Em 20/6 é comemorado o Dia do Advogado e da Advogada trabalhista. Esse profissional, ao longo dos anos, acompanhou e se adaptou plenamente aos movimentos legislativos e jurisprudenciais que alteraram o seu principal campo de atuação: o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho.
Com a Emenda Constitucional 45, de 30/12/04, que realizou a chamada Reforma do Judiciário, pela literalidade o inciso I do art. 1141, a Justiça do Trabalho teve a sua competência aparentemente majorada, para apreciar e julgar demandas relativas às relações de trabalho, e não somente àquelas decorrentes das relações de emprego.
Os advogados trabalhistas, então, passaram a atuar em diversos processos sob o rito da lei processual celetista, porém com matéria de fundo regida pela legislação civil, como nos casos de pedidos de danos materiais e morais, inclusive por ricochete, ou em ações coletivas sobre meio ambiente do trabalho, por exemplo. Esses profissionais rapidamente se adaptaram à nova realidade e seguem produzindo um debate do mais alto nível nos processos que atuam.
Ocorre que, sempre que instado a se manifestar sobre do art. 114 da Constituição Federal, o STF adotou uma interpretação restritiva do dispositivo, como bem evidencia o resultado da ADIn 3.395, que excluiu da competência da Justiça do Trabalho as demandas que envolvam servidores públicos que mantêm vínculo jurídico-administrativo ou estatutário com a administração pública2.
A mesma linha de raciocínio tem sido aplicada pelo STF nas demandas que analisam a constitucionalidade de contratos de natureza civil, não celetistas, como no julgamento do RE 606.0033, com repercussão geral (Tema 5504), no qual o tribunal decidiu que a competência para processar e julgar ações que envolvam contratos de representação comercial autônoma é da Justiça Comum, e não da Justiça do Trabalho.
Nesse julgamento, a tese vencedora, do ministro Luíz Roberto Barroso, seguiu o entendimento de que, de acordo com os precedentes do STF, nem toda relação entre o contratante de um serviço e o seu prestador caracteriza relação de trabalho. Assim, na representação comercial autônoma, não haveria vínculo de emprego ou relação de trabalho entre as partes, mas relação comercial regida pela lei 4.886/65, que estabelece a competência da Justiça Comum.
Em diversos julgados subsequentes, o STF seguiu a mesma linha de raciocínio, ao reconhecer a constitucionalidade de outras formas de trabalho autônomo, sem vínculo de emprego, seja no caso do transportador rodoviário de cargas da lei 11.442/07 (ADC 48 e ADIn 3.961), seja na validade do contrato de parceria entre salões de beleza e profissionais da lei 13.352/16 (ADIn 5.625). Em alguns julgados, o entendimento foi além do mérito e afastou a competência da Justiça do Trabalho, como na Reclamação RCL 59.795, na qual o ministro Alexandre de Moraes concluiu que a Justiça do Trabalho não seria competente para examinar demanda que versava sobre reconhecimento de vínculo empregatício entre um parceiro e a plataforma de intermediação de mão de obra.
Se bem analisadas, as razões de decidir da Corte Suprema em tais casos remetem ao entendimento firmado na ADPF 324/DF e do RE 958.252- RG/MG (Tema 725), no qual firmou-se a compreensão de que todas as formas de terceirização – e de descentralização do processo produtivo, inclusive na atividade-fim – são lícitas perante a Constituição. Decisão vinculante que, como é sabido, parte da Justiça do Trabalho apresenta resistência.
Portanto, é impossível não reconhecer que a posição exegética da Corte Maior compreende que o atendimento ao princípio fundamental do valor social do trabalho não é exclusivo de uma relação de emprego. Contratos de natureza cível ou comercial são constitucionais e atendem ao primado do valor social do trabalho, em sintonia com a livre iniciativa, tal qual o constituinte previu no art. 1º, da CF, ao colocá-los lado a lado no inciso IV.
O efeito decorrente da interpretação constitucional do STF tem sido o deslocamento da competência para analisar os requisitos de existência e validade de contratos de cíveis ou comerciais, como questão prejudicial ao reconhecimento de vínculo de emprego, da Justiça do Trabalho para a Justiça Comum. Independentemente de um juízo valorativo acerca do acerto dessa posição, esse é o desafio que o advogado trabalhista passar a enfrentar como uma realidade posta.
E, aparentemente, a despeito do foro no qual o processo tramite, nenhum profissional é mais adequado para debater a questão prejudicial – existência e validade de um contrato – e a questão de fundo – verificação da presença dos requisitos de um vínculo de emprego – do que um advogado trabalhista ou uma advogada trabalhista.
Sobre o tema de fundo, que regerá toda a lógica da produção das peças processuais (especialmente petições iniciais e contestações), dúvida não há acerca da maior aptidão do advogado trabalhista, que sempre acompanhou os debates, doutrinários e jurisprudenciais, sobre a interpretação dos requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT.
A questão prejudicial vai exigir um maior aprofundamento do advogado trabalhista no direito civil, nas leis que disciplinam relações de trabalho não celetistas5 e, especialmente, no processo civil. Também demandará uma mudança importante na mentalidade, pois não se pode partir da presunção de que a desigualdade econômica entre os contratantes é evidência de fraude: o atendimento à forma prescrita em lei, os vícios de consentimento e a livre manifestação de vontade, conceitos muito bem trabalhados no direito civil, mas quase irrelevantes na configuração de uma relação de emprego, tornam-se centrais no debate da questão prejudicial.
Se o Direito do Trabalho nasceu como um desdobramento do Direito Civil6, a posição posta pelo STF exige uma reaproximação entre os dois ramos, com uma convivência, inclusive, dentro do mesmo processo, em duas fases cognitivas distintas: uma, a invalidação do contrato formal; a outra, a investigação acerca da real roupagem jurídica da relação, se empregatícia ou não. Mas não se pode imaginar a construção de uma linha argumentativa em uma das fases que não seja estrategicamente alinhada com a fase cognitiva subsequente.
O advogado e a advogada trabalhista, como já provaram ao longo dos anos, certamente saberão se adaptar à realidade posta e, independentemente do foro no qual tramite o processo, serão os profissionais mais capacitados para conduzir as lides quais se pretenda a configuração de vínculo de emprego mediante a desconstituição de um contrato de natureza cível ou comercial, seja em prol do trabalhador, seja em favor da empresa.
1 "Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;”
2 ADI 3.395, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15.04.2020.
3 Julgado na sessão virtual encerrada em 25.09.2020.
4 “Preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante e representada comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes”.
5 Como, por exemplo, na Lei nº 11.442/2007 (Transportador Autônomo de Carga); Lei nº 13.352/2016 (Salão de Beleza); Lei nº 4.886/1965 (Representante Comercial); Lei nº 6.530/1978 (Corretores de Imóveis), dentre outras.
6 Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, in O Novo Código Civil e a Prestação de Serviços, LTr, 2003.