O anteprojeto de Revisão do CC, elaborado por comissão de juristas nomeada pelo presidente do Senado Federal, é adequado e necessário para assegurar a contemporaneidade ao CC — e para manter sua relevância normativa para o futuro, evitando a obsolescência.
Os primeiros códigos civis foram obras do século 19. Era a sociedade que Thomas Mann descreve em sua "A Montanha Mágica". A lenta temporalidade no alto da montanha, a que se agarrava aquele século retratado nos pacientes do sanatório Berghof, não era a mesma vivida na "planície", que já se lançava à velocidade do século 20. Ainda mais arrebatadora é a velocidade do século 21, a se impor ao direito. O Anteprojeto de Revisão do CC que foi apresentado ao Senado busca enfrentar, com prudência e responsabilidade, esse desafio que equilibra tradição e inovação.
O anteprojeto, amplamente debatido em audiências públicas durante a sua elaboração — e com grande abertura democrática —, é fruto da construção de 20 anos de jurisprudência, além de posições consolidadas na literatura jurídica nacional e de exemplos exitosos da legislação estrangeira. Propõe o novo, mas não é obra novidadeira.
Não é reflexo do pensamento de um único autor. É fruto do debate franco entre juristas de todo o Brasil, de diferentes escolas e concepções teóricas, que construíram um texto majoritariamente composto por consensos. Contempla a necessária linguagem técnica, mas não se esquece que a lei, antes de tudo, é dirigida ao cidadão. É trabalho que se pautou no vetor da maturidade doutrinária e jurisprudencial, que, por isso, pôde ser vertido em oito meses de intenso trabalho. O que não estava maduro para se propor não integra a revisão proposta.
O projeto original do CC/02, obra de excelência elaborada sob a liderança de Miguel Reale, é datado de 1975. O mundo e o Brasil eram outros. Após a redemocratização e a CF/88, ocorreu a aprovação da lei, 27 anos depois. Desde então, houve mais de 20 anos de mudanças sociais. A atualização da lei é, pois, necessária. Não é um novo Código Civil: é uma revisão que visa a adaptá-lo à realidade do século 21.
O anteprojeto consolida transformações da família já apreendidas pela jurisprudência, como a filiação socioafetiva, e o casamento entre duas pessoas (sem designar o gênero). Desburocratiza os trâmites para o casamento e, também, o divórcio, além de aperfeiçoar os regimes de bens. Facilita o registro de filhos havidos por pais não casados, em proveito do melhor interesse das crianças. Disciplina, com cuidado e responsabilidade, as técnicas de reprodução assistida.
Promove maior liberdade econômica e segurança nos contratos e moderniza suas regras, além de desburocratizar o direito empresarial e aperfeiçoar o regime de garantias, ajudando a fomentar investimentos.
Em matéria de herança, propõe incremento da liberdade para planejar a própria sucessão.
Na parte geral, aperfeiçoa a proteção aos direitos da personalidade,
prestigiando a dignidade da pessoa humana e sua autodeterminação.
O anteprojeto também coloca o direito civil na era digital ao propor um novo livro apenas para tratar dos desafios da tecnologia, como a inteligência artificial e os neurodireitos.
As reformas, com segurança e responsabilidade, urgem. Eis o sentido do anteprojeto proposto. A contemporaneidade não se compraz da temporalidade da "montanha mágica" do século 19.