Sim, são diferentes! E, para esclarecermos os substanciais diferenças, o tema merece lançar nossos pensamentos para o contencioso de massa vivido nos idos de 2000, quando começávamos a viver a advocacia de volume.
Um clássico exemplo para trazermos à tona essa lembrança foram as longas discussões travadas em torno da limitação dos juros remuneratórios a 12% ao ano. Foram milhares de ações lançadas ao judiciário para tratar sobre o tema. Os Tribunais Estaduais divergiam a respeito do assunto, embora o STJ — e também o STF — já tivessem se posicionado sobre a questão.
Após longos anos de discussões sobre o assunto, os quais acarretaram milhares de demandas ou propostas envolvendo o tema, os Tribunais começaram a caminhar sobre um único sentido de que não caberia a limitação dos juros remuneratórios a 12% ao ano.
Mas, nesse longo caminho, é importante destacar algumas circunstâncias. A primeira, que tomava corpo e forma o Contencioso de Volume, cuja característica era realmente o número de demandas. As ações eram propostas sob orientações de criteriosos advogados, que cuidavam de orientar seus clientes a respeito do risco da demanda, indicando o lugar da batalha – o real domicílio do autor, sendo o consumidor, por sua vez, absolutamente contextualizado sobre as razões pelas quais a demanda era proposta – no caso, a redução dos juros – assim como o risco a ser enfrentado, já que havia divergências sobre o assunto.
A segunda circunstância, é que os Tribunais começaram a olhar o tema não sob a égide de uma demanda única, mas sobre a necessidade de orientar os jurisdicionados de toda aquela discussão que assoberbavam os tribunais.
A terceira circunstância, é que os Tribunais Superiores – STJ e STF – precisavam igualmente ajudar os Tribunais estaduais a pavimentarem as discussões de forma mais dinâmica e assertiva, já que eles mesmos – STJ e STF – já haviam sedimentado a questão.
Anos depois pudemos observar um crescimento da democracia e, por que não dizer, uma vitória de todos. Ganhou o consumidor, porque fizeram as instituições financeiras evoluir na clareza quanto à forma de contratação. Evoluíram gigantescamente os Tribunais, que hoje possuem meios de dirigir assuntos polêmicos através de recursos processuais. Ganharam o STJ e STF a súmula vinculante, que igualmente visa sedimentar assuntos de larga escala no Brasil.
Ganharam todos os advogados que participaram do Contencioso de Volume. Portanto, o Contencioso de Volume tem seu importante e valoroso papel para a jurisdição brasileira, quer para o Consumidor, quer para a Advocacia, quer ainda para os Tribunais. Mas, em rumo oposto, segue a judicialização predatória.
Embora com a singular semelhança quando comparada ao volume de demandas, a judicialização predatória muito se distingue do contencioso de volume. Suas características são marcantes e podemos citar alguns exemplos nefastos: 1) que as demandas protagonizadas por esse caminho (da judicialização predatória) são normalmente buscadas agressivamente no mercado por captadores ou até mesmo empresas de captação; 2) na sequência dessa busca, há uma falsa promessa de ganho de demanda, sem maior contextualização do consumidor sobre as razões pelas quais ele buscará o judiciário; 3) ainda nesse viés, é comum encontrar consumidores que sequer saibam da existência de demanda; 4) nessa mesma linha, os que conhecem da existência da demanda, desconhecem as razões do seu mérito/pedido; 5) há demandas que visam a nulidade da contratação sob o fundamento de inexistência de relação jurídica, enquanto o contrato foi regularmente assinado – quando dito isso por ocasião da contestação, os autores desistem da demanda; 6) por vezes carregam documentos fraudados acostados a sua inicial; 7) os consumidores não comparecem às audiências de conciliação; 8) sequer relatam ao consumidor quais os benefícios econômicos pretendem de fato com a demanda proposta; 9) as demandas, não raramente, revelam interesses apenas a seu patrono, que visam buscar apenas a condenação em sucumbência (exemplo disso é a exibição de documentos, os quais poderiam ser facilmente entregues na via administrativa).
Nos simplórios exemplos dados – cerca de 9 citados – as características mencionadas se distanciam muito do contencioso de volume. E sim, são graves as questões que norteiam a judicialização predatória. E não é difícil imaginar que (com tais características) a judicialização predatória em nada soma com o estado democrático de direito; em nada contribui com os cuidados devidos ao consumidor; em nada favorece a advocacia; em nada ajuda os Tribunais; enfim, não há qualquer benefício, quer à sociedade, quer ao jurisdicionado.
Derradeiramente, muito tem sido feito para coibir a judicialização predatória. Todavia, a meu sentir, a maior arma que se tem em face da judicialização predatória é exatamente o advogado. Este, quando atento aos seus inegociáveis direitos, seguirá firme na orientação do seu cliente (consumidor) orientando-o ao ingresso ou não de uma demanda, assim como esclarecendo os riscos da demanda proposta. Somente ele (o advogado) é quem poderá legitimar o interesse de seu cliente.
Por outro lado, se ele (advogado) renunciar à sua prerrogativa de analisar a causa do seu cliente, sem escutá-lo, sem saber da real modalidade de sua contratação, sem acautelar-se dos riscos da demanda antes de lançá-la ao judiciário, permitirá que fique aberta a porta da judicialização predatória, situação que vem causando forte desconforto, para não dizer imenso prejuízo a todos os envolvidos. Sigamos, portanto, firmes na valorização do contencioso de volume, mas repulsivos às demandas predatórias.