Migalhas de Peso

Transação tributária e o novo programa litígio zero 2024 da RFB

O programa "Litígio Zero" permite a regularização de débitos tributários através de acordos entre contribuintes e fisco. Em 2024, foi lançado um novo edital, focando em débitos de até 50 milhões em processo administrativo fiscal, excluindo dívidas na dívida ativa. A adesão implica renúncia a contestações.

25/4/2024

Em 2023 foi deflagrado por meio da Portaria Conjunta PGFN/RFB 13/23, o programa denominado “litígio zero” com a possibilidade de regularização de débitos tributários pela transação, prorrogado até 28 de dezembro do mesmo ano. A ideia era diminuir o contencioso tributário e estimular acordos entre contribuinte e fisco, além de recuperar valores devidos aos cofres públicos.

Agora, a Receita Federal do Brasil, publicou o Edital de Transação por adesão 1/24, que regulamenta o “Programa Litígio Zero 2024”. Desde 1/4/24, os contribuintes com débitos de até 50 milhões podem aderir ao programa até 31 de julho. O objetivo ainda é diminuir litígio, mas desta vez as regras do edital se referem ao passivo administrativo tributário no âmbito das DRJ - Delegacias de Julgamento e do CARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, ou seja, abrangem aqueles débitos ainda em procedimento administrativo fiscal, que não tenham sido constituídos definitivamente. Portanto, não incluem àqueles outros inscritos em dívida ativa, passivos de discussão junta a PGFN - Procuradoria da Fazenda Nacional.

Apesar do título “litígio zero”, o Edital 1/24 traz critérios próprios de adesão, tanto para pessoas físicas, quanto para pessoas jurídicas com débitos discutidos em contencioso administrativo tributário, o programa funciona como uma “moeda de troca”, onde o contribuinte abre mão de questionar a cobrança aderindo ao programa de transação.

Oportuno ressaltar que a Transação é uma forma de extinção da obrigação, regulada pelo direito privado nos artigos 8401 e ss. do Código Civil. No Código Tributário Nacional, é prevista como uma das hipóteses de extinção do crédito tributário, como vemos no art. 156, inciso III2. Já o art. 1713 do CTN prevê que a transação será celebrada, entre os sujeitos ativo e passivo da relação jurídica tributária, mediante lei, pela autoridade por esta definida e nos termos e condições estabelecidos, com concessões mútuas e que importe em determinação de litígio.

Veja-se que a transação encontra previsão no Código Tributário. Todavia somente em 2020, durante a pandemia, entrou em vigor a lei 13.988/20, originada da conversão da Medida Provisória 899/19, regulamentando a transação tributária e dispondo sobre suas modalidades, alterada posteriormente pela lei 14.475/22, com a finalidade de aperfeiçoar os mecanismos da transação. Como sabido em matéria tributária em virtude do princípio da legalidade, há necessidade de lei que sobrevindo, pode-se, então, os sujeitos de determinada obrigação tributária celebrar “um acordo, que se deu por concessões mútuas”. (SHOUERI, 2011, p. 564).

Na Exposição de Motivos da MP 899/19 (EMI 00268/19 ME AGU), já constava que o instituto, regulamentado, viria para contribuir, para aumentar a efetividade da recuperação dos créditos tributários federais e a diminuição de litígio tributário. De se admitir, desde então já tivemos algumas transações, regida por cada Portaria específica a cada modalidade escolhida e gerida nos termos da lei 14.475/22.

A lei 14.475/22 abrange créditos da Fazenda Pública tributários ou não Tributários, aplicando-se: créditos tributários não judicializados sob administração da Receita Federal (SRF); dívida ativa e aos tributos federais responsabilidade da PGFN; dívidas ativas das autarquias e fundações públicas federais sob responsabilidade da PGF - Procuradoria-Geral Federal e, créditos cobrados nela PGU - Procuradoria-Geral da União.

A partir do capítulo IV a lei 14.375/22, passou a alterar a lei 13.988/22, cuja nova redação trouxe as seguintes modificações:

Art. 1º, § 4º, I: inclusão na transação de créditos tributários sob a administração da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia.

Art 2º: modalidades:

  1. por proposta individual ou por adesão, na cobrança de créditos inscritos na dívida ativa da União, de suas autarquias e fundações públicas, na cobrança de créditos que seja da competência da PGU, ou em contencioso administrativo fiscal;
  2. por adesão, nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e
  3. por adesão, no contencioso tributário de pequeno valor.

(...)

Art 10. A transação na cobrança da dívida ativa da União, das autarquias e das fundações públicas federais poderá ser proposta, respectivamente, pela PGFN e pela PGF, de forma individual ou por adesão, ou por iniciativa do devedor, ou pela PGU, em relação aos créditos sob sua responsabilidade.

Art. 10-A. A transação na cobrança de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal poderá ser proposta pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, de forma individual ou por adesão, ou por iniciativa do devedor, observada a LC 73/93.

Desta feita, a transação como modalidade de extinção do crédito tributário, urge alguns contrapontos pela doutrina, todavia nos parece correta a afirmação de que ocorre a extinção do crédito logo quando da adesão do contribuinte ao programa, haja vista o nascimento de uma nova relação jurídica, neste sentido aponta Luís Eduardo Schoueri (2017, p. 686), que realizada a transação acarreta a efetiva extinção da obrigação tributária, sendo substituída por outra, nos termos ali acordados, o que gera uma nova dívida tributária. E não quando cumprido em sua integralidade o acordo transacionado, ou seja, ao final do pagamento, como no caso do parcelamento convencional, previsto no art. 151, inciso VI do CTN – caso em há a suspensão da exigibilidade do crédito, até ulterior cumprimento.

Ocorre que cada modalidade de transação traz critérios específicos e, muitas vezes possibilitam a quitação do débito de maneira pormenorizada, como no caso do Edital de Transação por adesão 1/24, aqui apontado.

Indispensável se faz sublinhar, que na prática muitos dos contribuintes ficam atrelados ao próprio sistema da Receita Federal, quando da abertura do processo digital e/ou apresentação de documentos exigidos pelo Edital. Isso porque a depender da classificação de risco do crédito (rating), os critérios de pagamento, valor de entrada, bem como os descontos aplicados variam. Em síntese, no “Programa Litígio Zero”, os créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação poderão ter desconto de até 100% no valor dos juros, multas e encargos legais, limitados em até 65% do valor total da dívida, com entrada de 10% do valor consolidado da dívida, após o desconto, dividido em 115 parcelas. 

Já no caso de dívidas de média ou alta chance de recuperação, a entrada é de 30% do valor consolidado em até 5 parcelas e, a utilização do prejuízo de anos anteriores, até 31/12/23 para o pagamento de até 70% do valor da dívida após a entrada, sendo o saldo restante parcelado em até 36 vezes, ou, entrada de 30% do valor da dívida em até 5 parcelas e o restante em até 115 meses.

No tocante aos débitos de até 60 salários mínimos, a entrada é de 5% do valor consolidado em até cinco parcelas, sendo o restante parcelados em 12 meses, com redução de 50% da dívida, em até 24 meses, com redução de 40% da dívida, em até 36 meses, com redução de 35% da dívida, em até 55 meses, com redução de 30% da dívida.

Outro ponto é o uso de prejuízos em CSLL e IR apurados até 31/12/23, para abater o pagamento da dívida, até o limite de 70% do valor da dívida após a entrada. Neste caso a entrada é de 10% do saldo, parcelados em até 5 meses, sendo que o saldo pode ser parcelado em até 36 vezes. Porém, a utilização desse crédito estará condicionada a confissão da dúvida pelo devedor.

Desta sorte, forçoso notar que é opção, concepção vindoura de atividade legiferante, haja vista a leitura do citado art. 171 do CTN - Código Tributário Nacional, em que somente por meio de lei pode a administração pública dispensar a cobrança do tributo, dado sua natureza compulsória, mediante concessões mútuas, e que importe em determinação de litígio.

Trata-se de tema da mais dilatada importância. Por isso ocupa posições supinas nas relações e por conseguinte de índole tributária. Conferenciar sobre o tema transação e, em especial em matéria tributária com o “Programa Litígio Zero 2024” em andamento, nos garante acompanhar seus desmembramentos, na medida em que as adesões são feitas.

Nessa intelecção conseguimos visualizar que programas de incentivo como esse, representam um grande avanço para redução de litígio e se aperfeiçoa ao que fora prevista e intencionado pelo CTN anos atrás.

------------------------

1 Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas.

2 Art. 156 - Extinguem o crédito tributário: I - o pagamento; II - a compensação; III - a transação;

3 Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário.

SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011.

Dayane Cavalcante Cipriano
Advogada com experiência no Direito Tributário e Direito Público. Mestranda e Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP. Presidente da Comissão de Direito Tributário 101ª Subseção OAB/SP.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

ITBI na integralização de bens imóveis e sua importância para o planejamento patrimonial

19/11/2024

Cláusulas restritivas nas doações de imóveis

19/11/2024

Estabilidade dos servidores públicos: O que é e vai ou não acabar?

19/11/2024

O SCR - Sistema de Informações de Crédito e a negativação: Diferenciações fundamentais e repercussões no âmbito judicial

20/11/2024

Quais cuidados devo observar ao comprar um negócio?

19/11/2024