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Comentários sobre o acordo no processo dos atletas x UFC

O UFC encerrou dois processos antitruste ao concordar em pagar US$ 335 milhões para satisfazer as queixas dos lutadores e agora o acordo completo foi apresentado aos tribunais.

11/6/2024

Introdução

No dia 20/3/24, foi anunciado que os autores das ações1 em ambos os casos antitruste do UFC chegaram a um acordo com o réu (UFC/Zuffa) no valor de US$ 335 milhões.

As perguntas que os lutadores, e o público em geral, têm feito são: quais são os termos do acordo? Haverá alguma alteração em relação aos contratos vigentes? Quais os lutadores envolvidos? O quanto estes lutadores receberão do acordo?

Ademais, existe ainda o questionamento sobre como a cláusula de arbitragem em alguns contratos pode afetar os lutadores.2

Recapitulando: em 16/12/14, um grupo de lutadores apresentou uma queixa em um Tribunal de Nevada, EUA. Esses lutadores, ex-UFCs, eram Cung Le, Nate Quarry e John Fitch. É por isso que o caso é mais conhecido por “Le x Zuffa”, porque Cung Le foi o primeiro nome nele e Zuffa é a empresa controladora do UFC. Depois disso, Kyle Kingsbury, Brandon Vera e Javier Vasquez, também ex-atletas da promoção, acrescentaram seus nomes.3

O que eles alegaram é que o UFC violou a Lei Sherman4 ao tentar intencionalmente monopolizar o setor de artes marciais mistas. Os atletas argumentaram então que o que UFC fez foi algo chamado monopsônio5, o monopólio reverso, onde, ao invés de ser o único vendedor de um produto, eles são o único comprador, nesse caso, os talentos de elite do MMA.

Então, 10 anos depois dessa data, chegamos a um ponto em que temos um acordo. O caso estava a caminho de um julgamento e, então, as duas partes decidiram fazer um acordo e é sobre esse acordo que falaremos agora.

A oficialização do acordo

Ainda há alguns eventos que precisam acontecer para que seja oficializado esse acordo: uma audiência ainda será marcada para que seja obtida uma aprovação preliminar. Por ora, ainda não há uma data exata, que deve ser definida dentro de algumas semanas.

E, ao que tudo indica, o juiz provavelmente aprovará o plano proposto, o que começará uma série de outros eventos. Vejamos.

30 dias após tal aprovação, teremos um administrador do acordo para fornecer avisos por mala direta para a classe do acordo, portanto, os lutadores devem esperar que dentro de 30 dias comecem a ser contatados.

Dentro de 60 dias após a aprovação preliminar, haverá moções para os honorários advocatícios.

75 dias após essa aprovação, os membros da classe do acordo (os atletas) terão a chance de apresentar qualquer objeção ao pedido de honorários advocatícios do advogado da classe do acordo e outras reclamações.

E, então, dentro de 21 dias após esse prazo de objeção de exclusão, os atletas não mais terão a chance de contestar o acordo “por fora”. Portanto, os lutadores terão a chance de contestar o acordo, caso não concordem com ele.

Isso será difícil de ocorrer, pois, basicamente, eles teriam que entrar com seu próprio processo, trazendo seus próprios especialistas para analisá-lo se quisessem processar o UFC em um caso separado se não gostassem do resultado. Portanto, essas são as datas-chave que estão chegando e que serão os eventos que os lutadores devem prestar atenção, mas é improvável que haja alguma mudança significativa em relação ao acordo que foi apresentado, pois tanto os autores quanto os réus aprovaram esse acordo.

Os termos do acordo

Em relação ao acordo especificamente, o que este prevê é um pagamento em dinheiro no valor total de US$ 335 milhões para um fundo de acordo do UFC, que será para o benefício das classes do acordo, de modo que os lutadores que fazem parte da classe serão pagos a partir desse fundo, sendo que todos os lutadores serão pagos a partir de uma soma de 335 milhões de dólares e haverá alguma perspectiva de mudança nos contratos em curso.6

Dentro de três dias após o tribunal conceder a aprovação preliminar, o acordo estipula que o UFC pagaria US$ 100 milhões em uma conta de garantia remunerada para o benefício dos autores da ação. Uma segunda parcela de US$ 100 milhões teria que ser paga até 1/11, e os US$ 135 milhões restantes até 1/4/25.

Um questionamento importante feito em relação aos pagamentos foi se haveria algum reajuste em relação à bolsa do lutador. A resposta é não: uma coisa que acontece em uma ação coletiva como essa, um caso antitruste, é que os danos não aumentam com a inflação. Se você estiver processando por danos no valor de US$ 100.000 ocorridos no passado, quando ganhar, o máximo que poderá obter são esses US$ 100.000 em danos.

Já os advogados estão pedindo 11 milhões de dólares em despesas que pagaram do próprio bolso para o caso e, depois, um terço dos ganhos, os danos do acordo, um terço para cobrir basicamente todos os honorários advocatícios, todas as horas de trabalho, lembrando que estes estavam assumindo todo o risco. Os advogados pagaram US$ 11 milhões a especialistas e outras entidades e estavam trabalhando basicamente de graça nos últimos 10 anos, sendo que o caso envolveu várias firmas e vários advogados, que nada receberiam se o caso tivesse sido perdido.

Em relação à divisão das ações, lembremos que há duas aqui envolvidas: a primeira, que Le ajuizou em 2014, onde há limitação de quatro anos em relação aos contratos envolvidos, sendo que o ajuizamento em 16 de dezembro de 2014 funciona para os quatro anos anteriores, então a classe começa em 16 de dezembro de 2010 e vai até 30 de junho de 2017,

Para a “Ação Le”, são envolvidas todas as pessoas que participaram de um ou mais combates profissionais ao vivo de MMA promovidos pelo UFC que ocorreram ou foram transmitidos nos Estados Unidos de 16 de dezembro de 2010 a 30 de junho de 2017, sendo excluídas da classe Lee todas as pessoas que não são residentes ou cidadãs dos Estados Unidos, a menos que o UFC tenha pago essa pessoa para competir em um combate nos Estados Unidos.

Na “Ação Johnson”7 estão todas as pessoas que competiram em uma ou mais lutas profissionais ao vivo de MMA promovidas pelo UFC que ocorreram ou foram transmitidas nos Estados Unidos de 1º de julho de 2017 até a data da aprovação preliminar do acordo, que ainda não tivemos, excluídas todas as pessoas que não são residentes ou cidadãos dos Estados Unidos, a menos que o UFC tenha pago tal pessoa para competir em uma luta disputada ou transmitida nos Estados Unidos.

A “Ação Le”, como vimos, não exclui não residentes ou não cidadãos americanos. No processo, os atletas alegaram que uma luta transmitida nos Estados Unidos era o mesmo que lutar nos Estados Unidos, que basicamente todos os lutadores da “Ação Le” que os lutadores internacionais que não lutaram nos EUA estariam incluídos. Então, parece que todos estão cobertos.

Ninguém que lutou no UFC durante esse período foi excluído da ação, o que deve ser uma boa notícia para muitos lutadores, como os da Irlanda e do Brasil, que não foram aos EUA para lutar.

Outra previsão do acordo é de que, nos próximos cinco anos, o período de não concorrência nos contratos dos lutadores do UFC será de aproximadamente cinco meses, enquanto anteriormente era de 15 meses. Essas cláusulas restritivas estavam no centro do litígio antitruste.8

A divisão dos valores entre Le e Johnson

Os valores a serem pagos serão divididos na proporção de 75-25.  Isso significa que a “Ação Le” receberá 161,25 milhões para repassar aos lutadores e a “Ação Johnson” receberá US$ 53,75 milhões.

Mas por qual motivo a “Ação Le” está recebendo muito mais? Um dos motivos é que a ação estava mais adiantada, já tendo ultrapassado o obstáculo da certificação da classe.9

Ademais, a “Ação Le” estava à beira do julgamento. Outro fator é que esta ação Le está esperando há mais tempo, tendo os envolvidos sofrido mais danos por causa do atraso.

Mas a razão principal e final, e eles dão essa razão principal, é que um grande número de lutadores da “Ação Johnson” assinou uma cláusula de arbitragem, e essa cláusula dizia que não era possível processar o UFC em um tribunal de contratos, era preciso recorrer a um árbitro e também renunciar ao direito de participar de uma ação coletiva.

Portanto, um grande número dos lutadores abrangidos pelo período abarcado pela ação está excluído de participar de uma ação coletiva. Portanto, a maioria dos lutadores da “Johnson” não pode participar de uma ação coletiva.

E parece que basicamente todos os lutadores atuais do UFC, quase todos os lutadores, assinaram essa renúncia de ação coletiva e, a partir de agora, não haverá pedido de danos adicionais, portanto, em outras palavras, a “Johnson” tinha uma chance muito menor de vencer.

Os pagamentos aos atletas

Os pagamentos serão feitos em da seguinte forma: 75% vão para a “Ação Le” e depois são divididos duas parcelas. A primeira parcela corresponde a 80% do dinheiro da “Le”, os 161,25 estimados agora, mas que podem ser potencialmente mais altos, 129 milhões desse valor irão para a primeira parcela e isso será distribuído com base na participação de cada atleta da “Le” em todas as compensações de eventos obtidas durante o período da “Le”.

Uma maneira simples de calcular isso, na verdade, é usar um lutador cujo os ganhos totais foram revelados no processo, Conor McGregor. McGregor ganhou US$ 27 milhões durante o período de 2010 a 2017. Portanto, esses US$ 27 milhões corresponderiam a cerca de 4,85% do valor total dos ganhos pagos em compensação durante o período da ação. Isso significa que ele receberia 4,85% desses US$ 129 milhões, sendo destinados então cerca de US$ 6 milhões a ele. Basicamente, é assim que todo lutador pode calcular.

Outro método é combinar toda a renda obtida pelo lutador durante o período da “Ação Le” e pegar cerca de 22-23% desse valor. Esse deve ser o valor de sua compensação para essa parcela.

Os outros 20% 32,25 milhões, serão distribuídos com base na participação pro rata de cada atleta envolvido que lutou durante o período da ação, lembrando que há cerca de 3.000 lutas que foram realizadas durante o período.

Dividindo esse valor pelo total, isso significa que um pouco mais de US$ 5.000,00 são dados a cada lutador por cada luta que ele teve durante o período de classe da liga, de 16 de dezembro de 2010 a 30 de junho de 2017.

Considerações finais

Muitos atletas se sentiram decepcionados, no sentido de que muitos esperavam grandes quantias de dinheiro para uma aposentadoria permanente.

Porém se o atleta lutou, não ganhou muito, mas lutou, digamos, cinco vezes em um contrato de 6/6 (seis mil dólares para lutar/seis mil para vencer), é possível que este ganhe de duas a três vezes mais com base nisso.

Para a maioria dos lutadores ainda deve ser uma quantia saudável, uma quantia muito necessária para muitos lutadores que deram suas vidas em prol do esporte.

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1 Cung Le, et al. v. Zuffa, LLC d/b/a Ultimate Fighting Championship and UFC, No. 2:15-cv-01045-RFB-BNW (D. Nev.). e Kajan Johnson, et al. v. Zuffa, LLC, et al., No. 2:21-cv-01189 (D. Nev.).

2 COSTA, Elthon José Gusmão da. Cláusula arbitral e renúncia a direitos trabalhistas nos contratos do UFC. Consultor Jurídico, 31 out. 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-out-31/elthon-costa-clausula-arbitral-renuncia-contratos-ufc/. Acesso em: 8 jun. 2024.

3 Ver mais em: COSTA, Elthon José Gusmão da. A AÇÃO CIVIL DE CLASSE CONTRA O UFC E SEUS NOVOS ANDAMENTOS. Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, 1 dez. 2023. Disponível em: https://ibdd.com.br/a-acao-civil-de-classe-contra-o-ufc-e-seus-novos-andamentos/?v=19d3326f3137.

4 COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023. p. 109-112.

5 FILHO SALOMÃO, Calixto. Direito Concorrencial: as estruturas – 3. Ed. – São Paulo: Malheiros, 2007.

6 MARTIN, Damon. UFC antitrust settlement agreement submitted to the court for approval. MMA FIGHTING, EUA, 5 jun. 2024. Disponível em: https://www.mmafighting.com/2024/6/5/24172462/ufc-antitrust-settlement-agreement-includes-new-contract-provisions-for-fighters. Acesso em: 8 jun. 2024.

7 Que tem esse nome por conta de ter como primeiro membro o ex-UFC Kajan Johnson, que não luta no UFC desde 2018, quando seu contrato expirou. Ele acredita que seu contrato não foi renovado devido ao seu envolvimento no Project Spearhead, uma associação de artistas marciais mistas que busca a sindicalização.

8 Ver mais sobre essas cláusulas em: COSTA, Elthon José Gusmão da. O fim da cláusula de exclusividade em contratos de atletas da luta. Consultor Jurídico, Brasil, 11 maio 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-mai-11/o-fim-da-clausula-de-exclusividade-em-contratos-de-atletas-da-luta/.

9 COSTA, Elthon José Gusmão da. Atletas x UFC: Os novos desdobramentos do processo contra o Ultimate e o possível fim do monopólio no MMA. Lei em Campo, 14 ago. 2023. Disponível em: https://leiemcampo.com.br/atletas-x-ufc-os-novos-desdobramentos-do-processo-contra-o-ultimate-e-o-possivel-fim-do-monopolio-no-mma. Acesso em: 8 jun. 2024.

Elthon Costa
Advogado trabalhista e desportivo. Mestre em Direito Desportivo Internacional. Professor, palestrante e organizador e autor de artigos e livros jurídicos.

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