fiscal e a priorização do pagamento dos precatórios em seus orçamentos. É necessário achar o equilíbrio que garanta a efetividade dos direitos reconhecidos judicialmente, sem comprometer a capacidade dos municípios de prover serviços essenciais à população.
A Emenda 6 também estabelece, no § 27, que os precatórios parcelados não devem ser computados no estoque ou no limite referente ao § 23 do art. 100 da Constituição, garantindo que o parcelamento não seja embaraçado ou confundido com os limites de pagamento.
Essa disposição visa assegurar que os precatórios parcelados sejam tratados de forma separada, evitando que seu pagamento seja prejudicado pelos limites estabelecidos no § 23. Dessa forma, os municípios terão maior clareza e previsibilidade no planejamento e execução do pagamento dos precatórios parcelados.
Além disso, o § 28 prevê a suspensão do limite em caso de não cumprimento tempestivo do parcelamento, demonstrando a preocupação com a efetividade das medidas propostas. Essa medida visa garantir que os municípios cumpram com suas obrigações de pagamento dos precatórios parcelados, sob pena de suspensão dos limites estabelecidos no § 23. Isso reforça a importância do compromisso dos entes municipais com a quitação das dívidas judiciais e busca evitar que o parcelamento seja utilizado como uma forma de postergar indefinidamente o pagamento dos precatórios.
Um ponto importante destacado pela Emenda 6, no § 29, é a necessidade de promover um novo parcelamento a cada cinco anos, caso haja mora no pagamento de precatórios. Essa periodicidade é compatível com os prazos de parcelamento descritos e reconhece que o limite instituído pelo § 23 é uma regra permanente que sempre poderá ocasionar um acúmulo de precatórios. O novo parcelamento a cada cinco anos busca evitar que os municípios se tornem inadimplentes por longos períodos e permite uma revisão periódica da situação fiscal e do estoque de precatórios.
No entanto, há um risco de que a proposta se torne uma ferramenta que permite a má gestão fiscal dos municípios, levando a um desinteresse em resolver efetivamente o estoque de precatórios. Essa postura pode perpetuar o problema dos precatórios, transferindo a responsabilidade para as próximas administrações e prejudicando os credores que aguardam há anos pelo recebimento de seus direitos.
A revisão periódica do parcelamento pode criar um ciclo vicioso de endividamento judicial, onde municípios são tentados a acumular novos precatórios, sabendo que terão a oportunidade de parcelar novamente suas dívidas no futuro.
Em vez de depender de parcelamentos recorrentes, os municípios devem ser incentivados a adotar medidas estruturais para lidar com o problema dos precatórios. Isso inclui a implementação de políticas de controle de gastos, a melhoria da arrecadação tributária e a priorização do pagamento das dívidas judiciais no orçamento municipal. A solução para os precatórios requer um compromisso de longo prazo por parte dos gestores municipais, com a adoção de medidas que promovam a sustentabilidade fiscal e a efetividade dos direitos dos credores.