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O direito subjetivo de alongamento do crédito rural como solução para a crise enfrentada no agronegócio

Agricultura enfrenta desafios em 2024: queda nos preços, aumento custos, e quebras de safra. Lei reconhece importância da atividade agrícola.

13/6/2024

O setor do agronegócio enfrenta grandes desafios no ano de 2024. A queda dos preços das commodities, o aumento dos custos de produção e as quebras de safras sofridas em diversas regiões do país dificultaram a tarefa árdua desempenhada pelos produtores rurais, responsáveis pelo exercício de atividades tão importantes para o desenvolvimento do Brasil e para a população mundial. Afinal, o Brasil é responsável por exportações de produtos agropecuários para mais de 50 países, conforme notícia oficiais divulgada pelo site do ministério da Agricultura e Pecuária.1

Além dos problemas climáticos relacionados às estiagens prolongadas ou chuvas em excesso, o setor também está atravessando a alta nos custos de produção, decorrente dos insumos e maquinários necessários para a prática agrícola. Tal fato – atrelado a redução do peço das commodities – ocasiona menor margem lucro e, portanto, resulta em dificuldades financeiras para o pagamento dos contratos de investimento, empréstimos bancários e financiamentos agrícolas, conforme noticiado pela revista Forbes.2 

Especificamente no que se refere ao crédito rural, a situação é ainda mais grave. Isso porque, na grande maioria dos casos, as instituições financeiras exigem que as propriedades rurais, nas quais os mutuários desempenham a suas atividades, sirvam de garantia hipotecária ou em alienação fiduciária para operações bancárias, tais como custeio agrícola, financiamento de maquinários, investimento, dentre outros. Assim, na ausência de pagamento, o produtor corre o risco de perder o bem mais valioso da sua atividade, qual seja, a gleba de terra necessária para sua produção.

Entretanto, a legislação não ignora a essencialidade da atividade agrícola, de modo a reconhecer a sua importância para o desenvolvimento econômico social, resguardando assim os direitos dos produtores rurais. Por esse motivo, a lei 8.171/91, que dispõe sobre a política agrícola, estabelece em seu art. 2º, inciso IV, o seguinte: 

Art. 2º A política fundamenta-se nos seguintes pressupostos: 

[...] IV – o adequado abastecimento alimentar é condição básica para garantir a tranquilidade social, a ordem pública e o processo de desenvolvimento econômico social.

Diante disso, torna-se imprescindível a adoção de medidas judiciais capazes de incentivar e apoiar o produtor rural, sendo o alongamento da dívida rural uma forma efetiva de fazê-lo. A partir deste, promove-se a proteção à atividade agrícola, mantendo o agricultor em atividade e, consequentemente, garantindo o abastecimento alimentar da população. Trata-se de uma medida cujo intuito é justamente auxiliar os produtores rurais a superarem eventuais dificuldades e prejuízos que possam ocorrer por fatores externos a sua produção. O objetivo principal é evitar que os produtores rurais tenham que abandonar suas atividades por falta de recursos financeiros. 

Para isto, o MCR - Manual de Crédito Rural dispõe em seu item 15 ser possível o alongamento nas seguintes hipóteses de:

  1. Dificuldade de comercialização dos produtos;
  2. Frustração de safras por fatores adversos;
  3.  Eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações. 

Preenchidas as hipóteses previstas no MCR, torna-se obrigação da instituição financeira conceder o alongamento do crédito rural para o produtor. Tal prorrogação visa à preservação da atividade agrícola, concedendo assim em favor do produtor um prazo de carência de dois anos ou mais para o pagamento da parcela do seu crédito rural, isto é, de acordo com a sua nova capacidade de pagamento, levando em consideração os prejuízos financeiros sofridos.

A esse respeito, o STJ consolidou o entendimento pacífico da Corte, ao editar a súmula 298, que dispõe sobre a obrigatoriedade da adoção do alongamento por parte das instituições financeiras, senão vejamos: Súmula 298 – STJ: O alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei.

Tal entendimento jurisprudencial é respeitado pelos Tribunais de Justiça do país, confira-se:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA MANDAMENTAL DE PRORROGAÇÃO DE DÍVIDA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA E HIPOTECÁRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELO DOS AUTORES. PRETENSÃO DE ALONGAMENTO DA DÍVIDA. SÚMULA 298 DO STJ. ALEGAÇÃO DE FRUSTRAÇÃO DA SAFRA EM VIRTUDE DE ESTIAGEM. HIPÓTESE QUE AUTORIZA O ALONGAMENTO DA DÍVIDA. REQUISITOS DA CLÁUSULA 2.6.9 DO MCR. FATOR ADVERSO E INCAPACIDADE DE PAGAMENTO DA DÍVIDA COMPROVADOS. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL EFETUADA. AUSÊNCIA DE RESPOSTA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA E CONTESTAÇÃO EFETIVA ACERCA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS. PRORROGAÇÃO CONCEDIDA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 13ª C. Cível - 0028059-56.2019.8.16.0019 - Ponta Grossa - Rel.: Desembargadora Rosana Andriguetto de Carvalho - J. 13.11.2020)

(TJ-PR - APL: 00280595620198160019 PR 0028059-56.2019.8.16.0019 (Acórdão), Relator: Desembargadora Rosana Andriguetto de Carvalho, Data de Julgamento: 13/11/20, 13ª Câmara Cível, Data de Publicação: 13/11/20)

APELAÇÃO CÍVEL. ALONGAMENTO DE DÍVIDA RURAL. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. DIREITO SUBJETIVO DO DEVEDOR. SÚMULA 298 DO STJ. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O alongamento de dívida de crédito rural é um direito do devedor, mas sua concessão está condicionada ao preenchimento de requisitos legais. 2. In causu, o autor/apelante acostou o laudo pericial, bem como o pedido administrativo formulado junto à instituição financeira, de forma a comprovar o preenchimento dos requisitos para obtenção do alongamento de dívida de crédito rural. 3. Recurso conhecimento e parcialmente provido a fim de possibilitar que o apelante realize o prolongamento da dívida, nos termos da Resolução BACEN nº 4.755/2019. (TJTO, Apelação Cível, 0002418-08.2020.8.27.2741, Rel. JOSÉ RIBAMAR MENDES JÚNIOR, 2ª TURMA DA 1ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 28/09/2022, DJe 30/9/22 15:04:42)

(TJ/TO - Apelação Cível: 0002418-08.2020.8.27.2741, Relator: JOSÉ RIBAMAR MENDES JÚNIOR, Data de Julgamento: 28/9/22, TURMAS DAS CAMARAS CIVEIS)

Assim, constatadas as mencionadas hipóteses em laudos a serem realizados por profissionais competentes, bem como realizado o requerimento administrativo perante a instituição financeira, é obrigatória a concessão do alongamento do crédito do produtor rural, preservando-se a sua atividade agrícola e concedendo-lhe prazo suficiente para o pagamento da sua dívida, de acordo com a sua condição financeira. 

Por esse motivo, o alongamento do crédito rural consiste em excelente solução para os produtores saírem da crise enfrentada no setor do agronegócio, mantendo-se suas atividades e preservando o nome do mutuário no mercado. Isso porque a prorrogação do crédito rural permite o pagamento com carência de no mínimo dois anos e ainda leva em consideração o prazo necessário para o adimplemento da dívida em conformidade com a sua nova capacidade de pagamento. Em síntese, consiste em medida essencial para preservação das atividades agrícolas tão importantes para o nosso país e para o abastecimento alimentar mundial. 

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1 Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/campanhas/expirados/retrospectiva-2022/agro-do-brasil-no-mundo#:~:text=Em%202022%2C%20o%20Brasil%20chegou,em%20mais%20de%2050%20pa%C3%ADses

2 Disponível em: https://forbes.com.br/forbesagro/2024/03/helen-jacintho-recuperacoes-judiciais-o-agro-esta-em-crise/

Túlio da Luz Lins Parca
Advogado e Sócio-Proprietário do Escritório Túlio Parca Advogados; Graduado e Pós-Graduado em Processo Civil pelo IDP Brasília, com ampla atuação em direito bancário empresarial e crédito rural.

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