Não se pode confundir Justiça com Poder Judiciário. Justiça é, por definição, qualidade do que está em conformidade com o que é direito; maneira de perceber, avaliar o que é direito, justo, e, o reconhecimento do mérito de alguém ou de algo.
De outra borda, podemos conceituar o Poder Judiciário como sendo um dos três poderes que compõe o Estado, juntamente com o Executivo e o Legislativo, responsável por determinar e salvaguardar o cumprimento das leis previstas na Constituição, assegurando os direitos aos cidadãos; poder judicial.
Pois bem. Me veio à mente escrever esse pequeno texto em razão de experiências vividas na advocacia, que me fazem refletir acerca da justiça das decisões do Poder Judiciário.
Com isso, a minha intenção não é desqualificar a sua atuação, longe disso. Mas sim, pontuar a relação daquele com a Justiça, trazendo episódios vividos nos últimos tempos.
Sempre que uma demanda é posta em juízo, um magistrado alheio e desconhecedor dos fatos recebe uma petição inicial (caso apta) para dirimir um conflito preexistente entre determinadas partes.
Após a leitura dos pedidos exordiais, cita-se e faculta-se ao requerido o direito (que mais é um dever, ante as consequências processuais) de resposta, contrapondo os argumentos outrora lançados. Desse modo, tanto o requerente como o requerido, certamente estarão convictos de sua razão após o encerramento da fase postulatória do processo.
Porém, após esse momento, inicia-se a fase instrutória, seguida da decisória, recursal e executiva.
Partes absolutamente confiantes em seus direitos indagam aos seus constituídos: “O senhor garante a vitória, não temos como perder, certo?”. Qualquer resultado diverso do esperado e a culpa recai por inteiro nos ombros daquele magistrado (ou na suposta incompetência do advogado).
Teorias invadem a mente do sucumbente: "O juiz não entende de direito, é fraco; o juiz não leu o processo (afinal, para muitos, juiz não trabalha); os assessores que elaboraram a decisão. Chegam, em muitas ocasiões, em caso de derrota, a afirmar que o advogado da outra parte tem influência com o magistrado ou até mesmo que encomendaram a decisão".
Mas ai vem a fase recursal e a confiança na reversão do resultado. Caso a sentença desfavorável se mantenha, o Poder Judiciário não merece créditos para o derrotado. Caso a sentença seja cassada ou, principalmente, reformada, nasce na outra parte a certeza de que algo externo influiu no julgamento.
Na minha experiência jurídica por diversas vezes escutei coisas do tipo. A parte sucumbente jamais aceitará a derrota sem algum apontamento extra autos, no sentido de atribuir descrédito ao Poder Judiciário, salvo raras exceções.
De fato existem situações em que pode haver um erro de julgamento, a inobservância de uma prova, a não apreciação de fundamento determinante. Qualquer que seja a natureza do erro, in judicando ou in procedendo, os recursos estão ai para saná-lo, além das ações impugnativas autônomas e sucedâneos recursais, os quais não podem ser confundidos.1
Isso, por si só, não é suficiente para que jurisdicionados presumam alguma falta de ética ou influência externa na prolação da sentença ou no resultado de sessão de julgamento.
A justiça e o direito de cada litigante (quase sempre) são certos dentro de si, mas o Poder Judiciário recebe os fatos por intermédio da narrativa das partes.
Em vez de criticarmos diariamente o Poder Judiciário, nós, advogados, deveríamos nos preocupar com o estudo constante, com a condução processual correta, bem como com a observação das formalidades processuais necessárias para não colocar a perder o direito material de nossos clientes.
E pode-se perceber que são as ações dos advogados, em grande parte, que colocam a perder o direito dos constituintes. Sustentações orais não faltam, nas quais da tribuna sustenta-se algo que vai de encontro aos fundamentos e pedidos recursais.
Se a cada derrota fomentarmos suspeitas externas, aumentando nos jurisdicionados a “certeza” de que não se pode confiar em juízes, desembargadores e ministros, fechamos os olhos para o que de fato muito acontece, como listado acima.
Na vida cotidiana de um advogado militante como eu, diversas vezes se escuta quando partes e advogados tinham por certa a vitória: “Entrou fulano na demanda, ciclano é amigo do desembargador, beltrano comprou aquela turma...”. Alegações, quase sempre desprovidas de um mínimo indício.
Sou advogado atuante na Justiça do Distrito Federal e duas colocações, também, me convenceram a me expor e escrever esse texto. “O TJDFT é fraco tecnicamente” e “pela entrada de um desembargador aposentado, o julgamento de uma apelação foi revertida em sede de embargos de declaração em um de suas turmas”.
Infelizmente, há notícias de julgamentos obscuros em nosso país, mas não se pode generalizar. Ao revés, devemos acreditar sempre na lisura e retidão de nossos magistrados e tribunais.
É o que ocorre com o TJDFT, corte da mais alta distinção, reconhecida nacionalmente como o melhor e mais célere tribunal do país por seguidas ocasiões. Composto por 48 desembargadores, 11 juízes substitutos de segundo grau, 225 juízes de direito titulares e 106 juízes de direito substitutos, onde litigantes de todo o país elegem para dirimir seus impasses.
Esse é um fato que desconstrói as críticas à técnica do tribunal. Quem, de fora, elegerá o foro da Justiça do Distrito Federal para julgar importantes questões se não confiasse na capacidade da Corte? Ninguém.
O Poder Judiciário está absolutamente sobrecarregado com demandas que sequer deveriam estar em juízo, buscando a decisão do Estado e as metas determinadas pelo CNJ impõem a industrialização da prestação jurisdicional, fato que a desqualifica em partes e fere algumas prerrogativas da advocacia.2-3
A judicatura é tarefa artesanal e não industrial. Nesse viés, parte da crítica de advogados e jurisdicionados merece relevo: Em cada processo, por mais simples que seja, há algo muito importante sobre a vida de alguém (podendo ser comparado à saúde nas mãos de um médico), e, por essa razão entendo que os julgadores não podem sacrificar a detida análise dos autos, a prestação jurisdicional detalhada e de excelência, em nome da celeridade e da estatística de processos julgados.
Portanto, Justiça é algo que ambas as partes componentes dos polos antagônicos de demandas tem a certeza de possuir, ao passo que o Poder Judiciário é aquele em cujas mãos se encontra a hercúlea missão de atribuí-la a quem julgar de direito.
Em caso de derrota ou insatisfação com a prestação oferecida, não se revela adequado a crítica de que algo ocorreu nos bastidores. Mas sim que fatores impostos aos magistrados, seja de que grau forem, os impedem de, muitas vezes, imprimir a atenção que as demandas merecem, deixando para trás detalhes importantes, como a incessante pressão de órgãos externos no que diz respeito à observação das metas. Ou mesmo que o direito, no processo (pois o que não está nos autos não está no mundo), beneficiava o adverso.
Além disso, impossível se revela o balanço entre uma prestação jurisdicional detalhada e os anseios das partes pela celeridade, posto haverem milhões de processos em trâmite no território nacional.
Ao fim, Justiça não se confunde com Poder Judiciário, que ao julgar em benefício de um não pode ser taxado de injusto ou merecedor de descréditos pelo outro. Julgar é missão deveras complexa.
As ponderadas críticas contrárias que faço aos julgadores e tribunais encontram-se nos artigos referenciados abaixo, não sendo pertinente falas que ponham em xeque a integridade daquele poder.
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1 Disponível em: https://www.academia.edu/92359372/DIFEREN%C3%87AS_ENTRE_OS_MEIOS_DE_IMPUGNA%C3%87%C3%83O_DAS_DECIS%C3%95ES_JUDICIAIS
2 Disponível em:https://www.migalhas.com.br/depeso/392488/prerrogativas-do-advogado-e-a-praxe-forense
3 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/399129/maleficios-advindos-da-industrializacao-da-prestacao-jurisdicional