Os art. 457 e seguintes da CLT abordam a remuneração dos empregados, estabelecendo que "(...) na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário pago diretamente pelo empregador como contraprestação pelos serviços, incluem-se as gorjetas recebidas".
Devido a essa redação, a jurisprudência dos tribunais, especialmente do STJ e dos TRFs, consolidou o entendimento de que, sendo a gorjeta parte da remuneração do empregado ela não poderia ser considerada como faturamento ou receita bruta da empresa, desde que o repasse ao empregado fosse comprovado.
Assim, a exigência de recolhimento de PIS, Cofins, IRPJ e CSLL sobre o valor das gorjetas não se justifica, uma vez que, esses tributos incidem sobre o faturamento ou receita bruta da empresa, e não sobre a remuneração de terceiros.
O STJ possui jurisprudência consolidada de que as gorjetas compulsórias recebidas por funcionários de bares e restaurantes têm natureza salarial. Consequentemente, esses valores não devem ser incluídos nas bases de cálculo do IRPJ - Imposto de Renda Pessoa Jurídica, da CSLL - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, e do PIS/Cofins, uma vez que não constituem faturamento ou lucro das empresas.
Em consonância com essa jurisprudência, a Procuradoria Nacional da Fazenda Nacional editou o parecer SEI 129/24/MF. Este parecer dispensa a apresentação de contestação, contrarrazões e recursos em processos que tratem desse tema, reconhecendo a natureza salarial das gorjetas e, portanto, a impossibilidade de tributação sobre elas.
A Receita Federal do Brasil, com base no parecer supracitado, publicou a Solução de Consulta COSIT 70/24. Esta solução de consulta estabelece que os valores das gorjetas compulsórias podem ser excluídos das bases de cálculo dos seguintes tributos: IRPJ e CSLL apurados com base no regime do lucro presumido; PIS e Cofins apurados no regime cumulativo.
Entretanto, devido à dificuldade prática de o empregador comprovar o repasse efetivo das gorjetas aos empregados, em muitos casos foi exigido o recolhimento dos tributos federais sobre essa parcela remuneratória.
Esse cenário mudou em 2017, com a edição da lei 13.419/17, que disciplinou a divisão das gorjetas entre os empregados em bares, restaurantes, hotéis, motéis e estabelecimentos similares, alterando o art. 457 da CLT.
Entre as mudanças, foi acrescentado o §4º ao artigo mencionado, estabelecendo expressamente que "(...) a gorjeta não constitui receita própria dos empregadores e que destina-se aos trabalhadores".
Com essa alteração legislativa, ficou mais claro que as gorjetas não integram o faturamento ou a receita bruta da empresa empregadora, reiterando a tese já firmada pela jurisprudência nacional, mantendo-se a necessidade de o empregador comprovar o repasse efetivo das gorjetas aos empregados.
No caso específico das empresas optantes pelo Simples Nacional, a Solução de Consulta 191 da Cosit - Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal, de 27/6/14, determinou que "as gorjetas integram a Receita Bruta e não podem ser excluídas da base de cálculo do Simples Nacional, devido à ausência de previsão legal".
Essa conclusão foi baseada no fato de que a LC 123/06, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, excluiu expressamente do conceito de receita bruta apenas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, sem mencionar as gorjetas.
Apesar desse entendimento, ele se tornou obsoleto, especialmente devido à alteração legislativa promovida pela lei 13.419/17. Essa mudança influenciou a proposta do PL 338/17, que visa alterar a LC 123/06 para incluir a exclusão das gorjetas como integrantes da receita bruta na base de cálculo do Simples Nacional.
Em relação ao ICMS, desde 2011, através do Convênio ICMS 125/11, o Estado Rio de Janeiro autorizou a exclusão da gorjeta da base de cálculo do ICMS incidente no fornecimento de alimentação e bebidas promovido por bares, restaurantes, hotéis e estabelecimentos similares.
Em 2013, a Resolução SEFAZ 588/13 do Estado do Rio de Janeiro incorporou à legislação tributária estadual o Convênio ICMS 125/11, que dispõe sobre a exclusão da gorjeta da base de cálculo do ICMS incidente no fornecimento de alimentação e bebidas promovido por bares, restaurantes, hotéis e similares. Neste diapasão, vale indicar o caput do art. 2º:
Art. 2.º O valor correspondente à gorjeta fica excluído da base de cálculo do ICMS incidente no fornecimento de alimentação e bebidas promovido por bares, restaurantes, hotéis e estabelecimentos similares que observarem o disposto nesta Resolução, desde que esta exclusão não seja superior a 10% do valor da conta. (grifo nosso).
Portanto, diante da ausência de disposição expressa para excluir as gorjetas da receita bruta dos estabelecimentos comerciais, a propositura de medida judicial pode eliminar qualquer dúvida sobre a exclusão das gorjetas da base de cálculo dos tributos federais mais relevantes, inclussive do ICMS devido pelas empresas optantes pelo Simples Nacional, proporcionando-lhes maior segurança jurídica para o desempenho de suas atividades e recolhimento de tributos.