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O elemento X

A rápida e crescente chegada da internet e de suas novas formas de interação geraram os desafios jurídicos da era digital.

29/4/2024

A rápida e crescente chegada da internet e de suas novas formas de interação geraram os desafios jurídicos da era digital. Anexo a tudo isso, veio a necessidade de compreender e regulamentar novas áreas no Direito. Diversas nações implementaram debates e promoveram alterações significativas em suas legislações para se adequar a essa evolução social. O Brasil caminha nesse sentido.

Dentre os desafios da responsabilidade civil — tema ao qual nos debruçamos durante a elaboração do anteprojeto de reforma do Código Civil, na comissão de juristas formada pelo Senado Federal — está a derrocada do papel da culpa, com a ascensão das atividades de risco; a indecisão sobre a conotação do nexo causal, a redefinição hermenêutica do ilícito; e a ampliação do significado de dano e sua expansão sobre a coletividade.

No nosso país, além dos conflitos internos recheados de excessos que temos de apaziguar e punir, presenciamos, nos últimos dias, o empresário Elon Musk terçar forças com a decisão do nosso Supremo Tribunal Federal (STF) no combate a quem se opôs à Justiça.

O fato aconteceu depois de o ministro Alexandre de Moraes, no estrito cumprimento de seu dever, determinar que a rede social X (antigo Twitter) se manifestasse sobre descumprimentos de decisão judicial movida pela Polícia Federal. A rede, segundo relatório da PF, autorizou transmissão de conteúdo ao vivo de pessoas investigadas e que estão com perfis bloqueados pela Justiça. O próprio Elon Musk, mandatário-mor da rede e líder dos ataques, faz parte do inquérito.

Musk foi à sua rede, e os likes subiram como foguete, disparados sem mira certa por sequazes sedentos por ataques à figura do ministro que, junto a seus pares, tem sustentado a base da nossa democracia. Afronta-se o ministro e, conseguintemente, a instituição e o Poder, e, desta forma, o país.

Há quem defenda a teoria da impossibilidade de uma triagem prévia das publicações. Nessa linha de raciocínio, a responsabilização do provedor pelos conteúdos representaria uma carga desproporcional para o desenvolvimento de suas atividades, além da possibilidade do efeito inibidor sobre a liberdade de expressão.

Vale ponderar que, na jurisprudência brasileira, existem diversos outros exemplos da dificuldade em se retirar, administrativamente, conteúdos criados por terceiros, como o de uma professora que viu seu nome em uma comunidade criada apenas para ofendê-la; o de uma mulher que teve todos os seus dados pessoais (verdadeiros) vinculados a um perfil falso, de serviços sexuais. Assim como para os que estão na plataforma de Musk, a única alternativa para a solução desses exemplos (fake news, cyberbullying) foi, de fato, por meio de ação judicial.

Essa regra mencionada acaba transformando forçadamente o Poder Judiciário em um árbitro de conteúdo. Cabe aos tribunais, já sobrecarregados de trabalho, decidirem o que constitui ou não uma violação dos direitos fundamentais antes mesmo de qualquer responsabilidade recair sobre as plataformas digitais. Já à vítima, a opção que resta é a de propor ação de reparação de danos contra a pessoa que criou o conteúdo, mesmo diante da dificuldade de identificação — pois, quase sempre, os criminosos utilizam dados inverídicos ou anônimos que não podem ser rastreados.

E foi para solucionar casos assim que sugerimos no texto apresentado ao Congresso para a reforma do Código Civil ampliar a abrangência da responsabilidade civil. Nele, busca-se que a tutela preventiva do ilícito seja destinada a inibir a prática, a reiteração, a continuação ou agravamento de uma ação ou omissão contrária ao direito, independentemente da concorrência do dano, ou da existência de culpa ou dolo. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tem enfatizado justamente que “a função preventiva essencial da responsabilidade civil é a eliminação de fatores capazes de produzir riscos intoleráveis”.

Se assim for — e há de ser — será menos penoso se garantir a ordem em nosso país, sem que para isso tenha-se que ferir a democracia, que muitos tentam implodir.

Patrícia Carrijo
Juíza, presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) e vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

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