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As novas contribuições sociais do importador – Aspectos legais e constitucionais da MP n.º 164/04

No primeiro mês do ano de 2004 começam a surgir os resultados da Reforma Tributária que, contrariamente ao que previa o Governo Federal, aumentou a carga fiscal das empresas. Com a publicação da Medida Provisória n° 164 (“MP 164/04”), em 29 de janeiro de 2004, foram instituídas as novas contribuições sociais do importador, quais sejam, a Contribuição para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público incidente na importação e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo importador de bens estrangeiros ou serviços (“PIS/PASEP-Importação” e “Cofins-Importação”).

23/3/2004

 

As novas contribuições sociais do importador – Aspectos legais e constitucionais da Medida Provisória n.º 164/04

 

Fabiola Cassiano Keramidas*

No primeiro mês do ano de 2004 começam a surgir os resultados da Reforma Tributária que, contrariamente ao que previa o Governo Federal, aumentou a carga fiscal das empresas. Com a publicação da Medida Provisória n° 164 (“MP 164/04”), em 29 de janeiro de 2004, foram instituídas as novas contribuições sociais do importador, quais sejam, a Contribuição para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público incidente na importação e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo importador de bens estrangeiros ou serviços (“PIS/PASEP-Importação” e “Cofins-Importação”).

 

Trata-se de “novas” contribuições que incidirão sobre a importação de bens e serviços, às alíquotas de 7,6% para a Cofins e 1,65% para o PIS/PASEP, percentuais, portanto, coincidentes com àqueles previstos para as mesmas contribuições cobradas na forma não cumulativa, previstos nas Leis nº 10.637/03 e 10.833/03.

 

A intenção do presente estudo é apresentar os controversos aspectos legais e constitucionais da MP 164/04 que podem levar ao questionamento das "novas" contribuições perante o Poder Judiciário.

 

Inconstitucionalidade em virtude da afronta ao principio constitucional da isonomia

 

O princípio da isonomia está previsto no artigo 150, inciso II, da Constituição Federal de 1988 (“CF/88”), e determina: “...é vedado à União, Estados e Municípios: II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente...”

 

Neste sentido e de acordo com este mandamento, as empresas que possuírem a mesma atividade, sem qualquer discrímen que justifique um tratamento diferenciado, devem ser tratadas de forma idêntica, sob pena de inconstitucionalidade.

 

Conforme mencionado, as alíquotas das contribuições ao PIS-Importação e Cofins-Importação são, respectivamente, 1,65% e 7,6%, as mesmas aplicáveis às contribuições ao PIS e Cofins recolhidos na forma não cumulativa. Entretanto, a sua aplicação nos termos da MP 164/04 trata de forma diversa pessoas jurídicas que exercem atividade similar.

 

De acordo com o artigo 151 , da MP 164/04, apenas as pessoas jurídicas que estiverem submetidas ao recolhimento não cumulativo do PIS e Cofins possuirão crédito em relação às importações sujeitas ao recolhimento das “novas” contribuições do importador.

 

Isto é, aqueles contribuintes que estiverem no sistema cumulativo previsto na Lei nº 9.718/98, não terão direito ao crédito e, portanto, sofrerão sensível aumento da carga tributária. Tal conclusão decorre da total impossibilidade do creditamento, que permitiria o lançamento dos valores gastos com as contribuições ora analisadas no custo das empresas.

 

Já os que estiverem no sistema não cumulativo, poderão se creditar integralmente do valor recolhido, o que significa que não sofrerão aumento de carga tributária, mas apenas alterarão o momento de recolhimento das contribuições ao PIS e Cofins. Isto porque neste caso haverá apenas antecipação de tributo. O recolhimento das contribuições já devidas ao PIS e Cofins, ao invés de ocorrer mensalmente, ocorrerá quando da importação dos bens e serviços2 .

 

Logo, para alguns contribuintes (sistema cumulativo) existirão novas contribuições, para outros (sistema não cumulativo) apenas antecipação de contribuições sociais já existentes. Do que se conclui que não haverá aumento de carga tributária para alguns contribuintes, enquanto outros, em idêntica situação, suportarão todo o ônus das novas exações.

 

Importa esclarecer, ainda, que a alíquota é a mesma para quaisquer das formas de pagamento ordinário das contribuições ao PIS e Cofins (cumulativa ou não). Não há critério que compense os que já possuem a cadeia onerada pelo recolhimento cumulativo. Assim, a diferença de tratamento é evidente e não possui qualquer fundamento jurídico, inexistindo discrímen que justifique a diferenciação.

 

Do Transporte

 

Outra questão atinente ao princípio da isonomia refere-se à exclusão, da base de cálculo destas novas contribuições, do custo do transporte internacional3 , pois quando se trata de transporte nacional, não há qualquer previsão de dedução. Com isso, há diferença entre as formas de transporte, sendo que o transporte nacional não pode ser deduzido da base de cálculo das contribuições sociais, enquanto o internacional pode.

 

Das Operações de Leasing

 

O princípio da isonomia também derrapa quando o assunto é operação de leasing de mercadorias. É sabido que as operações de leasing de bens nacionais não são tributadas pelas contribuições sociais, até porque constituem despesas e não receitas, razão pela qual estão fora do campo de incidência destas contribuições. A tributação apenas incide sobre as receitas decorrentes do arrendamento mercantil, mas as contribuições não incidem sobre o valor dos bens.

 

Entretanto, no caso de empresas que realizam leasing com bens importados haverá incidência das “novas” contribuições. Isto porque a incidência destas se dá em razão da entrada do bem no país. Tendo em vista que a intenção da norma era justamente igualar os produtos nacionais e importados, não se pode admitir o tratamento diferenciado sem qualquer justificativa. Outro argumento é que o leasing não é aquisição de bem, mas locação.

 

Da Utilização de Bens para Aumento de Capital

 

Da mesma forma que as operações de leasing, acima citadas, a utilização de bem para aumento de capital, quando o este é nacional, não implica em aumento da carga tributária, o que ocorre se a integralização for realizada com bem proveniente do exterior. Estas conseqüências decorrem do tratamento genérico dado pela MP 164/04 à importação de bens.

 

Ocorrência de Distorção da Base de Cálculo

 

O artigo 7º, da MP 164/04, trata da base de cálculo das “novas” contribuições e determina, em seus incisos I e II5 , a inclusão de outros tributos – ICMS, ISS, IPI, e das próprias contribuições - no valor que servir de base para o cálculo das exações.

 

Esta determinação obriga o contribuinte a recolher tributo sobre tributo, e acaba por distorcer a base de cálculo das contribuições que deixam de ser apenas o valor da operação de importação - mercadoria ou serviço - para alcançar valores que não estão relacionados ao fato gerador dos tributos.

 

Além disso, não se pode olvidar o fato de o IPI ser um tributo extrafiscal e, por isso, pode ser alterado por simples ato do Executivo, o que significa que sua inclusão na base de cálculo pode gerar distorções desproporcionais nas contribuições.

 

Em via reflexa esta determinação torna as contribuições do importador também extrafiscais, posto que serão atingidas diretamente, em sua regra matriz de incidência, pelas alterações do IPI. Contudo, deve-se considerar que não há previsão constitucional que permita a extrafiscalidade destas contribuições que, em princípio, visam apenas onerar as operações de importação.

 

Nova contribuição social

 

A MP 164/04 instituiu as “novas” contribuições sociais como se fossem espécies do PIS e Cofins. Entretanto, as contribuições ao PIS e Cofins, regidas pelas Leis nº 9.718/98, 10.637/02 e 10.833/03, não podem ser confundidas com os chamados PIS-Importação e Cofins-Importação e esta impossibilidade está na própria regra matriz de incidência tributária, que determina os aspectos do tributo.

 

Como se verifica da análise da MP 164/04, a base de cálculo das contribuições do importador é o valor das importações de mercadorias e serviços. Já as contribuições ao PIS e Cofins “regulares” possuem, como base de cálculo, a totalidade de receitas auferidas pelas empresas. A distinção das bases é inegável.

 

Da mesma forma, os fatos geradores das contribuições são diferentes. No caso das “novas” contribuições, é preciso a importação de mercadorias ou serviços, enquanto em se tratando das contribuições já existentes, a entrada de receitas. Isto é, enquanto uma contribuição incide sobre o custo/despesa, a saída de caixa para o pagamento da importação, a outra tributa a receita, a entrada de caixa na empresa. Logo, os fatos geradores são antagônicos e, conseqüentemente, diferente o aspecto material.

 

Não há, portanto, coincidência entre as contribuições, sendo certo que até mesmo a fundamentação constitucional das contribuições do importador - Artigo 195, inciso IV - diverge das contribuições sociais ao PIS e Cofins “regulares” - Artigo 195, inciso III.

 

Entretanto, a MP 164/04, ao nomear as novas contribuições e possibilitar o creditamento, tenta identificá-las com as contribuições já existentes para o PIS e Cofins, sem considerar suas diferenças essenciais e ignorando o artigo 4º do Código Tributário Nacional6.

 

Da Necessidade de Lei Complementar

 

Questão sempre debatida nos tribunais em razão da insistência dos governantes em instituir todos os tributos por meio de medidas provisórias é a necessidade de obediência ao artigo 146, inciso III, da Constituição Federal7 .

 

De acordo com o dispositivo constitucional os fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes devem ser determinados por lei complementar e não por lei ordinária. Nestes termos, menos ainda por medida provisória que, quando convertida, transforma-se em lei ordinária.

 

Dos Serviços Tributados

 

No que se refere aos serviços tributados, permanecem algumas dúvidas já verificadas em outros tributos como o Imposto Sobre Serviços - ISS.

 

De acordo com o artigo 1º, da MP 164/04, serão tributados os serviços provenientes do exterior que forem prestados por pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior que forem executados (i) no Brasil ou (ii) no exterior, mas com resultado no Brasil.

 

A grande dúvida que permanece também em outros tributos está justamente na definição do que pode ser considerado como resultado do serviço e de quando o serviço pode ser considerado efetivamente prestado. Estes conceitos importam sobremaneira, pois, dependendo do momento em que ocorrer o resultado do serviço, pode-se considerar o tributo devido para um país ou para outro, sob pena de bitributação.

 

Conclusão

 

À guisa de conclusão cumpre ressaltar, em apertada síntese, que a MP 164/04 criou novas contribuições, totalmente independentes das já existentes contribuições sociais ao PIS e Cofins e não alcançou o objetivo de conferir tratamento isonômico entre os contribuintes, como era sua intenção. Ao contrário, aumentou a carga tributária daqueles que realizam o recolhimento pelo sistema cumulativo, já onerados pela larga escala da cadeia produtiva e apenas antecipou as contribuições pagas por aqueles que se encontram no sistema não cumulativo, ao possibilitar o creditamento integral dos valores pagos.

 

Tamanha discrepância entre os objetivos da medida e o texto apresentado à votação cria situações inaceitáveis que, se não sanadas, certamente acabarão por ser resolvidas no judiciário, aumentando ainda mais a morosidade do sistema.

 

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1“Art. 15 - As pessoas jurídicas sujeitas à apuração da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS, nos termos do arts. 2º e 3º das Leis nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002 e 10.833, de 2003, poderão descontar crédito, para fins de determinação dessas contribuições, em relação às importações sujeitas ao pagamento das contribuições de que trata o art. 1º desta Medida Provisória...:”

2Medida Provisória 164/04 - Artigo 13 - “As contribuições de que trata o art. 1º serão pagas: I - na data do registro da declaração de importação, na hipótese do inciso I do caput do art. 3º; II - na data do pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa, na hipótese do inciso II do caput do art. 3º; III - na data do vencimento do prazo de permanência do bem no recinto alfandegado, na hipótese do inciso III do art. 4º.”

3Medida Provisória 164/04 - Artigo 2º - “As contribuições previstas no art. 1º não incidem sobre: (...) X - o custo do transporte internacional e de outros serviços, que tiverem sido computados no valor aduaneiro que serviu de base de cálculo da contribuição.”

4Estas operações deverão observar as regras específicas do regime aduaneiros especial e contar com a suspensão do pagamento do tributo, conforme determina o artigo 14,da Medida Provisória nº 164/04, que dita “As normas relativas à suspensão do pagamento do imposto de importação ou do IPI vinculado à importação, relativas aos regimes aduaneiros especiais, aplicam-se também às contribuições de que trata o artigo 1º.”

5Medida Provisória 164/04 - Artigo 7º - A base de cálculo será: I - o valor aduaneiro que servir ou que serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido do montante desse imposto, do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS devido e do calor das próprias contribuições, na hipótese do inciso I do caput do art. 3º; ou II - o valor pago, creditado, entregue, empregado ou remetido para o exterior, antes da retenção do imposto de renda, acrescido do Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza - ISS e do valor das próprias contribuições, na hipótese do inciso II, do caput do art. 3º.”

6Código Tributário Nacional - artigo 4º - A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a denominação e demais características formais adotadas em lei; II - a destinação legal do produto de sua arrecadação.”

7Constituição Federal/88 - artigo 146 - Cabe à lei complementar: (...) III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributarias, especialmente sobre: a) a definição de tributos e de suas espécies, bem como em relação aos impostos discriminados nesta constituição, a dos respectivos fatos geradores, base de cálculo e contribuintes;”

 

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* Advogada do escritório Stuber - Advogados Associados e membro do Conselho Consultivo da APET/SP

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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