No próximo dia 13 de junho será realizado no Museu da Justiça, no Rio de Janeiro, o 1º Seminário Penalistas Brasileiros Debatendo Nilo Batista. No último dia 17 de abril Nilo Batista completou 80 anos de vida.
Em 1990 comecei a lecionar na Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas, ano em que foi publicada a primeira edição do pequeno grande livro “Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro” de Nilo Batista. Quando passei a lecionar direito penal (parte geral) em 1991 adotei a obra - que foi escrita segundo o próprio autor quando seus filhos Carlos Bruce, Maria Clara e João Paulo estavam aprendendo a ler – como uma introdução critica obrigatória ao estudo do direito penal, da criminologia e da política criminal.
O trabalho conforme o próprio autor explica em nota prévia foi originalmente apresentado em 1988 ao concurso para a livre-docência de direito penal da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Da banca fizeram parte o saudoso professor Jair Leonardo Lopes – meu orientador na minha tese de doutorado apresentada na Faculdade de Direito da UFMG sobre reincidência criminal - os professores João Marcello Araújo Jr., Luiz Luisi, René Ariel Dotti e Sérgio do Rego Macedo.
Segundo Nilo Batista o livro “se destina a ser a primeira leitura do estudante de direito penal”. Não é sem razão que logo no primeiro dia de aula recomendava sua leitura, como imprescindível, aos que iniciavam o estudo do direito penal. Contudo, a obra não é somente para os neófitos do direito penal, mas também para todos aqueles que desejam compreender a relação do direito penal com a criminologia e com a política criminal numa perspectiva crítica, progressista, garantista e humanista. Na citada obra o (anti) penalista crítico Nilo Batista faz uma densa análise dos princípios do direito penal, a saber: princípio da legalidade, da culpabilidade, da lesividade, da intervenção mínima, da humanidade etc.
Além da “Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro”, outras obras do Mestre Nilo contribuíram e continuam a contribuir com minha formação acadêmica, tais como “Concurso de Agentes”, “Decisões Criminais Comentadas”, “Punidos e Mal Pagos...” e, mais recentemente, “Direito Penal Brasileiro”, escrito em coautoria com E. Raúl Zaffaroni et. al., “Capítulos de Política Criminal”, “Crimes Contra O Estado Democrático de Direito” (escrito com Rafael Borges) etc., bem como seus inúmeros artigos.
Em seu livro “Capítulos de Política Criminal” (Revan, 2022), especificamente no capítulo intitulado “As penas de um penalista”1 numa homenagem a Roberto Lyra, Nilo Batista, na esteira de Tobias Barreto e Aníbal Bruno, critica o ius puniendi - “estranho direito subjetivo” – na verdade o que existe, alerta o Mestre, “é o poder punitivo, que se manifesta a partir da agência política do sistema penal (o Congresso Nacional quando legisla em matéria criminal), se veicula nos procedimentos de criminalização secundária das agências policiais e judiciárias, e finalmente se realiza nas agências executórias”. Ao falar sobre política criminal, proclama que “entre as sanções jurídicas a pena é certamente a menos fecunda e a mais danosa socialmente”. Mais adiante assevera que “a expansão do sistema penal não é apenas física, no sentido do aumento desordenado do efetivo policial, de seu improvisado adestramento, e da aquisição e manejo de novos equipamentos e novas tecnologias de investigação e vigilância. O pior é a expansão que se dá no plano da subjetividade, das mentalidades. Chama-se policização o processo de condicionamento institucional ao qual são submetidos, principalmente através da prática, alguns operadores do sistema penal...”. Ao final faz o seguinte alerta:
“Preocupam-se muito, futuros juízes, advogados, promotores, defensores públicos, delegados de polícia, diretores ou agentes penitenciários, preocupem-se muito com esta proeminência da criminalização. Ao longo do século XX, sempre que apareceu muita polícia na fotografia, massacres e genocídios silenciosos estavam em curso. Preocupem-se com os aplausos à cena de tortura no filme Tropa de Elite; preocupam-se com este cinema brasileiro que celebra como herói um torturador imbuído de ideais estúpidas sobre a questão das drogas ilícitas”.
Formalmente, não tive a honra de ser aluno do Mestre Nilo Batista, mas as vésperas de completar 60 anos de idade, dos quais mais de 35 dedicados ao estudo do direito penal e a advocacia criminal, ao ler e reler suas valiosas e indispensáveis obras me sinto novamente como aquele jovem estudante que aos 18 anos de idade quando em 1982, através das Lições de Direito Penal de Heleno Cláudio Fragoso (meu primeiro livro de direito penal), imaginava um direito penal comprometido com o respeito à dignidade humana, porém logo percebeu que o sistema penal brasileiro, como bem observou Nilo Batista é marcado pela seletividade, repressividade e estigmatização. Mas que apesar de tudo, vale a pena continuar lutando, pois como disse Heleno Fragoso “Os advogados têm de estar na linha de frente da defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. É esta autêntica responsabilidade histórica que nos cumpre assumir” (Memória de Heleno).2
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1 Aula inaugural dos cursos da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, proferida em 25 de setembro de 2013.
2 Batista, Nilo. Punidos e mal pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio de Janeiro: Revan, 1990.