Migalhas de Peso

A abusividade da negativa dos procedimentos bariátricos

São inúmeros os questionamentos acerca da obrigatoriedade de cobertura da cirurgia bariátrica e de procedimentos reparadores pela operadora de saúde. O assunto merece análise sobre os direitos garantidos aos beneficiários e os requisitos mínimos para cobertura.

5/6/2024

Não é novidade que a OMS - Organização Mundial de Saúde e entidades de saúde do mundo todo há anos reconhecem a obesidade como doença crônica multifatorial, definido como acúmulo anormal ou excessivo de gordura no corpo.

A prevalência de obesidade teve crescimento exponencial de forma global, sendo indiscutível atualmente se tratar de questão de saúde pública.

Seguindo a única trilha possível diante da necessidade apresentada pela população, desde 1999 a ANS estabeleceu no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde o procedimento de Gastroplastia, também denominado cirurgia bariátrica, como cobertura obrigatória aos planos regulamentados, ou seja, contratados a partir de 1/1/99.

Atualmente o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, regulamentado pela RN 465/21, prevê os requisitos mínimos para cobertura de gastroplastia por videolaparoscopia, estabelecidos na denominada DUT - Diretriz de Utilização, contidas no Anexo II, Item 27, apresentando critérios como idade, IMC - índice de massa corpórea, dentre outras características comumente analisadas pelos planos de saúde.

As situações não abrangidas pelas Diretrizes de Utilização da ANS, via de regra, são qualificadas pelas operadoras de planos de saúde como procedimentos de cunho estético, e na grande maioria dos casos merece melhor análise, sendo patente que a indicação médica embasada no quadro clínico do paciente deve sobrepujar os contratos e disposições da ANS, privilegiando o direito fundamental à saúde.

O judiciário com olhar atento acerca do tema se posiciona no sentido de serem nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas abusivas ou que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, devendo ser reconhecido o direito à cobertura de cirurgia bariátrica e procedimentos reparadores quando indicados pelo médico, cabendo análise acerca do prejuízo de ordem moral causado e seu ressarcimento.

CASOS FORA DA DIRETRIZ DE UTILIZAÇÃO (DUT) E DURANTE O PERÍODO DE CARÊNCIA OU COBERTURA PARCIAL TEMPORÁRIA (CPT)

Importa enfatizar que embora a agência reguladora apresente as condições para a obrigatoriedade de cobertura pelos planos de saúde, é evidente que a necessidade dos pacientes não se esgota nos critérios mínimos listados pela ANS.

Esse é um ponto a merecer atenção: a condição clínica de cada paciente é única e pode apresentar a indicação cirúrgica pelos mais variados motivos, doenças associadas, riscos e condições multifatoriais não contempladas no rol de caráter exemplificativo da ANS, no entanto, a realidade observada é que os casos não enquadrados nas mencionadas diretrizes, em regra, recebem negativa da operadora de saúde sob a justificativa de se tratar de cirurgia de cunho estético.

O STJ possui entendimento de que “o plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica indicada por profissional habilitado na busca da cura. Desse modo, entende-se ser abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento, medicamento ou procedimento imprescindível, prescrito para garantir a saúde ou a vida do beneficiário." Precedentes (AgInt no AREsp 1.661.348/MT, rel. ministro Raul Araújo, 4ª turma, julgado em 24/8/20, DJe de 15/9/20).

Nesse compasso, a jurisprudência coaduna com o entendimento externado nesse artigo, no sentido de que o médico responsável pelo acompanhamento clínico do paciente é quem detém condições de indicar o tratamento mais adequado ao caso específico, não competindo mera análise dos requisitos previstos no Rol da ANS.

Outra motivação recorrente dos planos de saúde para negativa do procedimento é a alegação de cumprimento do prazo contratual de carência ou de CPT - Cobertura Parcial Temporária.

A CPT distingue-se do tradicional período de carência, pois é estabelecida em contrato quando o beneficiário é portador de doença preexistente no ato da contratação do plano de saúde, ou seja, ao contratar o plano, o beneficiário é informado acerca da diferença entre o início dos prazos para utilização do plano no que concerne à enfermidade de que já é portador.

Conforme a Resolução Normativa 558/22, o prazo máximo de Cobertura Parcial Temporária é de 24 meses, período no qual contratualmente o plano não possuiria obrigação de cobertura de procedimentos de alta complexidade, leitos de alta tecnologia e procedimentos cirúrgicos, desde que relacionados exclusivamente às doenças ou lesões preexistentes.

Contudo, aceitar tal previsão em caráter inflexível poderia acarretar riscos irreparáveis aos beneficiários dos planos de saúde. O contrato de seguro de assistência médico-hospitalar possui a finalidade de garantir a saúde do beneficiário contra eventos futuros e incertos, razão pela qual em observância ao art. 35-C da lei 9.656/98, aos princípios da dignidade da pessoa humana e da garantia à vida e à saúde, o judiciário sedimentou entendimento acerca da abusividade da negativa nos casos atestados como urgência e emergência, ainda que em cumprimento dos prazos de carência e/ou CPT.

COBERTURA DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO REPARADOR PÓS-BARIÁTRICA

Outro assunto muito questionado gira ao redor da obrigatoriedade da operadora em custear as denominadas cirurgias reparadoras, não só, mas comumente realizadas em pacientes submetidos à realização de cirurgia bariátrica com indicação de reparar questões anatômicas e de ordem funcional que impactem diretamente na saúde e qualidade de vida.

Embora massivamente as operadoras não autorizem referido procedimento sob a alegação de cunho meramente estético, a negativa de cirurgias reparadoras também possui caráter abusivo, considerando ser parte integrante do tratamento de obesidade e medida essencial à recuperação integral do paciente.

Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça fixou teses sobre a obrigatoriedade de cobertura das cirurgias plásticas reparadoras, e, nas situações em que houver dúvidas justificadas sobre o caráter estético do procedimento, deverá o plano de saúde convocar junta médica às suas expensas para dirimir a controvérsia técnica.

CONCLUSÃO

A linha intelectiva tratada no presente artigo conduz à conclusão de que tanto a medicina quando o judiciário, consolidaram o posicionamento de que a cirurgia bariátrica e os procedimentos cirúrgicos reparadores não possuem necessariamente caráter estético, cabendo ao médico assistente do paciente indicar sua realização para tratamento da obesidade ou doenças relacionadas.

Conclui-se que cada caso deve ser analisado sob o aspecto legal, incluindo as avenças ainda em período de carência ou CPT, sob a condição de haver urgência comprovada da necessidade para realização do procedimento.

A negativa das operadoras pode causar danos irreparáveis à saúde dos pacientes e de natureza moral que podem ser evitados ou minimamente compensados através da tutela judicial.

Maria Fernanda Geiger Alonso
Advogada. Especialista em Direito Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduanda em Direito Médico e Bioética pela PUC Minas.

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