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Da responsabilidade do fiduciário pela dívida condominial na alienação fiduciária de bem imóvel

O STJ faz audiência pública para tentar definir a responsabilidade de fiduciário e fiduciante pelo pagamento de despesas condominiais devidas durante o prazo contratual da alienação fiduciária.

4/6/2024

Na segunda-feira (3/6) será realizada a audiência pública convocada pelo Ministro Antonio Carlos Ferreira, Relator do Resp. 1.929.926/SP afetado pela 4ª turma à Segunda Seção do STJ para pacificação do tema e “formar precedente, embora não qualificado como repetitivo, sobre a (im)possibilidade de penhora do imóvel objeto de alienação fiduciária em garantia no curso de execução de débitos condominiais”.

Cumpre ressaltar que o ministro Antonio Carlos Ferreira, antes da magistratura, foi advogado e diretor jurídico da Caixa Econômica Federal, participou dos estudos e elaboração da lei 9.514/97, assim como da implantação da alienação fiduciária em garantia no mercado de crédito imobiliário e desponta como especialista na matéria, de forma que a audiência proposta denota a adoção de um interessante viés democrático na análise e enfrentamento da controvérsia jurídica.

O quadro de entidades habilitadas – siglas representativas dos diferentes setores envolvidos (AABIC, ABADI, ABMI, FEBRABAN, ANACON, SECOVI, ABECIP, ABRAINC, SIPCES e SECOVI) – e a destacada qualificação profissional dos nomeados para a representação confirmam a relevância econômica e social da questão controvertida.

No mérito, o Tribunal pretende firmar entendimentos acerca da responsabilidade – temporal e patrimonial – do credor fiduciário e do fiduciante pelo pagamento das despesas condominiais e, consequentemente, das demais despesas de natureza propter rem, devidas no decurso do prazo contratual de financiamento, empréstimo ou parcelamento de preço.

Do ponto de vista temporal, está assentado que a obrigação de pagamento dessas despesas e encargos durante a vigência do contrato de alienação fiduciária é do fiduciante – assim o determina o § 8º do art. 27 da lei 9.514/97. De igual forma, indiscutível que a obrigação de pagamento dos encargos devidos até a data da contratação é, evidentemente, do fiduciário, assim como os valores incidentes a partir da data da imissão na posse direta do bem por efeito de realização da garantia, conforme dispõem o art. 1.336, I e o parágrafo único do art. 1.368-B do Código Civil vigente.

Não há dúvida, também, de que os valores relativos aos encargos do imóvel, assim considerados “os prêmios de seguro e os encargos legais, inclusive tributos e contribuições condominiais” que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, atribuídos ao fiduciante e não pagos, serão apurados para a composição do valor total da dívida garantida pela alienação fiduciária e para a determinação do valor mínimo de venda do imóvel em segundo leilão, de forma que serão – sempre – suportados direta ou indiretamente pelo fiduciante.

A controvérsia, portanto, reside – exclusivamente – na determinação da parte legitimada como réu das ações de cobrança e execução e da responsabilidade patrimonial dos contratantes.

O art. 23 da lei 9.514/97 dispõe que o registro do contrato serve de título para a constituição da propriedade fiduciária.

Do registro do contrato alienação fiduciária de bem imóvel “emergem direitos reais concorrentes, antagônicos e indissociáveis: a propriedade fiduciária – que se consubstancia na transmissão da propriedade resolúvel e da posse indireta ao credor fiduciário – e o direito real de aquisição que defere ao fiduciante, mantido na posse direta, o direito de reaver a propriedade do bem mediante pagamento da dívida contraída”1.

Portanto, a alienação fiduciária em garantia torna o fiduciário titular da propriedade resolúvel e possuidor indireto da coisa e o fiduciante possuidor direto e titular do direito real de reaquisição do bem.

O Código Civil, ao tratar do condomínio edilício, dispõe no art. 1.345 que “o adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios”, atribuindo a responsabilidade do pagamento de dívidas condominiais ao titular do direito real, isto é, ao proprietário do bem imóvel, independentemente de qualquer limitação legal ou contratual.

A redação original da lei 9.514, de 20/11/97 não trouxe dispositivos para determinar obrigações ou responsabilidades pelo pagamento de despesas condominiais, tributos e demais encargos incidentes sobre o imóvel objeto da garantia, ficando tais questões a cargo das cláusulas e condições contratuais.

 No entanto, já no primórdio houve a inclusão do parágrafo 8º ao art. 27 da lei (inicialmente pela Medida Provisória 2.223/01, depois pela lei 10.931/04) para dispor sobre a responsabilidade – contratual – do fiduciante “pelo pagamento dos impostos, taxas, contribuições condominiais e quaisquer outros encargos que recaiam ou venham a recair sobre o imóvel, cuja posse tenha sido transferida para o fiduciário, nos termos deste artigo, até a data em que o fiduciário vier a ser imitido na posse”.

Recentemente, norma de idêntico teor foi incluída ao art. 24 da lei pela Medida Provisória 1.162/23, convertida na lei 14.620/23 e derrogada pela lei 14.711/24 – denotando a preocupação das instituições de crédito imobiliário com a matéria, com a seguinte redação:   

§ 2º  Nos contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária em garantia, caberá ao fiduciante a obrigação de arcar com o custo do pagamento do IPTU incidente sobre o bem e das taxas condominiais existentes.      

Posteriormente, por influência direta das entidades representativas do crédito imobiliário, a lei 13.043/14 incluiu ao Código Civil o art. 1368-B e seu parágrafo único dispondo sobre a responsabilidade dos contratantes de alienação fiduciária em relação às despesas consideradas propter rem e para determinar que o credor fiduciário “passa a responder pelo pagamento dos tributos sobre a propriedade e a posse, taxas, despesas condominiais e quaisquer outros encargos, tributários ou não, incidentes sobre o bem objeto da garantia, a partir da data em que vier a ser imitido na posse direta do bem.”

A redação propositalmente confusa da norma teve a pretensão de afastar a responsabilidade das instituições financeiras pela responsabilidade ou pagamento – principalmente – das quotas condominiais inadimplidas durante a constância do contrato de financiamento imobiliário, para que fossem exigidas pelos condomínios diretamente dos fiduciantes em ações de cobrança próprias.

Submetida a questão ao Judiciário emergiu a decisão relatada pela ministra Nancy Andrighi, no Resp 2.036.289/RS, tornada paradigmática e fundada no seguinte entendimento:

“41. Desse modo, quando o art. 1.345 do CC/02 atribui a responsabilidade pelo pagamento dos débitos condominiais ao titular de direito real, é evidente que a norma objetiva, na maioria das vezes, responsabilizar o proprietário, com o fim de que ao menos o imóvel possa servir para a satisfação do crédito, pois necessariamente integra o seu patrimônio.

42.Não obstante, é perfeitamente possível que o legislador atribua essa responsabilidade a outro sujeito que não o proprietário, com a finalidade de privilegiar outros interesses em detrimento do condomínio, como fez nos arts. 1.368-B, parágrafo púnico do CC/02 e 27, § 8º, da lei 9.514/97, atribuindo-a ao devedor fiduciante enquanto na posse direta do imóvel alienado fiduciariamente, resguardando principalmente a garantia do credor fiduciário.

43. De fato, ao prever que o devedor fiduciante responde pelas despesas condominiais, a norma estabelece que seu patrimônio é que será usado para a satisfação do referido crédito, não incluindo, portanto, o imóvel alienado fiduciariamente, que integra o patrimônio do credor fiduciário.

44. Por essa razão, na espécie, aplica-se a tese de que “não se admite a penhora do bem alienado fiduciariamente em execução promovida por terceiros contra o devedor fiduciante, haja vista que o patrimônio pertence ao credor fiduciário, permitindo-se, contudo, a constrição dos direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária” (Resp 1.677.079/SP, 3ª turma, DJe 1/10/18).”  (Grifo do autor)

Dessa forma, a confusa redação da norma cumpriu seu papel diversionista visto  que não há no aludido dispositivo qualquer previsão de responsabilidade do fiduciante pelas despesas condominiais (o que não se confunde com a obrigação contratual de pagamento dessas despesas), assim como, a tese mencionada não admite a penhora do imóvel exclusivamente em execução promovida por terceiros contra o devedor fiduciante (o que também não se confunde com a penhora resultante de ação de cobrança de despesas condominiais, de natureza propter-rem).

Finalmente, no final do ano passado, em julgamento do Resp 2.059.278/SC a 4ª turma retornou a questão aos seus trilhos certos ao decidir pela possibilidade de penhora do bem imóvel alienado fiduciariamente, tendo em vista a natureza da dívida condominial.

Com extrema clareza o voto vencedor que deu provimento ao recurso, proferido pelo ministro Raul Araújo e acompanhado pelos ministros João Otávio de Noronha, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira afastou a negativa de penhora decorrente das decisões anteriores, reconhecendo que a solução anterior não se ajusta quando o credor é o próprio condomínio:

“É que relativamente ao próprio condomínio-credor, dada a natureza propter rem das despesas condominiais, nos termos do art. 1.345 do CC/02, haverá necessidade de se promover a citação, na ação de execução, também do credor fiduciário no aludido contrato para que venha integrar a lide, possibilitando ao titular do direito previsto no contrato de alienação fiduciária quitar o débito condominial existente e, em ação regressiva, tentar obter do devedor fiduciante o retorno desses valores.”  

No mesmo sentido e com a mesma clareza dispõe a ementa oficial do acórdão:

  1. As normas dos arts. 27, § 8º, da lei 9.514/97 e 1.368-B, parágrafo único, do CC/02, reguladoras do contrato de alienação fiduciária de coisa imóvel, apenas disciplinam as relações jurídicas ente os contratantes, sem alcançar relações jurídicas diversas daquelas, nem se sobrepor a direitos de terceiros não contratantes, como é o caso da relação jurídica entre condomínio edilício e condôminos e do direito do condomínio credor de dívida condominial, a qual mantém sua natureza jurídica propter rem.
  2. A natureza propter rem se vincula diretamente ao direito de propriedade sobre a coisa. Por isso, se sobreleva ao direito de qualquer proprietário, inclusive do credor fiduciário, pois este, na condição de proprietário sujeito à uma condição resolutiva, não pode ser detentor de maiores direitos que o proprietário pleno.
  3. Em execução por dívida condominial movida pelo condomínio edilício é possível a penhora do próprio imóvel que dá origem ao débito, ainda que esteja alienado fiduciariamente, tendo em vista a natureza da dívida condominial, nos termos do art. 1.345 do CC/02.
  4. Para tanto, o condomínio exequente deve promover também a citação do credor fiduciário, além do devedor fiduciante, a fim de vir aquele integrar a execução para que se possa encontrar a adequada solução para o resgate dos créditos, a qual depende do reconhecimento do dever do proprietário, perante o condomínio, de quitar o débito, sob pena de ter o imóvel penhorado e levado à praceamento. Ao optar pela quitação da dívida, o credor fiduciário se sub-roga nos direitos do exequente e tem regresso contra o condômino executado, o devedor fiduciante.
  5. Recurso especial provido.

Apesar da precisão, nos parece que a ementa merece alguns reparos quanto ao disposto no parágrafo final. Pelo que se depreende, ao contrário do que ali consta, o condomínio exequente deve promover a citação do credor fiduciário e proprietário do imóvel (condômino e réu) e, também, do fiduciante (litisconsorte necessário passivo). Na condição de proprietário e condômino o credor fiduciário deverá efetuar o pagamento da dívida, sub-rogando-se nos direitos do condomínio exequente, inclusive ao direito de regresso contra o fiduciante, sob pena de praceamento do imóvel, inexistindo a “opção pela quitação da dívida” ali tratada.

Pelo exposto, entendemos pela possibilidade de penhora em execução de dívida condominial de imóvel objeto da garantia fiduciária, devendo o proprietário fiduciário (credor) ser citado para a ação, juntamente com o fiduciante (litisconsorte necessário passivo).

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1 Rocha, Mauro Antônio. Alienação Fiduciária de bem imóvel: da supergarantia do crédito imobiliário ao big mac dos negócios financeiros. São Paulo: Editorial Lepanto, 2021, p. 95.

Mauro Antônio Rocha
Advogado especializado em Direito Imobiliário, Notarial, Registral, Crédito e Garantias Imobiliárias. Presidente da AD NOTARE - Academia Nacional de Direito Notarial e Registral.

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