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O uso de carta arbitral em arbitragens no exterior

A lei de arbitragem equipara o árbitro ao juiz, mas atos de força como retenção de valores bancários necessitam do Judiciário. Em 2015, a "carta arbitral" foi criada para essa cooperação. Ela facilita a execução de medidas urgentes decididas por árbitros, contribuindo para o destaque do Brasil em arbitragem global.

23/5/2024

A lei de arbitragem equipara o árbitro ao juiz estatal, o que confere poder a esse instituto. Porém, o árbitro não pode implementar sozinho certos atos de força, tais como reter valores de contas bancárias. Necessita, para esse fim, da cooperação do Poder Judiciário. Durante muito tempo havia controvérsia sobre como essa cooperação entre árbitro e Poder Judiciário deveria ser instrumentalizada. Esse ponto só veio a ser regulado em 2015, no novo CPC e na reforma da lei de arbitragem, com a criação da "carta arbitral", resultado de sugestão de grupo de estudos da PUC-SP liderado pelo professor Francisco Cahali, com apoio da OAB/RJ.

O racional é que as "cartas" representariam o meio previsto no direito processual brasileiro para comunicação entre juízes (por exemplo, cartas rogatória e precatória). Como o juiz equivale ao árbitro em suas funções jurisdicionais, faria sentido que a comunicação fosse feita por uma carta (a nova "carta arbitral").

A carta arbitral tem exercido papel relevante, especialmente quando uma parte precisa de execução pelo juiz de medida de urgência decidida pelo árbitro, contribuindo para que o Brasil se tornasse um dos principais locais de arbitragem no mundo e para o desenvolvimento das instituições brasileiras, com o CBMA - Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem.

Esse sucesso ensejou uma questão: poderia ser a carta arbitral usada também para tutelas de urgência concedidas em arbitragens correndo no exterior, mas quando se precisa implementar a medida no Brasil? Voltando ao exemplo inicial, poderia, em uma arbitragem em Londres, os árbitros enviarem carta arbitral para o Poder Judiciário brasileiro, para congelar contas bancárias no Brasil?

Entendo que sim, bastando que (i) os árbitros consignem que o local da decisão objeto da carta de arbitragem  foi no Brasil; e (ii) haja consentimento das partes para isso, que pode constar da convenção arbitral ou do termo de arbitragem.

Isso porque a lei de arbitragem não diferencia arbitragem doméstica da arbitragem internacional, apenas distinguindo a sentença estrangeira, prolatada no exterior, em contraposição à doméstica, proferida no Brasil. Adota-se, portanto, critério geográfico, que incide, propositalmente, apenas sobre a sentença e não sobre outros atos do procedimento arbitral, como as decisões interlocutórias.

Mais do que isso, há permissivo legal para que atos processuais se desenvolvam em lugares outros que o "local da arbitragem", o qual pode ser interpretado como autorizando que decisão interlocutória de arbitragem no exterior seja proferida no Brasil. Dessa forma, a carta arbitral poderia ser o instrumento para que o árbitro no exterior determine o cumprimento no Brasil da tutela de urgência.

Pode causar estranhamento a possibilidade de escolha do local da decisão interlocutória, para fins de viabilizar a carta arbitral, em vista da regra geral de que o juízo do país aonde a sentença arbitral será prolatada deve dar apoio à arbitragem. Porém, essa regra não é absoluta. Por exemplo, em casos de competência judicial brasileira, e se não for vedado pela convenção arbitral, uma parte pode pedir uma tutela de urgência perante o Poder Judiciário do Brasil antes do início de uma arbitragem no exterior.

Além disso, cumpre refletir sobre a questão à luz do princípio constitucional de livre acesso à jurisdição. A carta arbitral permite rápido cumprimento no Brasil da tutela de urgência proferida em arbitragem correndo no exterior, ao contrário das outras possíveis opções, como carta rogatória, muito mais lenta. Trata-se, portanto, a solução mais alinhada com o espírito constitucional.

Diante de todo esse contexto, se a própria lei de arbitragem permite certa flexibilização do local para prática de determinados atos, não vejo problema em se adotar essa solução criativa, de sorte a autorizar o árbitro, em procedimento correndo no exterior, a solicitar o cumprimento no Brasil de medida de urgência por carta arbitral. A consolidação desse entendimento seria importante para conferir ainda maior efetividade à arbitragem, independentemente de onde se conduziu originalmente o procedimento.

Joaquim Tavares de Paiva Muniz
Advogado e Professor. Sócio de Trench, Rossi e Watanabe Advogados. Diretor de Arbitragem do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA. Presidente do Conselho Nacional de Instituições de Mediação e Arbitragem - CONIMA.

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