Na semana passada, um júri em Miami considerou Carlos Ramón Pólit Faggioni, ex-chefe da Controladoria-Geral do Equador, culpado de conspirar com seu filho, um banqueiro em Miami, e com outros por lavagem de milhões de dólares em propinas da Odebrecht e de um empresário de resseguros equatoriano. Pólit, que fugiu para os EUA em 2017, foi condenado em 2018 à revelia no Equador a seis anos de prisão e a pagar 40 milhões de dólares em restituição.
Este é apenas um de uma série de recentes processos por propinas estrangeiras movidos por agências de fiscalização dos Estados Unidos contra entidades que realizam negócios na América Latina. A tendência deve servir como um aviso: as autoridades competentes dos EUA estão atentas à práticas corruptas na América Latina que possam afetar os mercados globais ou os interesses comerciais dos EUA.
Apenas nos três primeiros meses de 2024, o Departamento de Justiça dos EUA (DoJ, na sigla em inglês) resolveram três grandes casos de corrupção no Brasil, Equador e México. Em março, a empresa suíça de comércio de commodities a Trafigura Beheer BV se declarou culpada de violar a Lei de Práticas Corruptas no Exterior (FCPA, na sigla em inglês) dos EUA e concordou em pagar mais de 126 milhões de dólares para resolver alegações de que a empresa pagou propinas a funcionários brasileiros a fim de garantir negócios com a Petrobras.
Também em março, como parte das resoluções criminais com as autoridades norte-americanas e suíças, o Grupo Gunvor concordou em pagar cerca de US $ 661 milhões e admitiu conspirar para subornar funcionários no Equador a fim de garantir negócios com a empresa petrolífera estatal Petroecuador.
Da mesma forma, em fevereiro, um ex-comerciante da empresa global de energia e commodities o Grupo Vitol foi condenado por violações da FCPA e lavagem de dinheiro após um longo julgamento sobre alegações sobre de que ele subornou autoridades no Equador e no México para ganhar US$ 500 milhões em negócios. Em 2020 Vitol concordou em pagar mais de US $ 135 milhões para resolver alegações de propina relacionadas.
Embora não se possa saber com certeza se algum destes casos recentes foi resultado de um “whistleblower” (termo utilizado em inglês para o "insider" que faz uma denúncia), os programas dos whistleblowers da Securities and Exchange Commission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) e da Commodity Futures Trading Commission (CFTC, a Comissão de Negociação de Futuros de Commodities) estão criando incentivos poderosos para que indivíduos com conhecimento de irregularidades denunciem às autoridades dos EUA, oferecendo recompensas financeiras aos denunciantes. Até o momento, milhares de indivíduos estrangeiros participaram dos programas dos whistleblowers – muitos deles com grande sucesso.
Os whistleblowers se tornaram parte integrante da luta contra a corrupção dos EUA. Na realidade, no início de março, o DOJ anunciou que irá incentivar os whistleblowers a denunciar crimes empresariais e financeiros, especialmente corrupção estrangeira, fornecendo incentivos monetários às pessoas que apresentem informações importantes sobre irregularidades.
O novo programa destina-se a preencher lacunas nos atuais programas dos whistleblowers da SEC e da CFTC. As autoridades do DoJ identificaram especificamente violações da FCPA e as fraudes financeiras como áreas específicas de interesse. O DOJ manifestou particular interesse em casos da FCPA fora da jurisdição da SEC, incluindo violações por parte de empresas não registradas no mercao de capitais americanos e violações da recentemente promulgada Lei de Prevenção de Extorsão Estrangeira (FEPA, na sigla em inglês). Tanto cidadãos americanos quanto estrangeiros podem ser whistleblowers.
O iminente programa de whistleblower do DOJ deve sobrecarregar a fiscalização anticorrupção dos EUA. Mais de trinta anos de leis robustas dos whistleblowers nos EUA demostraram que as recompensas financeiras pelas informações dos whistleblowers são a maneira mais eficaz de combater a corrupção e as irregularidades. A corrupção prospera porque está enraizada no sigilo e há sérios déficits de informação para as agências de aplicação da lei. Evidências de qualidade são essenciais para descobrir todos os tipos de corrupção, e os whistleblowers estão muitas vezes em posição de fornecer o conhecimento interno que desvendará fraudes há muito enterradas.
Os programas dos EUA que oferecem incentivos financeiros aos whistleblowers alcançaram um sucesso notável, recuperando mais de US$ 100 bilhões em danos e sanções para os governos federal e estadual e para os investidores prejudicados. O novo programa de incentivo á whistleblowers do Departamento de Justiça é um desenvolvimento importante na guerra contra o crime corporativo e a corrupção e demonstra que o DOJ reconhece o poder de incentivar aqueles com conhecimento interno a avançar. O programa, juntamente com as iniciativas de denúncia existentes da SEC e da CFTC, será outra ferramenta poderosa para intensificar a fiscalização anticorrupção no Brasil e no mundo.
As empresas na América Latina devem ficar atentas e esperar mais ações de fiscalização por parte das autoridades dos EUA, à medida que esses programas de denúncia se tornam mais conhecidos por aqueles que têm conhecimento sobre má conduta.