A luta constante contra a corrupção é sempre um tema atual na sociedade brasileira, uma vez que parte da população entende que as normas e leis são brandas, quando existentes. No entanto, isso não é verdade.
No Brasil, temos um verdadeiro arcabouço sancionatório e criminal para prevenir e punir atos de corrupção. Uma das principais leis é a 8.429/92, que prevê nos arts. 9°, 10° e 11° os atos praticados que importam em enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao erário ou atentam contra os princípios da administração pública.
Nos dois primeiros, considerados mais gravosos, uma das principais sanções previstas na lei de improbidade administrativa é a perda da função pública. Ou seja, o agente que, após ser condenado por um ato de improbidade administrativa transitado em julgado, poderá ter como pena a perda da função pública.
Entretanto, ao término da instrução sancionatória, no momento da aplicação da penalidade, o agente público pode já estar aposentado, e a sanção da cassação da aposentadoria não está prevista na referida lei, apenas a perda da função pública.
Diante disso, alguns aplicadores do direito, de forma equivocada, entendiam que o ato ímprobo não teria a devida punição e que o agente, mesmo sendo condenado, gozaria da impunidade estatal.
Com o passar do tempo, começou-se a aplicar aos agentes condenados à perda da função pública e que já se encontravam aposentados a pena de cassação da aposentadoria.
Inclusive, diversas vezes com o aval das cortes superiores. Entre os argumentos apresentados, destacava-se que, ainda que não haja uma previsão expressa na lei, em decorrência lógica da aplicação da perda da função pública, seria possível sancionar com a cassação da aposentadoria.
Esse argumento não encontra aderência na lei nem tampouco na lógica jurídica. Se o ato gravoso é incompatível com a administração pública, bem como com os seus princípios, é de suma importância que esse agente seja retirado dos quadros da administração. Todavia, com a sua aposentadoria, isso já teria se consumado.
O argumento jurídico apresentado para a solução da questão está no fato de que, em respeito ao princípio da legalidade estrita ao qual a administração pública está submetida, não se pode utilizar de analogia para condenar o agente a uma pena mais gravosa do que a prevista na lei.
A aplicação da sanção deve observar e se submeter aos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. O Estado, para punir, deve garantir ao cidadão que seus direitos fundamentais sejam plenamente respeitados.“a natureza jurídica do direito sancionador é a mesma, seja no direito penal, seja no direito administrativo (ou tributário, ambiental, eleitoral, improbidade, etc).
O Estado é o detentor do jus puniendi, sendo prerrogativa sua prever, normativamente, os casos nos quais alguém será sancionado pela sua conduta ilícita1.”
Esse entendimento tem sido adotado pelo STJ: ERESP 1.496.347/ES, Rel. p/ acórdão min. BENEDITO Gonçalves, no âmbito da 1ª seção desta Corte Superior (DJe 28/4/21), no qual foi pacificada a divergência existente sobre o tema, ao fixar a tese jurídica no sentido da impossibilidade de impor cassação de aposentadoria em ação de improbidade administrativa, pois a referida sanção não está prevista taxativamente na LIA e constitui matéria de legalidade estrita, sendo vedado o uso de interpretação extensiva no âmbito do direito sancionador.
Ou seja, por mais gravosa que seja a conduta do agente, em respeito ao princípio da taxatividade, a pena deverá estar prevista para que sua aplicação seja realizada.
1 GONÇALVES, Benedito; GRILO, Renato César Guedes. Os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador no regime democrático da constituição de 1988. Revista Estudos Institucionais, v. 7, nº 2, mai./ago. 2021, p. 468. Disponível em https://www.estudosinstitucionais.com/REI/article/view/636, acessado no dia 04/06/2024