Introdução
Este artigo aborda a inovação trazida pelo código de normas do Estado do Pernambuco à luz da proibição constitucional da usucapião de bens públicos e da possibilidade jurisprudencial da usucapião de domínio útil de imóveis da união sob o regime de aforamento, analisando o contexto jurídico e as especificidades aplicáveis. A imprescritibilidade dos bens públicos, assegurada pelo art. 183, §3º, da Constituição Federal, estabelece que tais bens não são suscetíveis a usucapião, reforçando a proteção patrimonial estatal. Por outro lado, o domínio útil de bens em regime de aforamento, especialmente em terrenos de marinha, apresenta uma dinâmica jurídica jurisprudencialmente distinta, conforme ilustrado pelo julgado RE: 218324 PE, corroborado pela súmula 17 do TRF-5. Entretanto, o recente dispositivo do Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça de Pernambuco foi além, com os incisos II, III e IV do seu art. 1705/23. Analisaremos essa possibilidade jurídica com as balizas do CC, da lei de registros públicos, da Legislação Patrimonial da União e da Constituição Federal.
A jurisprudência brasileira pacificou a possibilidade de usucapião do domínio útil de bens públicos dominicais em regime de aforamento, desde que a ação seja movida contra o particular enfiteuta. Este entendimento reforça a distinção entre o domínio direto, inalienável e imprescritível da União e o domínio útil, passível de usucapião. O art. 1705 no Estado do Pernambuco trouxe a possibilidade, na hipótese de imóvel em terreno de marinha devidamente matriculado, da conclusão da usucapião, mantendo-se o regime de aforamento ou ocupação previamente cadastrado na SPU.
Assim, o objetivo deste estudo é analisar detalhadamente a intersecção entre a vedação da usucapião de bens públicos, a admissibilidade da usucapião do domínio útil em regime de aforamento e o recente dispositivo do Estado do Pernambuco que inaugurou a possibilidade jurídica da usucapião do direto cadastral de ocupação à luz da Constituição e da Legislação correlata.
A usucapião e os bens públicos
Bens públicos são classificados em dominicais, de uso comum do povo, e de uso especial. Os bens dominicais são aqueles que o Estado possui e administra como seu patrimônio, sem destinação pública específica, podendo ser utilizados para obtenção de receita patrimonial, como os terenos de marinha. Os de uso comum do povo são acessíveis a todos e destinados ao uso geral da população, como rios, mares, estradas, praças e a praia. Os bens de uso especial são aqueles destinados à execução de serviços públicos, como prédios de repartições públicas e escolas.
A Constituição Federal, em seu art. 20, inciso VII, especifica que são bens da União os "terrenos de marinha e seus acrescidos", o que exemplifica a categoria de bens dominicais quando não estão afetados a um uso especial. De acordo com o decreto-lei 9.760/46, são considerados terrenos de marinha aqueles que encontram-se até 33 metros para o continente, contados da linha do preamar médio de 1831, ou seja, a média das maiores marés observadas nesse ano específico.
Em relação ainda a usucapião e bens públicos, o TJ/SP na Apelação 10021531420168260362 reconheceu a possibilidade da usucapião de bem público desafetado. Importante estabelecer que trata-se de entendimento ainda minoritário na jurisprudência. Nesse sentido, a decisão do STJ no REsp 1.874.632 enfatiza a doutrina e jurisprudência consolidadas sobre a imprescritibilidade dos bens públicos, reiterando a impossibilidade de usucapião de imóveis pertencentes à esfera pública, em conformidade com o art. 183, §3º, e art. 191, parágrafo único, da Constituição Federal, além do art. 102 do CC e da súmula 340 do STF. No caso específico, tratava-se de um imóvel vinculado ao SFH - Sistema Financeiro de Habitação, considerado bem público por equiparação por estar afetado à prestação de serviços públicos. A natureza jurídica de bem público e sua destinação específica para atender às políticas habitacionais reforçam a tese de que tais bens são imprescritíveis, ou seja, não podem ser adquiridos por usucapião.
Além disso, o julgamento traz à tona a discussão sobre a colisão entre princípios fundamentais, como o direito à moradia e a supremacia do interesse público sobre o particular. No confronto de tais princípios, prevaleceu a visão de que o interesse coletivo e as finalidades públicas dos bens têm primazia sobre os interesses individuais. O STJ, portanto, enfatizou que a eventual inércia ou abandono do bem público por gestores não altera sua natureza jurídica nem justifica a ocupação ilícita, resguardando o princípio de que o bem público é indisponível e deve servir às necessidades coletivas, como a reforma agrária e o planejamento urbano, e não apenas aos interesses individuais dos ocupantes.
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