A fase de apuração de haveres tem o objetivo de obter o valor correspondente à participação societária do sócio retirante, falecido ou excluído, após resolução do vínculo societário. É certo que há interesse conflitante dos polos envolvidos, pois se, de um lado, há intenção do antigo sócio de maximizar o valor que será apurado pela respectiva participação societária, de outro lado, os remanescentes desejam o oposto.
Neste contexto, o critério de apuração de haveres surge como importante parâmetro para mensurar o valor da participação do antigo sócio, já que o resultado obtido pode mudar substancialmente, para mais ou menos, a depender do critério aplicado.
A legislação brasileira determina que prevalece o critério previsto no contrato social, ou seja, aquele livremente estipulado pelos sócios, no âmbito da sua autonomia da vontade, em decorrência do princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), desde que observados, conforme decisões do STJ, os limites legais e os princípios gerais do direito¹.
Com efeito, nos termos do art. 1.031 do CC e art. 606 do CPC, somente se não previsto de modo diverso no contrato social ou se este for omisso, é que se aplica a regra geral da lei do critério patrimonial apurado em balanço de determinação, que avaliará bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo, que deverá ser apurado da mesma forma, como se houvesse partilha por dissolução total da sociedade.
Esse entendimento tem sido reforçado pelo STJ, a exemplo da discussão sobre a possibilidade de se aplicar o critério do fluxo de caixa descontado para a apuração dos haveres em caso de dissolução parcial quando o contrato social é omisso.
Em decisão recente, julgada em 22/8/23, a 4ª turma do STJ, no REsp 1.904.252/RS, de relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, afastou a aplicação do fluxo de caixa descontado como critério para apuração de haveres na hipótese de dissolução parcial de uma sociedade limitada. A sociedade do caso concreto tinha previsão no contrato social de apuração dos haveres por meio de “balanço geral, sendo o resultado líquido, positivo ou negativo, distribuído nas proporções das quotas”, de modo que a discussão girou em torno sobre se tal previsão abarcaria ou não lucros futuros da sociedade.
A ministra Maria Isabel Gallotti ressaltou, inicialmente, que a previsão contratual deve ser privilegiada, mas como o contrato social era omisso sobre a projeção de lucros futuros, o entendimento foi de que estes não deveriam integrar o cálculo dos haveres, aplicando-se o critério legal, ou seja, o patrimonial apurado em balanço de determinação, que considera o patrimônio da sociedade no momento da dissolução parcial.
Anteriormente, no REsp 1.877.331/SP, da 3ª turma do STJ, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, julgado em 13/4/21, prevaleceu o voto divergente do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, segundo o qual, na omissão do contrato social quanto ao critério de apuração de haveres na dissolução parcial, deve-se aplicar o previsto nos arts. 1.031 do CC e 606 do CPC, que determinam o critério patrimonial mediante balanço de determinação, restando afastada a metodologia do fluxo de caixa descontado.
Sem que se pretenda esgotar o tema, até porque sua complexidade não permite em breves reflexões, é possível constatar a importância de estipulação do critério de apuração de haveres nos contratos sociais, com cláusulas inseridas após discussão e análise pelos sócios e seus assessores sobre o tratamento que pretendem dar ao tema, observadas as particularidades do negócio, de modo a evitar conflitos futuros. Afinal, quando se trata de matéria tão litigiosa como o critério de apuração de haveres, é melhor prevenir do que remediar.
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1- "(...) a apuração de haveres - levantamento dos valores referentes à participação do sócio que se retira ou que é excluído da sociedade se processa da forma prevista no contrato social, uma vez que, nessa seara, prevalece o princípio da força obrigatória dos contratos, cujo fundamento é a autonomia da vontade, desde que observados os limites legais e os princípios gerais do direito" (AgInt no AREsp 1534975/SP, Relator Ministro Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 19/04/2021, DJe 26/04/2021) (AgInt nos EDcl no AREsp n. 639.591/RJ, Relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 29/6/2020, DJe de 3/8/2020) (AgInt no AREsp n. 1.174.472/RS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 13/12/2018, DJe de 19/12/2018).